Londres – Os jornais londrinos desta segunda-feira, dia 29 de setembro de 2008, dão na primeira página diversas notícias da intervenção do Estado na economia dos principais países a, historicamente, promover a filosofia do liberalismo como instrumento do apetite imperial predatório e rapaz: os EUA (Estados Unidos da América) e o Reino Unido.
De fato, nos EUA, estão em andamento desembolsos governamentais no montante de cerca de US$ 1,3 trilhão, de maneira a injetar liquidez nas ruínas infectas do sistema financeiro putrefato do país. Por outro lado, noticia-se no Reino Unido a nacionalização do banco Bradford & Bingley, um dos 10 maiores daquela praça. Ainda na primeira página está a notícia da aquisição, pelos governos da Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo, de 49% do capital do grupo financeiro Fortis.
Apesar do anunciado intervencionismo estatal, os mercados financeiros de todo o mundo estão em queda, pela clara percepção de que há muito de errado no sistema financeiro mundial, guiado pela voracidade das potências imperiais de maneira a assegurar a própria e exclusiva prosperidade e a de seus agentes nacionais privados.
Tal doutrina informou os negociadores principais das potências hegemônicas da “nova ordem internacional”, que se seguiu ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, com a implantação dos organismos multilaterais criados apositamente para assegurar a sua prevalência nas relações internacionais e a prosperidade seletiva de uns poucos, ainda que mediante fraudes diversas.
Assim, foram criados o FMI (Fundo Monetário Internacional), para promover o liberalismo na área econômica; o Banco Mundial para promover o liberalismo na área bancária; e assinado o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), hoje personificado na OMC (Organização Mundial do Comércio), ente destinado a promover o liberalismo na área do comércio de trocas de mercadorias, serviços (inclusive financeiros) e propriedade intelectual.
Quantas vezes foram instados todos os países em desenvolvimento a promover o liberalismo econômico, comercial e financeiro por tais organismos multilaterais controlados pelas potências hegemônicas? E quantas foram as vêzes em que os países em desenvolvimento foram criticados, ridicularizados e mesmo sancionados por ainda que modestas intervenções na área econômica? Suas políticas de apoio à indústria nascente não foram vetadas?
Ora pois, não era o mercado a divindade absoluta a resolver todos os problemas da Humanidade? Agora parece que não, a julgar pelo intervencionismo que se observa. A hipocrisia tradicional dos agentes predatores e de seus arautos não permite a observação da contradição que o momento histórico oferece de maneira dramática. A palavra de ordem é a seguinte: salvem o mercado a todos os custos, ainda que seja através do socialismo, ou seja, a socialização das perdas dos ricos, mediante a intervenção econômica do Estado na ordem financeira.
Estamos diante de um divisor de águas na história da humanidade, momento que estaria à altura de observadores como Marx e Kautsky. Os mercados financeiros jamais serão os mesmos. A relação de poder quase absoluto sobre os mercados da parte dos EUA e do Reino Unido aparentemente chegou ao final. A conseqüências políticas na ordem internacional também não tardarão a se fazerem sentir.
Por muito tempo, a economia dos EUA viveu uma prosperidade irreal, distante de sólidos fundamentos econômicos, com enormes déficits fiscais, comerciais e do balanço de pagamentos. Sua moeda perdeu qualquer valor intrínsico de referência. O povo americano acostumou-se a viver ilusória e artificial afluência econômica calcada apenas no poder nacional político e militar.
Com o colapso do mundo selvagem do capitalismo liberal, impõe-se o desenvolvimento de novas normas internacionais a regular e controlar o mercados e as relações financeiras, inclusive com um tratamento multilateral das obrigações tributárias. Da mesma maneira, com a obsolescência de organismos como o FMI, Banco Mundial e OMC, novas agências multilaterais deverão ser criadas para promover valores humanos.
De mais a mais, as relações comerciais internacionais tenderão a migrar mais e mais para as economias reais dos países em desenvolvimento e os empresários serão levados, ainda que por falta de alternativas, a investir na atividade produtiva geradora de fluxos de caixa e de impacto social positivo.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).