Os paraísos fiscais representam uma determinada região isenta de intervenção estatal na economia de mercado, onde se operam as transações comerciais, industriais, e financeiras de caráter internacional conforme a economia de mercado. Trata-se de um local onde se torna possível o desenvolvimento das atividades econômicas sem as adversidades impostas pelos Estados com a finalidade de obter maiores arrecadações por meio dos tributos, bem como na manipulação das divisas [1].

Devido à inexistência de uma definição legal, ou conjunto de critérios para se caracterizar um paraíso fiscal, a sua identificação se torna bastante complexa e difícil. Além do mais, não há uma unanimidade em relação aos seus conceitos e definições entre os Estados Unidos e os países-membros da OCDE [2].

Alguns países possuem um critério definitivo para identificar os paraísos fiscais. A Bélgica, o Japão, e a França classificam-nos como aqueles que aplicam regime de tributação substancialmente baixo[3] . Para a legislação alemã, os paraísos fiscais são jurisdições com tributos menores do que a alíquota de 30%; e, para a legislação do Reino Unido, aqueles cujos tributos aplicáveis aos não-residentes sejam menores do que a metade do tributo a ser pago se o contribuinte tiver residência no Reino Unido [4]. Recentemente, o Brasil passou a conceituar legalmente os paraísos fiscais como " … país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima de inferior a 20% [5]".

Não obstantes às dificuldades mencionadas nos itens acima, é possível conceituar os paraísos fiscais como regiões que isentam de pagamento de tributos e de impostos sobre os rendimentos auferidos por pessoas jurídicas (inclusive o imposto de renda sobre os dividendos distribuídos aos acionistas), com capital social subscrito por não-residentes, que tenham atividades sociais exercidas fora de sua jurisdição[6].A utilização dos paraísos fiscais, enquanto instrumento de investimento externo e de transferência de recursos, não constitui meio ilícito ou ilegal, onde se permite tudo o que for proibido em outros lugares[7]. Trata-se de um instrumento para fins de planejamento tributário a nível internacional, cobrindo diversas jurisdições, bem como de um dos meios de desenvolvimento econômico-social voltado para as necessidades específicas de uma determinada região [8]. A sua finalidade consiste em minimizar os custos, encargos, bem como as obrigações fiscais de uma sociedade multinacional dentro dos limites estabelecidos pelas leis das diversas jurisdições envolvidas.

2.1.- Jurisprudência internacional

Conforme o dizer do Juiz Learned Hand, não fazendo referências diretas à utilização dos paraísos fiscais, expressou, de modo eloqüente, a legitimidade deste objetivo em duas de suas opiniões, quais sejam [9] "Qualquer indivíduo pode dispor de suas atividades de modo que os seus tributos sejam os mais baixos possíveis. Ninguém está obrigado a agir conforme os meios de que melhor renderão ao Tesouro; não há nenhuma ação patriótica em aumentar os seus tributos." E doze anos mais tarde:

 

"Os tribunais têm sempre afirmado que não existe nada de sinistro em dispor de suas atividades de modo que os tributos sejam os mais baixos possíveis. Todos assim fazem, seja rico ou pobre; e, todos estão corretos ao agir desta maneira, já que ninguém se encontra obrigado a pagar mais do que a lei demanda; os tributos representam pagamentos forçados, e não contribuições voluntárias. Demandar a mais em nome da moral não passa de uma mera chacota". [10]

Outrossim, conforme a afirmação do Comitê Consultivo do Comércio e da Indústria da OCDE, ao enfatizar a utilização dos paraísos fiscais, manifestou-se da seguinte maneira:

"Uma necessidade econômica de redução de custos, incluindo-se os tributos, para um estágio suportável, nas circunstâncias onde as leis dos países não são coordenadas, e até mesmo as leis de um determinado país são inconsistentes […][11]".

Além do juiz Learned Hand, é ainda possível citar outra afirmação, que foi feita pelo juiz Wilhelme Martz, membro da Corte Tributária da República Federal da Alemanha, que apoia a licitude na economia de tributos, consagrando a liberdade do empresário em estruturar os seus negócios: "Ninguém está obrigado a administrar sua fortuna e seus negócios de tal forma que venha a propiciar, ao Estado, maior arrecadação de tributos"[12].

O princípio da liberdade do empresário em dispor de seus negócios, de modo que os tributos e os impostos sejam os mais baixos possíveis se encontra bastante consagrado. É o que foi concluído pelo 13º Congresso de Internacional da International Fiscal Association, em Madrid, no ano de 1959: "é, portanto, um princípio fundamental, sobre o qual a doutrina e a jurisprudência estão de acordo, que quando o contribuinte tem opção entre duas ou mais soluções legais, cabe-lhe o direito de, sob ponto de vista da sua situação fiscal, adotar a que lhe pareça menos onerosa[13].

