Excelentíssimos Srs. Deputados e Sras. Deputadas, minhas Senhoras e meus Senhores.
Estamos hoje aqui no Congresso Nacional para examinar a questão de como as ações de defesa comercial podem ser utilizadas de maneira a inibir o sistema de economia de mercado, eliminando a concorrência e prejudicando a ordem pública nacional, para contrariar adicionalmente os melhores interesses dos consumidores brasileiros.
Como é sabido, dentre as medidas de defesa quanto às práticas desleais de comércio, foi instituído pelo regime jurídico multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o Acordo Antidumping que, devidamente ratificado pelo Brasil, foi acolhido pela legislação interna brasileira.
Note-se que instituto do dumping é uma criação quase centenária. Começou ele no Canadá, mas foi imediatamente adotado pelo sistema legal dos Estados Unidos da América (EUA). Convencionou-se chamar de dumping, ou encilhamento, a prática desleal de comércio internacional de vender um bem no exterior abaixo dos preços do respectivo mercado doméstico, de maneira a causar um prejuízo ou dano aos produtores locais.
Para combater esse mal, foi criado o chamado direito antidumping, através o qual se apura o valor correspondente à diferença entre os preços no mercado doméstico e o externo afetado, o que constitui a chamada margem antidumping. Essa margem passa a ser o parâmetro cobrado das importações como tarifa adicional pelas autoridades fazendárias do país que a impõe como direitos alfandegários.
Embora, em princípio, legítimo, o instituto do direito antidumping foi largamente abusado desde o seu início. Como explico nos meus livros “A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai” e “Tratado de Defesa Comercial”, os EUA tornaram o mecanismo em questão na fina flor do protecionismo, aplicando-o injustamente, sempre que os produtores locais deixavam de ser competitivos. Exportações do Brasil têm sido vitimadas há décadas por tal prática espúria naquele país, como é de conhecimento geral.
A situação chegou a tal ponto que, durante a Rodada Uruguai do sistema multilateral de comércio, na qual fui representante de governo brasileiro, os EUA exigiram ( e conseguiram ) que as medidas domésticas antidumping, de uma maneira geral, não pudessem ser revistas pelo sistema de resolução de disputas da Organização Mundial do Comércio, criada em 1995.
Isso ocorreu porque sabiam muito bem os americanos que seus abusos não eram sustentáveis juridicamente num foro com judicatura internacional e não podiam prescindir de tais violências, para uma proteção da indústria doméstica a ser obtida a qualquer custo, de qualquer maneira e sob qualquer pretexto.
Essa situação traz diversas anomalias para além das violações dos princípios de moralidade e justiça. De fato, o primeiro efeito direto dá-se com o prejuízo ao consumidor doméstico, que é privado de adquirir um bem em condições de qualidade e preço potencialmente superiores.
Contudo, a ordem pública, um bem superior, também é putativamente violada, quando o instrumento de defesa comercial do antidumping é utilizado para promover práticas monopolísticas, afastando a desejável concorrência, princípio encastelado na Constituição Federal, no artigo 170, IV.
Assim, na hipótese dá-se o abuso do poder econômico porque o beneficiário da posição dominante usa a atividade empresarial contrariamente à sua função social, de forma a lhe proporcionar um ganho mediante a eliminação da concorrência, em detrimento dos demais atores econômicos, incluindo os consumidores, e da ordem pública.
Sem receios, posso afirmar com toda segurança que esse é o caso da investigação de tubos de aço de carbono, sem costura, de condução, utilizados em oleodutos e gasodutos, com diâmetros de até cinco polegadas, originários da China, presentemente em andamento no Departamento de Defesa Comercial (DECOM), por pleito da empresa V&M do Brasil.
De fato, a empresa V&M do Brasil detém, sabidamente, 98.8% do mercado nacional, ou seja, 600.000 toneladas ano, operado através de quatro empresas de seu grupo, apenas para distribuidores cadastrados e exclusivos, a praticar preços que chegam a superar 69% do valor das operações de importação. Essa produção, contudo, é insuficiente para atender as necessidades brasileiras.
Mais ainda, como o mercado de consumo doméstico é hoje de estimadas 700.000 toneladas ano, com tendência de crescimento, a empresa V&M do Brasil, única fabricante doméstica, deixa de poder atender a necessidade de aproximadamente 100.000 toneladas ano. Se outorgado o injustificável direito antidumping para o caso, o custo de provimento da quantidade superior à produção doméstica será proibitivo e altíssimo o risco de desabastecimento.
Acresce que não apenas a V&M não apenas deixa de ter danos com a minguada importação dos produtos concorrentes, condição essencial ao caso, mas que obteve, no período que vai de julho de 2006 a junho de 2009, um aumento total de receita de mais de 65%, após descontada a inflação. Outorgado o injustificável direito antidumping, essa lucratividade extraordinária será aumentada ainda mais.
Trata-se, a tentativa de obtenção de um direito antidumping em questão, Excelentíssimas Sras. Deputadas, Senhores Deputados, minhas Senhoras e meus Senhores, de uma medida que não apenas distorce o uso de um instituto de sua função natural, mas promove a concentração monopolística com o consequente abuso do poder econômico.
Assim, tal tentativa de criar um direito antidumping para o caso enseja um desvio de finalidade legítima do instituto para uma prática ilegal a buscar fins ilícitos. Dessa maneira, impõe-se coibi-la.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).