Pronunciamento proferido por ocasião da entrega do prêmio Juca Pato – Intelectual do ano 2017, ao escritor Milton Hatoum, no auditório da biblioteca Mário de Andrade, São Paulo, em 18 de setembro de 2018.

Excelentíssimo Governador do Estado de São Paulo, Sr. Márcio França, excelentíssimo escritor Aldo Rebelo, secretário da Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo, excelentíssimo escritor Walter Sorrentino, vice-presidente do Partido Comunista do Brasil, excelentíssimo escritor Ricardo Ramos Filho, vice-presidente da UBE, excelentíssimo escritor Milton Hatoum, nosso homenageado, colegas de diretoria, prezadas escritores, caros escritores, minhas senhoras e meus senhores,

O Prêmio Juca Pato é reconhecido como a maior láurea do País conferida a um escritor e intelectual brasileiro. Criado pela UBE em 1962, tem por objeto prestar uma homenagem àquele que, no ano anterior, tenha publicado um notável trabalho de repercussão nacional. Nas palavras de Caio Prado Júnior, um dos fundadores da UBE, o Juca Pato agracia “o homem de pensamento que não se encerra em torre de marfim… e sim aquele que procura se colocar a serviço da coletividade em que vive e da qual efetivamente participa”.

O prêmio foi representado pela figura do Juca Pato, personagem fictícia criada pelo jornalista Lélis Vieira e ilustrada pelo caricaturista Benedito Carneiro Bastos Barreto. O Juca Pato era uma figura inteligente, com bom senso, calvo e mal vestido, que tinha como o escritor brasileiro, de uma maneira geral, dificuldades financeiras e obstáculos para a publicação de seus trabalhos. As caricaturas eram publicadas na então Folha da Manhã.

Desde 1962, Prêmio Juca Pato vem sendo outorgado regularmente pela UBE com consistente repercussão nacional. O primeiro agraciado foi o advogado, escritor e chanceler, Santiago Dantas, por “Política Externa Independente”. Melhor homenageado não poderia haver para encabeçar um elenco de preeminentes pensadores brasileiros. Menciono apenas alguns. Em 1966, o premiado foi Caio Prado Júnior, por A Revolução Brasileira. Em 1967, o agraciado foi Érico Veríssimo; em 1969, foi Jorge Amado; em 1973, Afonso Arinos de Melo Franco; em 1975, Juscelino Kubitschek de Oliveira; em 1977, Luís da Câmara Cascudo. No ano de 1978, o agraciado foi o advogado e escritor Sobral Pinto, por Lições de Liberdade; em 1979, foi Sérgio Buarque de Holanda; em 1981, foi Paulo Bonfim; e em 1982, Carlos Drummond de Andrade.

Em 1984, foi agraciado Fernando Henrique Cardoso. Antônio Callado foi o recipiente da láurea em 1986. O jornalista e escritor Barbosa Lima Sobrinho recebeu a láurea em 1988. Por sua vez, em 1989, foi agraciado o humanista brasileiro, Dom Paulo Evaristo Arns. Em 1991, foi premiado Fábio Lucas, seguido por Sábato Magaldi em 1997; por Luiz Alberto Moniz Bandeira em 2005; e por Samuel Pinheiro Guimarães, em 2006. Antonio Candido foi agraciado em 2007; Audálio Dantas em 2013; Bresser Pereira em 2015 e Bernardo Pericás, em 2017.

Dentre os sessenta escritores agraciados pela UBE com o Prêmio Juca Pato, apenas quatro foram mulheres. A primeira delas foi a escritora Cora Coralina, em 1983, seguida por Rachel de Queirós, em 1992, por Lygia Fagundes Telles, em 2008; e pela poeta Renata Pallotini, no ano de 2017. Por duas vezes, a UBE indicou Lygia Fagundes Telles para o Prêmio Nobel de Literatura.

Senhoras e Senhores, estamos diante de um momento crucial para o Brasil. Desde 31 de agosto de 2016, quando foi promovido um golpe de Estado com a deposição da presidente legitimamente eleita, instalou-se uma profunda crise econômica, política e social no País. Quiseram os golpistas substituir uma plataforma de governo aprovada pelas urnas por um modelo neoliberal, a privilegiar os banqueiros, o capital especulativo e os imperialistas, em detrimento dos interesses legítimos do povo brasileiro.
Ocorre que, numa sociedade democrática, cabe ao povo a eleição de seu mandatário e a convalidação de um programa de governo. A administração que tomou o poder há dois anos não tem um mandato público e, não obstante, pôs-se ilegitimamente a atender os vorazes interesses canibalescos nacionais e a rapina internacional, assim como as sinecuras imorais dos elementos que apoiaram a ação. Os resultados foram desastrosos: caiu em primeiro lugar a democracia brasileira. Caiu um programa de governo que, certo ou errado, mereceu o referendo das urnas. Ruiu a compostura do Poder Judiciário. Instalou-se a desesperança, a descrença e o repúdio ao governo ilegítimo por parte do povo e também das forças econômicas.