2.2.- Jurisprudência brasileira

Com relação à jurisprudência brasileira, vale destacar um julgado proferido pela 7ª Câmara do TAC de São Paulo, acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nos embargos infringentes nº 313.840-SP, cuja ementa afirma o seguinte:

"Uma empresa pode ser organizada de forma a evitar excesso de operações tributadas e consequentemente evitará a ocorrência de fatos geradores para ele e perante a lei desnecessárias, como poderia funcionar por modalidades legais menos tributadas. Fica ao contribuinte a faculdade de escolha ou planejamento fiscal"[14].

Além da decisão acima mencionada, existem ainda outros precedentes que entendem a procedência da disposição organizacional do contribuinte para fins de pagar menos tributos, como se deu na apelação cível nº 84.293-SP, j. 09.06.1986, pela 6ª Turma do Tribunal Federal de Recursos, mais especificamente no voto do Min. Eduardo Ribeiro:

"Salientou-se de início, como afirmado em várias passos do processo, que não atrai qualquer censura jurídica de o contribuinte procurar agir de acordo com a legislação que mais o favoreça, evitando assim incidências fiscais ou diligenciando por suportar cargas mais suaves. Desde que o caminho escolhido não contravenha a lei, não há o que recriminar. Pretender o contrário, seria afrontoso da natureza humana. No caso concreto, nada impediria que um acionista, já detendo parcela significativa do capital, adquirisse as demais ações para, assim poder extinguir a sociedade, ficando com seus bens, cuja venda em seguida encetaria. Não há dúvida de que tal procedimento visaria a evitar o pagamento de imposto. Perfeitamente lícito, entretanto. Nada existe no ordenamento jurídico que impeça aja deste modo. Afasto, desde logo qualquer objeção que nisso se pretendesse fundar"[15].O papel desenvolvido pelos paraísos fiscais, bem como o surgimento de diversas jurisdições oferecendo incentivos fiscais, cambiais, estabilidade política e econômica se deve principalmente às Reformas Fiscais de 1962 introduzidas na ordem jurídica da legislação fiscal dos Estados Unidos, citando-se as alterações feitas no Internal Revenue Code ("IRC") [16]. Com a aprovação das Reformas Fiscais de 1962, especulou-se a extinção do papel dos paraísos fiscais, o que nunca real e efetivamente ocorreu [17].

Tais medidas impostas pelo governo dos Estados Unidos visavam o combate na utilização abusiva dos paraísos fiscais, que ocorreu com a criação do Tributo sobre os Lucros não-distribuídos auferidos pela Companhia Holding Estrangeira de Caráter Pessoal.[18]

Os principais paraísos fiscais apontados pelo Internal Revenue Service Tax Audit Guidelines são em torno de 31 jurisdições, destacando-se a Áustria, Bahamas, Bahrain, Bermuda, Singapura, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Gibraltar, Hong Kong, Irlanda, Ilha de Man, Libéria, Liechtenstein, Luxemburgo, Mônaco, os Países Baixos, Vanuatu, Panamá, Suíça, bem como Ilhas Turks e Caicos [19]. Além destas jurisdições, existem outras que vêm ganhando destaque no mercado internacional, que são: Jersey, Guernsey, Ilha de Man, Antilhas Holandesas, Nauru, Uruguai, Chipre e Malta [20].

Cada uma das jurisdições, ou dos paraísos fiscais apresentam uma determinada especialidade ao investidor externo [21]. No caso das Ilhas Virgens Britânicas ("BVI"), Uruguai [22], Jersey, Guernsey, e das Antilhas Holandesas, destacam-se as sociedades isentas [23], Liechtenstein e Luxemburgo oferecem a possibilidade de se constituir sociedades "holdings" e da colocação de valores mobiliários e empréstimos externos; bem como de realizar planejamentos familiares e organização de fortunas privadas por meio das fundações privadas "anstalten", respectivamente. Além destes dois países, é possível ainda constituir fundações privadas no Panamá, oferecendo maiores opções aos investidores latino-americanos. O principal benefício oferecido pela Ilha da Madeira é a possibilidade de se acumular isenções fiscais sobre os lucros auferidos no território local, bem como sobre os dividendos transferidos aos acionistas no outro Estado contratante por força do acordo de bitributação celebrado entre Brasil e Portugal[24]. Diversos são os fatores a serem considerados ao se instalar numa jurisdição com incentivos fiscais. Existem cerca de 30 critérios que são utilizados por investidores, bem pelos Governos ansiosos em atrair investimentos externos [25].

