Brasília – O Congresso dos Estados Unidos da América (EUA) aprovou, na semana passada (28 de setembro de 2006), um projeto de lei que busca convalidar as práticas atentatórias aos direitos humanos levadas a efeito pelo governo Bush, após decisão adversa da Suprema Corte do país, tomada em junho deste ano, que declarava ilegal o tratamento de combatentes insurgentes e os procedimentos jurídicos daquela administração.
A nova lei rompe com uma tradição de juridicidade que existe há mais de 200 anos no país ao convalidar normas que suspendem o Bill of Rights, acabam com o habeas corpus, convalidam a tortura, cerceiam o direito de defesa, permitem o uso de provas obtidas ilegalmente, autorizam a prisão sem culpa formada e por prazo indeterminado e conferem ao presidente dos EUA o poder de “interpretar” convenções internacionais.
A lei não se restringe aos chamados prisioneiros de Guantánamo e tem uma aplicação ampla a todos que “intencionalmente e materialmente tenham apoiado hostilidades contra os EUA”. Essa definição permite uma interpretação extraordinariamente ampla, que poderá inclusive limitar o direito à liberdade de expressão de opiniões. Da mesma forma, ela irá discriminar ainda mais os estrangeiros residentes no território do país norte-americano, ainda que legalmente.
Essa infame lei não é uma iniciativa isolada mas, ao contrário, reforça uma tendência de aumento das restrições ao império da lei e às liberdades civis, nos EUA. De fato, na mesma semana, a Câmara dos Representantes aprovou um projeto do governo de escutas telefônicas. Por sua vez, contemporaneamente, o Senado aprovou a verba de US$ 1,2 bilhão para a construção do muro da infâmia entre os EUA e o México que, com 1.300 quilômetros, equivale à cortina de ferro não apenas na extensão, mas também na vergonha.
Numa perspectiva institucional interna, os EUA foram, por muitos anos, um farol da liberdade a inspirar a evolução internacional dos direitos humanos, das liberdades democráticas, do estado de Direito e da própria democracia. Hoje, todavia, a lamentável situação jurídica em que se encontra o país evoca mais os tempos sombrios da Alemanha nazista, da União Soviética stalinista e da Itália fascista.
Por outro lado, o poderio militar incontrolado do país não permitia sua categorização precisa como uma república banana, ainda que suas instituições políticas estejam em franco processo de aviltamento.
De fato, para além da crise do poder legislativo dos EUA, o executivo já demonstrou todos os vícios antidemocráticos e o judiciário tornou-se um poder subordinado ao executivo, balizando-se, por enquanto ocasionalmente, na lealdade partidária mais do que na lei.
Assim, o efeito deletério de tais sombrios desdobramentos de ordem interna se fazem sentir nos foros internacionais, nos quais os EUA tornaram-se a força da opressão, do arbítrio e da miséria.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).