São Paulo – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai firmaram, em 2 de agosto de 2010, o Acordo sobre o Aquífero Guarani (o Acordo), com o objetivo de promover a conservação e o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos transfronteiriços localizados em seus respectivos territórios, o tratado internacional regional pioneiro sobre o tema, sob a égide da Resolução 63/124 da ONU (Organização das Nações Unidas), de 2008.
O Aquífero Guarani é a principal reserva subterrânea de água doce da América do Sul e um dos maiores sistemas da espécie no mundo, a ocupar uma área estimada de 1,2 milhões de km², dos quais 840 mil km² no território brasileiro. A qualidade de sua água é excelente e sua recarga anual é de 160 km³ ao ano, dos quais 40 km³ podem ser explorados de maneira sustentável.
Trata-se de um desenvolvimento regional altamente positivo. Como é sabido, a água é considerada a mercadoria mais importante do século 21. Segundo a ONU, em menos de 25 anos, cinco bilhões de pessoas estarão sem água para as necessidades mais básicas. De fato, conforme dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), menos de 1% da água doce disponível é adequada para o consumo humano.
A água viabiliza não apenas a vida humana e aquela animal, como também a atividade econômica dos Estados, e não apenas no setor agrícola, que alimenta o mundo, mas também nos setores industrial e de serviços. Segundo a CIA, as disputas sobre questões de água serão a principal causa de conflitos bélicos no século 21.
O artigo 2 do Acordo remete as questões de soberania ao ordenamento jurídico de direito interno de cada qual das Partes, ao dispor que cada Estado exerce o domínio territorial soberano sobre suas respectivas porções do Aquífero Guarani, de acordo com suas disposições constitucionais e legais e de conformidade com as normas aplicáveis de direito internacional.
A gestão, o monitoramento e o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos em questão serão feitos desde os territórios dos Estados signatários, conforme o artigo 3 do Acordo. Obrigam-se ainda as Partes, com base no mesmo dispositivo, combinado com o artigo 4, a aplicar critérios de uso racional e sustentável dos recursos e promover sua conservação, sem prejuízo às demais e ao meio ambiente.
Quando as obras num determinado Estado puderem ter efeitos transfronteiriços, as normas relevantes de direito internacional serão aplicáveis, como decorre do Artigo 5 do Acordo. Tais eventuais obras e projetos deverão ser comunicados às demais Partes, ex vi do disposto no artigo 9. O Acordo apresenta algumas diretrizes sobre como deverão ser feitos os respectivos informes.
Ficou criada uma comissão para o acompanhamento da consecução dos objetivos do Acordo, conforme o Artigo 15. Eventuais disputas serão objeto de negociações políticas, conforme o Artigo 16, o que representa uma falha na concepção do tratado. De fato, se as negociações políticas fossem eficazes, não haveria uma disputa. Assim, falha o Acordo na criação de uma sistemática eficaz para a resolução de disputas, mal presente em todos os tratados regionais firmados pelo Brasil.
De qualquer maneira, a iniciativa é muito importante não apenas pela relevância intrínseca do tema e pelo objetivo de proteger e racionalizar o uso do Aquífero Guarani, mas também por estabelecer algumas normas básicas para a cooperação regional na consecução do intento.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).