No entanto, a ordem de importância de cada um dos fatores têm se alterado ao longo dos anos [26]. Durante os anos 1950-60, os principais fatores se concentravam na isenção fiscal, e no incentivo de investimentos estrangeiros [27]. Atualmente os fatores mais importantes são, em ordem decrescente: (i) garantias contra expropriação ou nacionalização de bens pertencentes aos estrangeiros; (ii) tratamento eqüitativo aos estrangeiros, ou "fair treatment"; (iii) incentivos de investimentos; (iv) baixa carga tributária; (v) estabilidade política [28] para citar apenas alguns exemplos.

As principais condições de existência de um paraíso fiscal são as seguintes [29] quais sejam:

(i) estabilidade política;

(ii) equidade no tratamento aos estrangeiros;

(iii) isenção de controle cambial;

(iv) existência de zonas francas de comércio;

(v) confidencialidade e sigilo bancário;

(vi) mercado local consumidor, e mercado local de trabalho;

(vii) infra-estrutura altamente desenvolvida;

(viii) serviços financeiros e profissionais; e,

(ix) incentivos de investimentos.

4.1.- Estabilidade política

A estabilidade política representa uma segurança jurídica no sentido de que não existem quaisquer risco dos bens pertencentes ao estrangeiro serem confiscados pelo Governo local, devendo ser primordial sobre a condição referente ao tratamento eqüitativo ou "fair treatment" aos estrangeiros [30]. No entanto em algumas jurisdições, criou-se um instituto que permite a continuidade de existência de uma sociedade, mediante o registro de seus ativos junto às autoridades competentes [31]. Outrossim, tal característica deve ser representado pela inexistência de Partidos Políticos, bem como de conflitos partidários, raciais, étnicos, ou ideológicos.

4.2.- Equidade no tratamento aos estrangeiros

Outro fator a ser considerado pelo investidor estrangeiro se deve à legislação local que venha restringir aos estrangeiros certas atividades comerciais, ou a participação acionária de determinadas empresas. Em todas as jurisdições onde se localizam os paraísos fiscais inexistem quaisquer restrições aos investimentos estrangeiros. Isto possibilita maior flexibilidade para que as sociedades venham operar de modo independente, ou de exercer as atividades sociais, conforme as diretrizes da matriz-controladora [32].

4.3.- Isenção de controle cambial

A isenção de controle cambial se deve à estabilidade econômica de um determinado paraíso fiscal [33]. A maioria das jurisdições oferecem poucas restrições cambiais, podendo-se facilmente converter a moeda local em moeda forte e, em seguida fazer a remessa ao exterior, ou vice-versa [34] Na maioria dos casos são os bancos locais que administram o controle cambial. No caso de desequilíbrio da balança de pagamento e/ou comercial, as restrições podem ser menos flexíveis [35] Basicamente se exige o registro de investimento e/ou de mútuo junto ao Banco Central local para remessa dos lucros ao exterior [36]

4.4.- Existência de zonas francas de comércio

Para compensar as baixas reservas mantidas em moeda forte, alguns paraísos fiscais criaram as Zonas Francas de Comércio, que são regiões onde os produtos podem ser importados com isenção de taxas aduaneiras e impostos de importação[37] Estes produtos podem ser enviados para a zona e estocados até que se encontre um comprador, ou até que as condições de mercado sejam favoráveis. Desde que os produtos não saiam da região, e que sendo destinados para exportação, as taxas aduaneiras, e os impostos de importação são isentos. Tais regiões dispõem de serviços de armazenagem, e de estocagem. A Irlanda, a Jamaica, o Panamá possuem, cada um, sua respectiva zona franca de comércio; no caso da Irlanda, destaca-se a Área Livre do Porto de Shannon, que é utilizado por empresas americanas, sendo um dos canais de entrada no mercado da União Européia[38].

4.5.- Confidencialidade e sigilo bancário

A confidencialidade e o sigilo bancário para fins fiscais têm sido arduamente combatida pelos Estados Unidos, através do Internal Revenue Service. Podem ser destacados os esforços no sentido de se combater à evasão fiscal por meio de tratados que dispõem sobre trocas de informações entre as autoridades fiscais.[39]

Mas tanto a confidencialidade como o sigilo bancário[40] têm sua razão de ser, que são: (i) proteção dos investimentos realizados em regiões voláteis para prevenir confisco se pelo partido de oposição que assumir o poder local [41]; ou (ii) para fins de manutenção de sigilo contra terrorista, competidor, ou partido oposicionista[42].

