1 – Actualmente o Homem já não se limita à descrição dos processos biológicos, ele vai mais longe. Tenta, mesmo, modificar o curso da evolução das espécies. E, desde já, uma pergunta se coloca: Qual o futuro da Humanidade e, portanto, do Direito e dos seus fundamentos a partir do momento em que for viável construir um novo Homem "igual" a um outro Homem?

A Revolução Biotecnológica, menos política e económica, e mais social e cultural, ao tornar possível agir sobre as células da vida ameaça desnaturar a identidade humana e fabricar, em laboratório, outros seres autónomos planeados pela Ciência e a Técnica.

É o rompimento total com o passado e a entrada num novo mundo: o mundo novo da aventura da biotecnologia. Está aberto definitivamente o conflito entre "a força da razão", a tentação da ciência em criar um "homem novo", e a necessidade de manter ´´as raízes" da nossa própria identidade. É a controvérsia sem termo, dados os avanços rapidíssimos da técnica e o evoluir, embora a velocidade menor, dos valores que caracterizam a vida social. Uma civilização com outras temáticas? É o grande, o maior desafio do século XXI.2 – A biotecnologia ao passar do conhecimento da vida ao poder sobre a vida está a caminhar a um ritmo alucinante, nem sempre permitindo a pausa indispensável à reflexão .

A solução não está, de modo algum, em condenar todos os avanços da biotecnologia, caindo num dogmatismo fixista, pois seria esquecer que a Ciência conquistou o seu lugar na sociedade, e que ela tende sempre a ultrapassar todas as referências e condenações. Porém, também, não será de aceitar todas as suas tentações e muito menos julgar como irreversível que "a terceira via" tem a característica peculiar e trágica de surgir num mundo que não está preparado para assumir todas as suas consequências.

Tem de se encontrar uma solução de compromisso razoável entre a lealdade, a necessidade absoluta de conservar e defender as raízes da identidade humana, e, o direito fundamental da liberdade de conhecer e investigar.3 – Contudo, não é fácil atingir este desidrato.

É claro que o reforço da armadura legal não vai evitar todos os perigos, fantasmas e medos que estão no caminho da nova biotecnologia. Os comandos da lei nem sempre são respeitados, todos o sabem. Kelsen adiantou, mesmo, que uma regra e tanto mais jurídica quanto mais possível é a sua violação.

Mas, quando o entrechoque de interesses e contradições se instala naturalmente na vida das pessoas, a regra jurídica é o instrumento último para impôr condutas obrigatórias.

Legislar em matéria biomédica prende-se, necessariamente, com a concepção fundamental do Homem, e, por isso, assiste-se a um esforço em diversas áreas do saber humano, medicina, biologia, sociologia, filosofia, direito, etc., a nível internacional e nacional, no sentido de encontrar as melhores soluções.

No direito português existe um vácuo legislativo na medida em que as normas jurídicas que expressamente disciplinam a procriação assistida, são claramente insuficientes, encontrando-se desinseridas do conjunto do sistema jurídico e, o que é mais grave, suscitam muitas dúvidas e contradições.4 – Há toda uma panóplia de matérias com importantíssimas repercussões no foro jurídico que são abordadas no meu livro "Direito ao Património Genético" [1], tais como: a inseminação artificial post-mortem, o contrato de gestão uterina, a clonagem, o direito à identidade genética, entre outros.5 – O Direito, até há pouco tempo, operava com alguma segurança relativamente ao facto de a identidade da mãe ser sempre certa – Mater semper certa est – enquanto a do pai presumida. Não havia dúvidas que a mulher que concebeu, gestou e deu à luz era a mãe. Na impossibilidade de se obter a certeza de quem era o pai, aplicava-se (e aplica-se) a velha máxima romana pater is est quem justae nuptiae demonstrant. Trata-se, no entanto, apenas de uma presunção juris tantum.

Nos casos dos filhos extra matrimonio as provas que a ciência podia produzir seguiam o principio da exclusão. Actualmente, o teste de DNA comprova a paternidade com um grau de acerto de 99,999999 %. Nestes moldes, a ficção presumida da paternidade é substituída pela quase certeza sobre a paternidade.

