Brasil e Argentina anunciaram, dia 15 de dezembro, a criação de um novo sistema de pagamentos para o comércio bilateral entre os dois países, conforme protocolo assinado pelos respectivos ministros da Fazenda e da Economia. O novo sistema entrará em vigor em meados de 2007. Como é sabido, o sistema atual é pouco eficaz, por exigir a liquidação das respectivas obrigações comerciais na moeda de um terceiro país, o dólar dos Estados Unidos.
Essa particularidade traz um grande inconveniente de ordem macroeconômica, ou seja, a dependência da moeda de um terceiro país para a possibilidade da realização do comércio bilateral, o que traz a limitação da capacidade de acesso a essa moeda. Ora, a capacidade de acesso, por Brasil e Argentina, a uma moeda de um terceiro país, no caso o dólar americano, é muito inferior ao tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) de cada um dos países.
De fato, para que empresas situadas no Brasil comprem mercadorias ou produtos no valor de US$ 10 bilhões de agentes econômicos situados na Argentina, é preciso antes adquirir tal moeda, ao passo que o valor em Reais em circulação no País se encontra plena e imediatamente disponível em quantidade muito superior. O mesmo ocorre com os importadores de produtos brasileiros situados na Argentina.
Assim, em tese, a ampla aceitação das moedas de um e outro, Real e Peso, tende a impulsionar as trocas bilaterais dezenas de vezes, na proporção em que o PIB de cada país é superior ao seu respectivo comércio internacional. De mais a mais, o processo tornaria mais simples, e menos onerosas, ao menos quanto às taxas de câmbio, as atividades importadoras e exportadoras para os agentes econômicos privados.
Todavia, no caso específico, a medida anunciada pela excessiva timidez, o que praticamente neutraliza os possíveis efeitos benéficos de multiplicação do potencial de comércio, por não preconizar a aceitação definitiva, pelos respectivos Bancos Centrais, das moedas de Brasil e Argentina. Assim, muito embora os exportadores e importadores possam eventualmente economizar as taxas de corretagem de câmbio, os Bancos Centrais realizarão a compensação final em dólares americanos (sic).
Tal limitação impedirá a, de outra maneira possível, expansão múltipla das trocas e a utilização do Real e do Peso na formação das reservas de Argentina e Brasil, migrando parcialmente para fora do dólar americano, uma moeda em grave crise de substância. Essa última medida poderia ser combinada com a reestruturação do perfil das reservas externas brasileiras e argentinas, de tal maneira a refletir o peso de cada moeda no comércio exterior do País, pela natureza do parceiro comercial. Como resultado, negócios outros que o comércio de mercadorias, como investimentos transfronteiriços, seriam estimulados.
Outra falha inexplicável na estruturação do protocolo argentino-brasileiro do sistema de pagamentos é ter sido ele celebrado fora do âmbito do Mercosul. Ora, o Tratado de Assunção, de 1991, estabelece inter alia, como um dos objetivos do bloco, aquele da livre circulação de capitais. Assim, o sistema de pagamentos em moedas próprias para comércio regional é uma questão de interesse do Mercosul, e não apenas de Brasil e Argentina. Como, assim, explicar a discriminação de Paraguai, Uruguai e Venezuela?
Medidas tímidas, impensadas e pouco eficazes como estas, que aparentam denotar uma falta de coordenação das áreas financeiras com as respectivas chancelarias de Brasil e Argentina, aprofundam a crise política do bloco, comprometem a credibilidade regional dos dois países, ao mesmo tempo em que praticamente não trazem benefícios. Mais uma vez, estamos a fazer, tardiamente, muito pouco e de maneira atabalhoada. Os povos dos países do Mercosul estão a merecer uma melhor gestão das grandes questões estratégicas na área financeira.
Durval de Noronha Goyos Jr.
Advogado qualificado no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal, sócio sênior da Noronha Advogados e árbitro do Gatt e da OMC.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).