4.6.- Mercado consumidor e mercado local de trabalho

O mercado consumidor local e o mercado de trabalho constituem também um dos critérios a ser considerados pelo investidor estrangeiro. Geralmente nas jurisdições dos paraísos fiscais, sua economia interna são fracas e apresentam uma mão de obra deficiente, o que põe os paraísos fiscais em desvantagem[43]

4.7.- Infra-estrutura altamente desenvolvida

A existência de uma infra-estrutura na jurisdição também é um dos outros fatores a ser considerado. A maioria dos paraísos fiscais apresentam facilidade de comunicações, como telex, fac-símiles, transferência via cabo, transportes aéreos, e infra-estrutura portuária[44]

4.8.- Serviços financeiros e profissionais

Os serviços profissionais locais na maioria das jurisdições são representados por consultorias de contabilidade, serviços de produtos financeiros, e por bancas de advocacia. Todos os escritórios de advocacia são altamente especializados, bem como qualificados para o exercício profissional junto às cortes e aos tribunais locais[45]..

4.9.- Incentivos de investimentos

Por fim, faz-se necessário uma política de incentivos de investimentos externos. Tais incentivos podem se caracterizar na isenção de tributos sobre a renda, sobre transmissão de bens[46], sobre ganhos de capital, sobre os dividendos, lucros, "royalties"; bem como na inexistência de controle cambial por parte dos Bancos Centrais locais. O acordo de bitributação entre Brasil e Portugal foi assinado em abril de 1971, passando a integrar no ordenamento jurídico interno brasileiro através do Decreto Legislativo 69.393 de 21 de outubro de 1971[47] Este acordo inclui a Ilha da Madeira, que começou a oferecer ter incentivos fiscais a partir de 1980, ganhando "status" de centro financeiro "offshore".

Consoante as disposições contidas no tratado [48] pode-se concluir que uma vez retido o IR sobre a renda em Portugal, é dispensado o IR no Brasil, ou pode-se compensá-lo aqui no Brasil com o imposto pago em Portugal (denominado Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – "IRPC").

O artigo VII (1) do Tratado estabelece que os "Os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável".

Logo, se uma sociedade residente na Ilha da Madeira, desde que não tenha quaisquer atividades por meio de estabelecimento estável [49] no Brasil, auferir quaisquer espécies de renda (como por exemplo, renda sobre ganhos de capital, "royalties", juros ou dividendos), provenientes de outra sociedade, com residência no Brasil, a tributação sobre a renda será igual a alíquota zero (0%). Portanto, os lucros não estão sujeitos ao IR de Portugal ou da Madeira, nem ao IR brasileiro em virtude do tratado firmado entre Brasil e Portugal.

O acordo de dupla tributação determina as alíquotas máximas a serem aplicadas sobre a base de cálculo do IR devido. Para os dividendos e juros a alíquota máxima é de 15% [50] Os "royalties" sofrem a alíquota de 10%, relativas às obras literárias e científicas; e, 15% para demais obras que não literárias ou científicas [51].

Houve tentativas, em vão, por parte do governo brasileiro, em tributar os lucros auferidos na Madeira, como uma das formas de se coibir a evasão fiscal. Uma das medidas foi a aprovação da Lei nº 9.249/95, que não logrou êxito, pois a própria Receita Federal publicou em junho de 1996 a Instrução Normativa determinando a retenção de IR somente sobre os rendimentos disponibilizados [52]Outra tentativa que atinge diretamente as sociedades constituídas na Ilha da Madeira é a aprovação de Ato Declaratório SRF nº 006 de 30.01.97, determinando a incluso no lucro real os rendimentos auferidos em Portugal e na Ilha da Madeira [53].