Contrariamente ao que acontece com a paternidade, os progressos científicos vieram pôr em causa o princípio da maternidade sempre certa nos casos das mães portadoras. A maternidade deixou de poder ser definida de modo simples e categórico. Em causa o velho axioma mater semper certa est, etiam si vulgo conceperit? No caso das mães portadoras, de aluguer ou hospedeiras quem é a "verdadeira" mãe? A que deu o óvulo? A que gestou a criança? A que "encomendou"?

Por mãe portadora entende-se a mulher que se obriga, por contrato, a suportar a gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto.

Os contratos de gestação suscitam inúmeras questões:

A mulher que aceita "albergar" no seu útero um ser que depois entregará a outrém, mediante, na maioria das vezes, uma quantia pecuniária, zelará por essa criança da mesma forma que o faria se esse bébé ficasse consigo após o nascimento (ex.: abstenção do consumo de tabaco, álcool, drogas, etc.)? E se por causa do parto, a mãe de aluguer falecer, quem é o responsável? A hospedeira pode recusar-se a entregar o bébé?

E se nenhum dos contraentes, depois do nascimento, quiser a criança? Os pais que "encomendam o filho" podem rejeitá-lo caso este tenha alguma deficiência, como se se tratasse de um produto industrial?

Se fosse admitida a contratação, evidentemente a título gratuito, qual o seu objecto? O empréstimo do útero, por tempo determinado, ou a gestação com a obrigação de entrega do produto final? Em caso de inadimplemento, como executar? Haveria o direito a indemnização?

A Ciência desenvolve-se, por vezes, a um ritmo superior ao do Direito criando-se um vácuo normativo que é necessário colmatar.

Estes contratos encontram-se, já, proibidos em vários ordenamentos. Contudo, em Portugal existe um vazio legislativo. Deste modo, e enquanto não houver legislação específica, como resolver eventuais situações desta natureza? Numa palestra numa Universidade Portuguesa sustentei estar ferido de nulidade o contrato de gestação uterina e aduzi todo um conjunto de argumentos de natureza jurídica e científica nessa orientação.

No entanto, não é possível descurar as consequências em caso de não cumprimento desta proibição. As crianças não podem, obviamente, ser consideradas inválidas ou inexistentes, nem se devem olvidar os laços de sangue com os pais genéticos.

Penso que a disposição normativa para disciplinar estes contratos poderia ser:

Artigo…

1. Na reprodução humana não é permitido utilizar o processo das chamadas mães de aluguer.

2. No caso do não cumprimento do determinado no número anterior, será considerada mãe legal a que recebeu o esperma, pela sua maior participação na gestação do filho; na hipótese da inseminação ser feita com a utilização de óvulo já fecundado, a mãe legal será a genética.

3. Quando não for possível determinar a mãe genética será tida como mãe legal a parturiente.

Deste modo, defendo que a regra de ouro – a mãe é a mulher que dá à luz – (nº 1 do art. 1796° do Código Civil), norma aliás comum aos quadros jurídicos da chamada cultura ocidental, teria de ser substituída pelo princípio do respeito ao direito da mãe genética. A portadora que contribuiu com o óvulo deve ser considerada a mãe legal. Foi ela que cedeu o material hereditário indispensável. A individualidade do novo ser ficou praticamente definida a partir do momento da combinação entre os genes do pai e da mãe.

E quem é a mãe no caso de tripla maternidade? A genética (a dadora do óvulo)? A uterina (a hospedeira – A social (a que cria e educa)?

Julgo ser de aplicar o critério anterior. A mãe será sempre a que forneceu o elemento biológico fundamental para a determinação do património genético da criança.6 – A inseminação artificial post-mortem, por mim anteriormente enunciada, é, também, mais uma das problemáticas suscitadas por este mundo novo da aventura da biotecnologia.

Os novos progressos científicos possibilitam decidir como se deve nascer e quando se deve morrer. Ou seja, ter a última decisão sobre a vida. Com efeito, e numa perspectiva extrema, mas que é já uma realidade, assistimos a maternidades a transformarem-se em laboratórios de procriação, e a salas de reanimação e a alas dos hospitais de doentes terminais a evoluírem para uma espécie de "limbo mecânico" ou antecâmaras do fim da existência física, onde os médicos são como árbitros supremos da dialéctica vida/morte. O Homem tende, deste modo, a nascer "in vitro" e a morrer "in maquina". É possível gerar um ser humano após o falecimento dos progenitores biológicos [2].

