A nova presidência rotativa da União Européia (UE), por Portugal, iniciada no primeiro dia de
julho de 2007, foi marcada por dois eventos de grande importância. O primeiro deles foi a cúpula entre o
Brasil e a UE, realizada no último dia 4 de julho, que inaugurou um canal privilegiado e
institucionalizado de diálogo diplomático e comercial entre os dois parceiros. O segundo foi o mandato
recebido pela nova presidência de negociar um Tratado Reformador da UE, que substituirá a tentativa da
promulgação de uma Constituição Européia, projeto aprovado por 18 dos 27 membros do bloco, mas recusado
pelos demais.
De fato, o último Conselho Europeu, após árduas e conflituosas negociações, conferiu um mandato
bastante claro à presidência portuguesa para a realização de uma Conferência Intergovernamental (CIG),
que conduzirá as tratativas necessárias para a eventual de um novo tratado, indispensável para dar uma
base jurídica sólida a garantir o futuro da UE.
As divergências profundas entre os Estados membros da UE a respeito de sua visão desse futuro
impediram a aprovação da iniciativa de reforma imediatamente anterior, a minuta de Constituição Européia,
um esforço meritório que terá uma conotação histórica de fracasso. Dentre os opositores de peso daquela
iniciativa estavam os governos do Reino Unido e da Polônia, ambos clientes dos Estados Unidos da América
(EUA).
O objetivo dos negociadores portugueses para o projeto é o de acelerar ao máximo o processo de
negociação, de maneira a produzir um documento conciso até meados de outubro deste ano, a partir da CIG,
a ser aberta em 23 de julho próximo. Com isso, esperam facilitar o entendimento, já que tratarão com os
mesmos governantes que deram o mandato negociador original.
Esse mandato recebido contempla um tratado que trate da regulamentação de três áreas com
significados distintos e especiais: em primeiro lugar, a questão da segurança interna e cooperação
judiciária; em segundo, a questão ambiental; e, por último, a matéria atinente à política externa da
União Européia.
A área da segurança interna representa um grande obstáculo para um consenso, o que pode
surpreender aos menos avisados. Ocorre que o Reino Unido tem por política privilegiar as relações com os
EUA, ao mesmo tempo em que procura dificultar o adensamento das relações políticas da UE, principalmente
para evitar a sua federalização. Ora, o setor judiciário e aquele de segurança interna representam um dos
principais pilares de uma federação. Para facilitar a obtenção de um progresso substantivo nessa área,
serão propostos parâmetros de maioria qualificada, a requerer um forte consenso destinado a aprovar as
ações no setor.
Na área energética, estarão sobre a mesa de negociações as medidas para combater as alterações
climáticas e o chamado efeito estufa. Da mesma maneira, tratar-se-á da questão da segurança energética,
temas que são de grande interesse ao Brasil, de uma maneira geral, mas também em vista do potencial de
cooperação na produção de energia renovável.
Esse último tópico constou da agenda da cimeira entre Brasil e UE, dias atrás, bem como do pronunciamento
feito pelo Presidente Lula em Bruxelas, na reunião que se seguiu ao encontro cimeira de Lisboa. Uma
particular atenção deverá ser dada pelos brasileiros a eventuais subsídios para a área energética que
poderão desequilibrar as relações na agricultura.
Um grande desafio para os negociadores da CIG será definir uma fórmula que permita à UE atuar em
conjunto, como bloco, nas relações internacionais, o que tem sido em grande parte até hoje
impossibilitado pelas posições idiossincráticas tomadas principalmente pelo Reino Unido, pelas razões
apontadas.
O sucesso da CIG e das tratativas para um Tratado Reformador, coordenadas pelos negociadores portugueses,
tornará a UE uma força mais confiável nas relações internacionais de uma maneira geral, da mesma forma
que um parceiro melhor nas relações políticas e comerciais para o Brasil e para o Mercosul.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).