O governo federal lançou esta semana um pacote de medidas de intervenção do Estado na economia, sob a denominação de Política de Desenvolvimento Produtivo. Tal intervenção teve por objetivo, muito saudável por sinal, de dar maior competitividade internacional aos nossos agentes empresariais, a grande maioria dos quais está no setor privado, nos dias de hoje, ao contrário do que ocorria na época do regime militar. A iniciativa tem o mérito de fazer um diagnóstico correto das dificuldades institucionais da economia brasileira.
A reação do governo federal é oportuna, como resultado direto da manifesta perda de competitividade de nossas empresas nos mercados internacionais e a preocupante deterioração do balanço de pagamentos do país. Contudo, é de se ponderar que a falta de competitividade internacional dos agentes econômicos brasileiros é devida, em primeiro lugar, a uma política tributária insana, uma das mais onerosas do mundo; ao câmbio supervalorizado em cerca de 35%, o que tem um efeito de um verdadeiro imposto à exportação; e à prática de uma política dos juros reais mais elevados do mundo.
Assim, para restaurar a nossa competitividade internacional teria sido muito mais lógico, linear e eficaz, tratar de reajustar para baixo as taxas de juros e bem assim eliminar a supervalorização do Real, da mesma forma que dotar a política tributária de uma racionalidade mínima. Ao invés, para chegar de São Paulo a Santos, o governo optou por construir uma estrada que sai de São Paulo, vai até Manaus, para então retornar ao litoral paulista. Sob essa perspectiva, a nova política industrial é muito infeliz e, a longo prazo, trará sem sombra de dúvidas mais malefícios que benefícios ao país.
O caráter bizarro da situação fica claro e evidente com o anúncio de benesses fiscais para aliviar a carga tributária nas exportações. Ora, porque então não reduzir a carga tributária de uma maneira geral? Da mesma forma, o governo anuncia medidas de equalização da taxas de juros para aliviar o impacto de sua política de juros nas exportações. Não seria mais simples diminuir os juros de mercado? Acresce que novas linhas de financiamento à exportação são anunciadas, porém em valores insuficientes para atender a todo o mercado. Não seria melhor trazer o câmbio para o seu nível natural e assim, com uma política de mercado, favorecer a todos os exportadores?
A insensatez que tem prevalecido na condução das políticas macroeconômicas brasileiras nas últimas décadas impediu uma solução mais lógica para a inexorável perda de competitividade de nossa economia. Mais ainda, muitas das políticas adotadas, como a da equalização das taxas de juros, a renúncia fiscal no caso do PIS/Cofins, uma redução setorial do IPI, a redução seletiva, contingenciada às exportações, de encargos trabalhistas, dentre outras, são inconsistentes com a ordem jurídica multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC).
De fato, o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da Rodada Uruguai, datado de 1994, o tratado internacional de regência a respeito do impacto de muitas das medidas adotadas veda, de uma maneira geral, inter alia, subsídios contingentes ao desempenho na exportação; receita governamental não recolhida ou perdoada, acima de um certo patamar; financiamentos governamentais contingentes à exportação; transferência de fundos; apoio ou sustentação a preços ou rendas, etc.
Dessa maneira, as medidas objeto da Política de Desenvolvimento Produtivo a infringir tais normas serão muito provavelmente contestadas por muitos de nossos parceiros comerciais no âmbito do sistema de resolução de disputas da OMC. Os prognósticos para o Brasil, infelizmente, não são nada animadores, dada a natureza claramente inconsistente das medidas face à ordem jurídica multilateral e aos precedentes diversos, inclusive o havido no caso Bombardier v. Embraer, no tocante à política de equalização de taxas de juros então adotada pelo Proex.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).