Quanto à hierarquia das normas, não é possível a aprovação de uma lei interna em detrimento de um tratado internacional, podendo resultar em instabilidades nas relações jurídicas internacionais. Além do mais a "superação das normas" internacionais por uma norma interna [54] não coaduna com um dos princípios vigentes do direito internacional público, qual seja, "pacta sunt servanda [55] ".Outrossim, tal atitude por parte do governo brasileiro não se encontra em conformidade com a hierarquia das normas, sendo que esta última deve haver primazia sobre as regras de direito interno. A jurisprudência e a doutrina já se manifestaram a favor da superioridade hierárquica das normas internacionais sobre as normas de direito interno no plano tributário [56], devendo-se mencionar o voto do Ministro José Carlos Moreira Alves no julgamento do Plenário do STF no RE 90.824 [57] no âmbito fiscal, pois "… de fato, em matéria tributária, independentemente da natureza do tratado internacional, se observa o princípio contido no art. 98 do CTN" [58]

Outrossim, quanto ao aspecto sobre a tributação de rendimentos auferidos na Ilha da Madeira, trata-se de mais uma das tentativas frustradas por parte do Fisco. A retenção de IR sobre a renda somente deve ser realizada somente se a própria renda tiver sido disponibilizada, conforme determina o art. 1º, inc. I do próprio Ato Declaratório [59]. Portanto, diante de tais fatos, é possível que uma sociedade anônima [60] residente no Brasil se encontre isenta de IR. Isto pode ser atingindo mediante a determinação, em Assembléia Geral Extraordinária, de retenção dos resultados auferidos no exercício fiscal anterior, assim, descaracterizando a disponibilidade da renda [61], e por conseguinte afastando a ocorrência do próprio fato gerador da renda, constante no art. 43 do CTN [62].

O Brasil não possui acordos de bitributação com os Estados Unidos nem com a Inglaterra. Mas, um das formas utilizadas para beneficiar das isenções concedidas às subsidiárias brasileiras nos Estados Unidos ou na Inglaterra era a possibilidade de constituição de sociedades na Madeira, que podiam realizar transações nos Estados Unidos ou na Inglaterra, através de ordens dirigidas pela sede brasileira. Trata-se do "treaty shopping", que pode ser executada por uma "conduit company", mediante escolha de domicílio mais favorável com a finalidade de atrair aplicação de regime tributário mais favorável [63]. No entanto, para os dias de hoje, não é um planejamento fiscal eficiente, pois existem disposições que coíbem a prática de "treaty shopping"[64] , como é o caso do tratado entre Estados Unidos/Inglaterra e Portugal. Isto se deve à conceituação de "beneficiário residente", que, segundo Klaus Vogel, pode ser definido como aquele que "tem poderes para decidir, seja sobre a aplicação do capital ou bem econômico, seja sobre a administração de seus rendimentos"[65].

Os tratados de bitributação firmados pelo Brasil que coíbem a prática de "treaty shopping" estão nas convenções com: Canadá, Checoslováquia, Coréia, Equador, Filipinas, Hungria, Países Baixos, Itália e Noruega. As convenções que não determinam a necessidade de beneficiário efetivo são: Portugal, Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Japão, Finlândia, França, Espanha, e Suécia[66]O conjunto de medidas decididas pelo Governo brasileiro contra o abuso no uso dos paraísos fiscais se iniciou em 1995 [67], com a aprovação da Lei nº 9.429 de 26 de dezembro de 1995. Seu artigo 25 determinava, em vão, tributar os resultados auferidos no exterior no lucro real pela matriz controladora brasileira [68]. Em junho de 1996, o Governo brasileiro aprovou a Instrução Normativa nº 38 do dia 27, reconhecendo a impossibilidade de se tributar os resultados auferidos no exterior, por não coadunar com o conceito de fato gerador de IR [69]. É o que determina seu art. 2º "caput": "Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionadas ao lucro líquido do período-base, para efeito de determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados."

Em 1996, o Governo brasileiro aprovou a Lei nº 9.340 de dezembro, aplicável ao exercício do ano fiscal de 1997, para coibir a utilização do mecanismo denominado transferência indireta de lucros [70]. A determinação do preço justo pode ser feita mediante comparação com aqueles praticados entre duas partes independentes e sem vínculos entre si [71]. Na mesma lei também passou-se a conceituar legalmente os paraísos fiscais como "… país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a 20% [72]".

Em janeiro de 1997, a Receita Federal aprovou Ato Declaratório nº 006 do dia 31 para coibir uso irregular das disposições contidas no tratado de dupla tributação celebrado entre Brasil e Portugal. O Ato determina que os lucros auferidos por subsidiárias, controladas ou coligadas residentes na Ilha da Madeira sejam computados no lucro real da controladora com residência no Brasil. O tratado internacional prevê que os tributos pagos num Estado contratante só podem cobrados neste Estado contratante[73]. Logo, era possível remeter os resultados auferidos na Madeira para o Brasil sem a retenção de IR na Madeira nem no Brasil por força deste Tratado. No entanto, não é justificável a revogação de norma internacional por meio de uma norma interna, pois as normas internacionais se encontram hierarquicamente superiores às normas de caráter interno.