Durante a rodada do Uruguai do GATT, ambos os setores mencionados foram objeto de duras demandas por parte dos países em desenvolvimento, que desejavam a liberalização do setor têxtil com a eliminação do Acordo Multifibras. Do embate havido com os países desenvolvidos, houve o compromisso de renovar o Acordo Multifibras no âmbito multilateral por um período de 10 anos, prevendo-se a desgravação progressiva das quotas no período e sua total eliminação a partir de 31 de dezembro de 2004.
Dessa forma, o processo que começou com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1° de janeiro de 1995, determinou a integração no sistema multilateral de 16% das importações de cada Estado-membro nessa data. Em 1° de janeiro de 1998, 17% adicionais foram desgravados, seguidos por 18% em 2002. Os produtos restantes, representando os 49% remanescentes das mercadorias importadas, ou a fina flor do protecionismo, serão liberalizados em 31 de dezembro do corrente ano.
Aquilo que deveria ser uma ocasião de júbilo por parte dos países em desenvolvimento produtores têxteis, e comemorado à altura, passou todavia a representar uma preocupação estratégica considerável, a ponto de alguns Estados-membros nessa categoria pleitearem a prorrogação do Acordo Multifibras. O que teria havido de novo no setor? Nada menos do que a acessão da República Popular da China à OMC, em 11 de dezembro de 2001, com suas enormes vantagens comparativas na área têxtil, que incluem para além da mão-de-obra barata, uma base legislativa competitiva, uma infra-estrutura eficiente e tecnologia de ponta. A combinação desses fatores deu à China a decisiva vantagem no setor têxtil: qualidade com preço.
Um ano após a acessão da China à OMC, o país já dominava cerca de 25% das exportações mundiais de vestuário, com um valor estimado de US$ 52 bilhões. Previsões conservadoras estimam que esse percentual de mercado deverá dobrar até o ano de 2008. Alguns países potencialmente competidores com a China, como Bangladesh, com renda per capita inclusive inferior, deixam de ser eficazes por terem uma estrutura legislativa onerosa, com altos tributos e excessiva burocracia, por exemplo. Outros, como o Vietnã, não têm investimentos adequados no setor.
Assim, parece que os únicos instrumentos à disposição das indústrias têxteis nacionais ameaçadas de extinção pela competição chinesa sejam aqueles contemplados nos artigos 15 e 16 do Protocolo de Acessão da China à OMC. O artigo 15 permite às autoridades dos países importadores o uso de uma metodologia alternativa para a determinação de preços domésticos nos casos anti-dumping, pelo período de 15 anos, devido à presunção de,jure de que a China não é uma economia de mercado. Por outro lado, o artigo 16 estabelece um mecanismo especial de salvaguardas para a proteção da indústria doméstica do país importador, válido pelo período de nove anos para o setor têxtil e de 12 para as demais áreas.
Essa tendência já começou a se manifestar. A União Européia e os Estados Unidos da América já promoveram medidas de salvaguardas contra produtos têxteis chineses, e foram seguidos por diversos países, entre os quais a Índia, a Coréia e, na América do Sul, o Peru. Hoje, a China já é sofre mais de 500 medidas anti-dumping e responde por aproximadamente 50% dos casos de salvaguarda existentes no mundo. Esses números deverão aumentar a partir deste momento.
Todavia, medidas como anti-dumping ou salvaguardas servem apenas para um alívio transitório, de curto e médio prazo. Sem reformas estruturais de fundo, incluindo aquelas destinadas à redução do chamado custo país, o setor têxtil fora da China sofrerá muito para manter-se viável.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).