Por outras palavras, os novos métodos da procriação assistida podem fazer com que a reprodução humana se dissocie do tempo, do espaço e do próprio contexto familiar. Surgem problemas a partir do momento em passou a ser possível gerar um ser depois da morte dos seus progenitores biológicos. Existe, desde logo, um ser potencial condenado à orfandade; uma criança que já é órfã antes de ser concebida. É uma situação anómala no âmbito do estabelecimentos da filiação e do direito das sucessões [3].

Podem ser consideradas, juridicamente, pelo menos, três posições:

a) proibição total de inseminação "post-mortem"[4].

b ) Admissão da inseminação "post-mortem" com a restrição de as crianças nascidas na decorrência desse processo ficarem privadas de todos os direitos sucessórios [5].

c ) Admissão da inseminação "post-mortem" sob a condição de a criança nascida com recurso a este procedimento ter direitos sucessórios em relação a todos os bens não partilhados no momento em que nasceu como se tivesse sido gerada durante a vida do marido ou do companheiro da mãe [6].

Podem equacionar-se vários problemas a nível da inseminação artificial post-mortem. A quem deve ser entregue o embrião nos casos de morte de um (ou de ambos) dos progenitores do embrião? Ao outro progenitor sobrevivo? Ao centro encarregue da criogenização do embrião? A um organismo estadual determinado? Ao Tribunal? Ou deverá o casal estipular previamente o destino a dar ao embrião nestes casos?

Qualquer proposta apresentada não será pacífica.

No entanto, é indiscutível que, face a lacuna da lei, é necessário legislar tentando prevenir as diversas hipóteses. Numa primeira aproximação, penso que para melhor defesa da "dignidade" do embrião, a entrega devera ser feita, sob a supervisão do Tribunal, a Centro [7] próprio.

Se se permitir a inseminação artificial post-mortem é indispensável fixar os limites temporais dentro dos quais poderá ser realizada, assim como proceder a correlativa alteração das normas do direito da família e das sucessões.

Caso contrário, a criança nascida para além do prazo de trezentos dias a contar da dissolução do casamento (por morte) teria laços de filiação apenas com a mãe, não tendo quaisquer direitos sucessórios em relação ao pai.

Trata-se, deste modo, de matéria muito polémica.

Qual o destino dos embriões criogenizados se a inseminação post-mortem for proibida? Destruição? Dação a outro casal? Nesta última hipótese, que legitimidade para proibir à viuva ser inseminada com o embrião (seu e do marido) mas, simultaneamente, permitir que uma outra mulher seja inseminada com esse mesmo embrião? ! …

Ou, ainda, caso se perfilhe a inseminação artificial heteróloga admitir-se-á que essa mulher possa recorrer a um banco de dados e "adquirir" um embrião excedentário (pertencente a outrem) mas não possa "aproveitar" o seu próprio embrião? ! …

Penso que é de aceitar a inseminação artificial post-mortem de embriões (mas não de esperma), não como um fim em si mesmo, mas como um meio para resolver um fim. Que fim? Proteger o direito ao Património Genético [8] daquele ser que já está formado desde o momento da concepção.

É, ainda, viável argumentar que embora a criança nasça depois da morte do progenitor continua a ser biológica e geneticamente sua filha e parente dos seus ascendentes, nos mesmos termos do filho nascido antes da morte do pai. A criança é a "herança espiritual e física", é o laço, o elo de ligação entre a existência real, concreta, material (física) da mulher e a inexistência do marido na vida terrena. Podendo acrescentar-se que há filhos póstumos e que, nomeadamente nas designadas sociedades desenvolvidas, é cada vez maior o número de mães solteiras, divorciadas ou separadas.

Defendo que a solução de permitir a inseminação "post-mortem" do embrião, desde que [9] tenha sido autorizada pelo de cuius em documento autêntico, testamento ou escritura pública [10], e o embrião seja utilizado pela viúva ou companheira, num prazo estipulado [11], seria de atender em casos especiais, designadamente em situações de alto risco como as doenças terminais ou a guerra [12][13].7 – Nesta comunicação vou dar primordial ênfase ao tema tão actual da clonagem humana.

