A licitação do Ministério de Relações Exteriores para contratar serviços de escritório de advocacia que assistiriam o governo brasileiro em processos contenciosos (nos quais existe litígio) no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio) foi cancelada pela Justiça.

A juíza federal substituta da 15ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal Emília Maria Velano concedeu parcialmente liminar em um mandado de segurança por considerar ilegais duas cláusulas do Edital de Licitação 01/2007, que beneficiariam escritórios de advocacia estrangeiros em detrimento de brasileiros.

Segundo uma das cláusulas do edital, publicado no dia 17 de agosto, em Bruxelas, pelo Ministério das Relações Exteriores em sua missão junto à União Européia, o requisito principal para a contratação é o de que os escritórios tenham gabinetes próprios regular e formalmente estabelecidos em Bruxelas (com pelo menos 5 advogados na área de comércio internacional), em Washington D.C. (com pelo menos 15 advogados na área de comércio internacional) e no Brasil, nos últimos dois anos.

A exigência foi contestada por Durval de Noronha Goyos, advogado especialista em direito internacional, para quem a restrição fere o princípio da isonomia. Segundo ele, todo o trabalho será realizado na Suíça, onde correm os processos e onde a OMC está situada, e no Brasil, onde estão as partes.

De acordo com Noronha, a legislação brasileira sobre licitações públicas (Lei 8666/91) veda a previsão de cláusulas ou condições que estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato.

"O fato de se exigir sede própria em Bruxelas e Washington, e não no Brasil, prestigia a contratação de escritório estrangeiro em detrimento de nacionais igualmente capacitados para o cumprimento do objeto da licitação”, critica o advogado. "A decisão judicial impede a realização de uma licitação inidônea e recoloca a questão nos termos da legislação brasileira."

Outra cláusula impede a participação de escritório que já tenha contrato semelhante com o governo. No processo, o Ministério das Relações Exteriores alegou que não teria sentido a existência de dois contratos, um sem licitação e outro com.

Para a juíza, entretanto, “é óbvio que diversos escritórios poderiam optar pelo contrato advindo de uma licitação, em razão da maior segurança jurídica proporcionada, abrindo mão do compromisso firmado anteriormente”. Assim, “excluí-los de forma sumária contraria o princípio da isonomia”, considerou.

Ainda na opinião da magistrada, o edital do ministério não cumpre com os principais objetivos de um procedimento licitatório, como garantir a observância da isonomia e selecionar a proposta mais vantajosa para a administração.

Assim, embora considere válida a exigência de sede em Bruxelas e em Washington, destaca a cláusula como a que apresenta mais “aspectos discriminatórios desarrazoados a que proíbe a participação de escritórios com sede apenas no Brasil, mesmo se associados a escritórios estrangeiros”.

O ministério alegou que a cláusula visa garantir “qualificação técnica do licitante”. Disse ainda que é de se “reconhecer que, de modo geral, o meio jurídico brasileiro ainda não alcançou plena capacitação nessa área, demandando contínuo processo de aperfeiçoamento”.

“Não há nada nos autos que permita concluir pela inexperiência dos escritórios de advocacia brasileiros na seara do direito internacional”, rebateu a juíza. “O estrangeiro teria o mesmo problema de distância territorial.”

A liminar foi concedida parcialmente para suspender as cláusulas 2.1 e 2.6 do edital.

Procurado pela reportagem de Última Instância, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que está avaliando a decisão para decidir se recorre.