A idéia de que o mundo virtual na Internet representava uma sociedade distinta daquelas sujeitas aos diversos ordenamentos jurídicos vigentes no Direito doméstico dos Estados, defendida por muitos no início da popularização do serviço, colaborou decisivamente na sedimentação da percepção equivocada de que, no espaço cibernético, prevalece a liberdade total e, por isso, não se comportam normas.
Essa alardeada anomia tem não apenas justificado, mas até mesmo encorajado, a prática de inúmeros ilícitos de ordem civil e criminal, de difícil perseguição, dado o caráter efetivamente internacional da rede global e da falta de instrumentos adequados de cooperação transnacional para tal fim.
Em realidade, a Internet não configura uma sociedade, mas apenas um fenômeno social, um instrumento tecnológico inserto nas diversas estruturas sociais e normativas existentes nos diversos Estados e sujeito aos respectivos regimes jurídicos de direito interno e também a um crescente, mas ainda limitado, corpo de direito internacional.
De fato, como instrumento tecnológico, a Internet comporta tantas contradições substantivas que afastam decisivamente qualquer tentativa de caracterização como sociedade. É certo, por outro lado, que o uso da Internet repercute sempre no mundo real em todas as ações, já que é feito por pessoas físicas e jurídicas sujeitas a um ou mais ordenamentos jurídicos.
Assim, uma operação comercial realizada na Internet estará sujeita à legislação de regência do negócio realizado, as partes respectivas, bem como a prestação e a contraprestação correspondente virão do mundo real. A autoridade fiscal competente irá cobrar o imposto incidente.
Da mesma maneira, mesmo ações levadas a efeito no serviço Second Life estão sujeitas ao regime jurídico nacional aplicável, inclusive no tocante à propriedade intelectual e à resolução de disputas, levadas aos tribunais nacionais competentes.
Os crimes praticados na Internet são crimes reais e sujeitam os seus autores às sanções do ordenamento jurídico nacional do mundo real, à respectiva perseguição criminal pelas autoridades competentes, bem como à execração que acompanha tais ações.
Da mesma forma, as más companhias, os maus conselhos e as associações indesejáveis ou criminosos que existem na Internet não são fruto de uma gênese metafísica, mas sim de pessoas físicas que se deve evitar na rede global, da mesma forma que na vida social do mundo real.
A construção disparatada e utópica da Internet como um mundo à parte, uma sociedade acima das demais, tem causado muitos danos sociais de grave monta, o que compromete o potencial da Internet como instrumento para disseminar a informação, a opinião e o conhecimento dentro das normas de convívio social, produto da evolução da civilização.
Tais agressões à Lei são hoje tão freqüentes que se tornam urgentes o desenvolvimento de um corpo de direito transnacional para facilitar a colaboração das autoridades domésticas dos Estados e também a criação de um organismo multilateral para administrá-lo de forma isenta e eficiente.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).