A produção humana pelo método de cloning está, por vezes, imbuída de uma carga eminentemente eugénica: os profetas da clonagem tentam obter o gémeo ideal, a (re) produção dos grandes Homens da Humanidade. Criar-se-iam Picassos, Mesdames Curie, Sócrates e não só homens comuns.

No entanto, quero desde já, começar por frisar que não podemos radicalizar os problemas e concluir que se hoje criássemos por clonagem cinco ou dez Picassos, Mesdames Curie ou Sócrates obteríamos novamente Picasso, Madame Curie ou Sócrates pois o contexto familiar, cultural, político, económico, social, etc. seria outro. Se é certo que por um lado, a carga genética de um indivíduo é fundamental, por outro lado não podemos descurar o contributo essencial fornecido pelo meio. Assim sendo, para "reproduzir" este contexto seria necessário "clonar", também, todos os outros indivíduos que dele faziam parte e que poderiam influenciar os clones de Picasso, Madame Curie ou Sócrates?! … Consubstanciaria, sem dúvida, a reprodução de seres com as mesmas características mas, não seria portanto uma fotocópia milimétrica.8 – Parece útil, ainda, colocar a questão de saber se o complexo mundo das novas tecnologias da reprodução assexuada não acarretara virtuais implicações na clássica distinção dos elementos da relação jurídica? Sujeito, objecto, facto e garantia? O Homem é sempre o sujeito e nunca o objecto dessa relação (é evidente que não me estou a reportar a questão dos poderes deveres ou poderes funcionais).

Não se poderá questionar se o ser que resulta da reprodução assexuada pelo método de cloning não é um produto industrial, que foi construído segundo parâmetros pré-determinados e que se compra, vende, troca, manipula? O clone continua a ser uma pessoa sujeita de direitos ou passou a ser, em determinados casos, uma coisa, e como tal objecto na relação jurídica?

Alterados, deste jeito, os elementos da Relação Juridica?

É necessário impedir que o Homem perca a qualidade de Dom e "coisificado" pela Técnica se reduza a mero "produto".9 – Inúmeros problemas do foro jurídico podem ser equacionados se a clonagem vier a ser possível.

Será ética e juridicamente admissível "fabricar" um indivíduo fenotipicamente idêntico ao ser que lhe deu origem genética? [14][15][16][17][18].

Suponhamos o caso de um casal, Walter e Leila. Leila resolve "fabricar" um ser igual a si própria. Suscita-se, desde logo, uma questão interessantíssima no âmbito do Direito da Filiação. A pessoa que nasce é sua filha ou sua irmã? Nos termos do n° 1 do art. 1796° do Código Civil Português a filiação resulta do facto do nascimento. Logo, Leila é a mãe. Mas, é a mãe da própria gémea?! … E o pai quem é? Ou melhor, será que neste caso se pode falar em paternidade uma vez que o clone recebe a informação genética de um único progenitor? Se a noção de progenitura for reduzida à transmissão da carga genética chegamos à conclusão que o filho só tem um ascendente biológico. Porém, segundo o preceituado no número 2 do art. 1796° e no art. 1826° do C.C. o pai é o marido da mãe . É a consagração da velha máxima "Pater is est quem justae nuptiae demonstrand". Logo, no caso em análise o pai seria Walter, marido da Leila.

E se Leila resolver clonar-se e para este fim celebrar um contrato de gestação uterina com uma mãe portadora, hospedeira ou de aluguer. Quem é a mãe? Segundo o critério legal anteriormente referido a mãe é quem dá à luz. Logo, seria a portadora . E, como já referi, face à lei, o pai seria o marido da mãe. Ou seja, o marido da portadora. E, se o marido da mãe de aluguer tiver consentido na inseminação artificial da sua mulher não pode impugnar a paternidade segundo o disposto no art. 1839º, nº 3 do Código Civil. Este artigo determina que não é permitida a impugnação de paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu.

Retomando a questão anterior de saber se o clone é descendente ou irmão gémeo do ser clonado as consequências serão diferentes nomeadamente na área do Direito das Sucessões. O clone integrará a 1ª ou a 3ª classe de sucessíveis do art. 2133°? A 1ª classe é a dos descendentes e a 3ª é a dos irmãos.

