Com a autoridade moral de quem passou 27 anos da vida nas masmorras do arbítrio, pregou a tolerância, virtude que segundo Voltaire é o apanágio da humanidade. Assim, Mandela liderou a grande reconciliação nacional, a qual proporcionou os sólidos fundamentos para o desenvolvimento moral, social e econômico da África do Sul, que podemos já constatar hoje, mas que será muito maior nas próximas décadas.
Não bastassem todas as suas realizações, sua avançada idade de 87 anos, e o fato de já haver se retirado da vida pública, a figura legendária de Nelson Mandela esteve em Londres nesta quinta-feira (3/2) para abrir uma campanha pela erradicação da pobreza mundial. Como Gandhi antes dele, apresentou-se Mandela como porta-voz da consciência da humanidade. E que formidável porta-voz!
Disse Mandela _na mesma Trafalgar Square onde, por muitos anos a fio, protestou-se pelo seu encarceramento em Robin Island_ que, “tal qual a escravidão e o apartheid, a pobreza não é natural”. “Neste século, milhões de pessoas nos países mais pobres do mundo permanecem aprisionadas, escravizadas e em grilhões. Eles caíram na armadilha da prisão da pobreza. É tempo de promover sua libertação”, continuou Mandela.
“A superação da pobreza não é um mero gesto de caridade. É um ato de Justiça. É a proteção de um direito humano fundamental, o direito à dignidade e à uma vida decente. Enquanto a pobreza persistir, não haverá a verdadeira liberdade”, observou Mandela, apelando para a consciência da humanidade, tal qual já o fizera Gandhi. O Mahatma já havia dito que a mais alta corte de justiça é a consciência, que se encontra dentro de cada um de nós.
A presença de Mandela em Londres neste período em particular é oportuna, não somente pela importância da mensagem, válida a qualquer momento, mas também pela reunião dos ministros da fazenda do bloco G-7, que está tomando lugar nesta ocasião, com a presença dos representantes da África do Sul, Brasil, China e Índia. O anfitrião do encontro, o ministro da fazenda inglês, tem uma agenda de ajuda à erradicação da pobreza na África.
Se essa agenda é altamente meritória, pois todo o mundo muito deve ao continente africano, sua motivação, como freqüentemente ocorre nas relações internacionais, é espúria, hipócrita e oportunista. O governo inglês sentiu-se isolado internacionalmente em decorrência de sua política exterior clientelista em relação aos EUA (Estados Unidos da América) e das violações graves ao direito internacional praticadas em relação ao Iraque.
Mais ainda, o governo inglês, formado por um partido soi-disant socialista, o Trabalhista, encontra-se alienado de sua própria base eleitoral, meses antes de uma eleição geral a tomar lugar no próximo mês de maio.
De mais a mais, o governo inglês pretende contrapor uma oposição à iniciativa dos presidentes Lula e Chirac, no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas), de tributar os fluxos internacionais financeiros para destinar os recursos ao combate à miséria.
De qualquer maneira, a tomada de consciência de que existe um grave problema a ser atacado imediatamente pela comunidade internacional já é um grande progresso e a presença de Nelson Mandela na campanha é fundamental para dar credibilidade à iniciativa.
Que a ação a se seguir seja decisiva!
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).