Roma – A anunciada intervenção do governo dos EUA (Estados Unidos da América) nos mercados financeiros com desembolsos anunciados de US$ 700 bilhões, mais os dispêndios comprometidos nas últimas semanas com certas empresas individualizadas, chegará a aproximadamente US$ 1,3 trilhão, um valor superior a qualquer iniciativa já destinada a promover a erradicação da pobreza ou o bem-estar da humanidade.
Tais enormes valores farão com que as reservas internacionais do Federal Reserve, o banco central dos EUA, fiquem pela primeira vez na história num patamar inferior àquelas do Brasil, e que a dívida interna dos EUA suba para US$ 11,3 trilhão, quase o valor do produto interno bruto deste país.
O pacote chama a atenção, em primeiro lugar, por reconhecer a falência da filosofia da supremacia da economia de mercado sobre todos os demais valores. Num segundo plano, todavia, restam as profundas dúvidas se meros desencaixes estatais terão o condão de resolver as graves anomalias institucionais que provocaram o presente estado de coisas.
De fato, o anúncio feito dos desembolsos veio desacompanhado de quaisquer medidas destinadas a dar segurança institucional e jurídica aos negócios financeiros nacionais e internacionais, numa superficialidade a surpreender até mesmo os habituados à pobreza de espírito do governo Bush, sua mediocridade e notável incompetência.
Quando da crise dos mercados iniciada 1929, o governo do presidente Roosevelt, em 1933 fez a reforma do sistema financeiro dos EUA de maneira a dotar o país de um ordenamento jurídico mais eficaz para o combate à fraude institucionalizada e aos abusos de mercado. Assim, foi feita a separação legal entre as atividades bancárias de investimento e aquelas comerciais, que existe naquele país até hoje.
Da mesma maneira, naquela ocasião foi criada a SEC (Securities and Exchange Commission), a comissão dos valores mobiliários, organismo com amplos poderes de regulamentar, supervisionar e combater as atividades anômalas, ilegais ou criminosas do mercado financeiro e acionário, de forma a dar maior segurança institucional.
Embora na crise de 2008 muitas das causas possam ser encontradas nas anomalias e fraudes perpetradas pelos bancos de investimento, faltaram por ora as medidas para coibi-las e as ações concretas para apurar as responsabilidades. Assim, não apenas sistema financeiro ficou comprometido pela forma de criação artificial de valores e sua venda, pelos bancos de investimento, como também o mundo político.
Na iniciativa privada, o que dizer dos banqueiros que vendem papel sem substância econômica? Fraude ou estelionato? O que considerar a respeito das agências de classificação que deram como tendo grande respeitabilidade financeira um número de instituições insolventes? E dos auditores que revisaram as respectivas contas? E dos advogados que documentaram as fraudes? E dos banqueiros comerciais que descarregaram tais produtos viciados dos seus associados bancos de investimento em seus clientes?
Vê-se, portanto, que há muito de errado no funcionamento do mercado financeiro e acionário, nas operações dos bancos de investimento e seus setores ancilares, bem como na sua regulamentação. Deixa igualmente a desejar a perseguição criminal e responsabilização civil dos agentes e atores.
A ausência de medidas destinadas a sanar tais falhas decorre da profundamente falsa, mas sedimentada percepção, desde há cerca de 30 anos, de que o mercado financeiro e acionário é uma panacéia destinada a resolver todos os problemas políticos, sociais e econômicos da humanidade. Irresponsáveis homens públicos, vorazes banqueiros e ignorantes acadêmicos procuraram transmitir tal especioso e mendaz conceito à opinião pública dando, de um lado, uma falsa sensação de segurança ao público e, de outro, uma licença para o saque aos agentes predatórios.
O mercado financeiro e acionário deve ser, como toda a atividade social, apenas um instrumento para o desenvolvimento dos valores humanos e, para tanto, deve ser profundamente regulado e tutelado pelo Estado.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).