Assim, herda como descendente ou apenas como irmão? Será um herdeiro legitimário ao abrigo do art. 2157°? E como tal não pode ser privado da sua legítima (art. 2156°), a não ser no caso raro no direito português da deserdação (art. 2166°)?

A clonagem humana implicará, assim, a modificação de conceitos fundamentais do Direito Civil.

Aberto o caminho para as Rank Xerox da espécie humana?

É um mundo novo! …10 – A última fronteira nesta escalada de hipóteses suscitada pela biotecnologia seria a de uma Humanidade dividida em duas ou mais "raças" com destinos diferentes.

É evidente que este labirinto de novos caminhos, que se entrecruzam, sobrepõem e multiplicam, nos coloca uma pergunta inquietante: qual o futuro da humanidade a partir do momento em que a engenharia genética pode "fabricar" um novo homem? Novas raças, uma de super-homens, belos, fortes e inteligentes, de amos, e, outra de infra humanos para servir aquela?

Consubstanciaria o fim da unidade da pessoa humana que só com o culminar dos séculos foi conseguida pelo Direito com todas as dificuldades conhecidas.11 – Se um programa genético pode determinar a vontade e capacidade de perceber e decidir do ser humano está, também, desde logo, em causa um princípio fundamental do direito: o princípio da autonomia da vontade, como expressão de uma regra mais ampla, a grande máxima da liberdade: é lícito tudo o que não é proibido.

A autonomia da vontade é o princípio segundo o qual, dentro dos limites estabelecidos na lei, a vontade expressa livremente tem a faculdade de criar, modificar e extinguir relações jurídicas.

Aceitar o "Homem Novo" de vontade pré-determinada pela Técnica seria reduzir o Direito a um absurdo, a um impossível.

E, deste modo, julgo poder afirmar que é, cada vez, maior a necessidade de repersonalização do Direito salvaguardando a dignidade da pessoa humana, o seu valor assim como a sua identidade única e irrepetível que constitui, aliás, o cerne, o núcleo do direito à diferença.

Cada ser humano tem o direito de ser diferente de todos os outros e é nesta diferenciação que se constrói o equilíbrio social.

E se assim não fosse, princípios fundamentais que se baseiam na igualdade, quer políticos como a democracia (um homem um voto), quer jurídicos (a lei é igual para todos), etc., passariam a constituir aberrações, utopias sem nenhum sentido de força e lógica.

A riqueza de uma nação encontra-se na diversificação humana e não na sua homogeneidade, na identidade da espécie e na diversidade dos indivíduos.

Tudo o que faz com que Kelsen seja Homem também se encontra nos outros homens, mas aquilo que determina que esse homem seja Kelsen é pertença apenas de um só. Isto é, a pessoa não é, assim, a natureza humana em Kelsen ou Platão, é Kelsen ou Platão. Ela compreende além dos princípios específicos, características e qualidades individuais, ao ponto de não ser suficiente dizer que ela é composta de tal alma, de tal carne ou de tais ossos.

A alma, a carne e os ossos determinam a natureza humana, mas é, precisamente, esta alma, esta carne e estes ossos que determinam esta pessoa.

Para o grupo e para a espécie o que confere valor genético a um ser humano não é apenas a qualidade dos genes em si, mas, também, o facto de ele não ter o mesmo conjunto de genes que os outros, a circunstancia de ser único e irrepetível.

Perturbar todos estes mecanismos naturais da vontade, razão, instintos, reflexos condicionados, etc., por um programa biotecnológico é pôr em causa valores, conceitos, ideais que distinguem a nossa Civilização e de modo particular os princípios e fundamentos do Direito.

É pertença da Humanidade o respeito pela biodiversidade.12 – E, para concluir, questiono-me: não estaremos envolvidos numa mecânica própria, com efeitos preversos, na medida em que somos deuses, senhores e actores da nossa existência e simultaneamente escravos e espectadores do futuro por nós traçado?

Escrevemos, interpretamos e vivemos uma peça teatral cujos limites e perigos da intriga desconhecemos por completo?! …

Convictos da força da Lei, vamos acreditar na criação de um "Mundo Diferente" (que necessariamente não será o que saiu do imaginário de Aldous Huxley), até porque o Direito é, também, … um acto de esperança.