Porém, nem tudo está perdido. Nós brasileiros teremos a oportunidade nas eleições de outubro de 2018 de restaurar a democracia brasileira e assim optar por um candidato presidencial e programa de governo que promova o bem estar geral da Nação, com prosperidade econômica, desenvolvimento social e respeito às leis e aos direitos individuais e coletivos consagrados em nossa Constituição.

A escolha parece clara. As diversas opções, de uma maneira geral, podem ser aglutinadas em duas. De um lado se apresentam aqueles que promovem o ideal neoliberal, mediante o qual o Estado deve ter uma participação mínima na economia nacional, cabendo ao capital em sua impessoalidade promover os investimentos em infraestrutura, educação, saúde e transportes, além de outros sociais mediante a filantropia. Esta vertente, para quem ao povo deve ser servida a lavagem da farinata, está abrigada tanto por propostas democráticas quanto por totalitárias.

De outro lado, aparecem aqueles para quem o Estado deve organizar as forças econômicas criando políticas no campo da educação, da saúde, da segurança pública, do saneamento, das relações internacionais, do transporte e políticas públicas de salários, previdência e assistência social. Tais políticas devem visar o crescimento econômico do Brasil e o progresso social de nosso povo. Da mesma forma, o interesse nacional deve preceder aquele do capital financeiro nacional e internacional, dentro da Lei.

A nós da UBE, parece claro que o regime neoliberal promove a prosperidade de uns poucos em detrimento do interesse coletivo. Prosperam os bancos, que tiveram um crescimento no lucro de 15% no ano passado, no valor de 57 bilhões de reais, às custas do Tesouro Nacional; ganham os rapazes investidores especulativos internacionais, às custas das reservas cambiais e ganham as aves de rapina através das privatizações. De acordo com este modo de pensar, a tecnologia deve servir ao lucro e não ao homem, gerando por conseguinte o desemprego e a situação generalizada de precariedade do trabalho que se instala no País. Por último, parece-nos que a única filantropia efetiva do grande capital seja consigo próprio.

A nós da UBE parece evidente que uma ideologia neoliberal levará o País, como os dois últimos anos têm demonstrado à saciedade, a maiores e mais árduas dificuldades para o povo brasileiro. A nós da UBE afigura-se flagrante que a consciência nacional repudia o fascismo. A nós da UBE resta clara a necessidade da restauração da democracia no Brasil. A nós da UBE resta imperativa a organização central da economia para a promoção do desenvolvimento sócio cultural do povo brasileiro. A nós da UBE impõe-se uma opção progressista nas próximas eleições.

Meus Senhores e minhas senhoras, diante deste quadro tanto instigante quanto desafiador, a UBE elegeu como intelectual do ano de 2017 o grande escritor brasileiro, Milton Hatoum quem, com grande inspiração segue a mesma senda de Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego. Arquiteto, linguista, tradutor e professor, além de escritor, Milton Hatoum tem uma longa história de vida e de amor às liberdades civis e aos direitos coletivos.

Ele escreveu o romance Relato de um Certo Oriente, pelo qual ganhou o prêmio Jabuti em 1990, Dois Irmãos, em 2000 (premio Jabuti) ; Cinzas do Norte, em 2005 (prêmio Jabuti); Órfãos do Eldorado, 2008; A Cidade Ilhada ( 2009) Um Solitário à Espreita, 2013; e A Noite de Espera, em 2017, pelo qual foi indicado para o Prêmio Juca Pato de intelectual daquele ano. A obra de Hatoum é cosmopolita, abordando diversos regionalismos brasileiros, mas também muitas facetas internacionais. Ela prima também por afirmar a universalidade de valores como a justiça e dignidade.

Como já haviam feito Graciliano Ramos e Jorge Amado no passado, a obra de Milton Hatoum é contextualizada no ambiente político e social do Brasil. Assim, o livro A Noite da Espera é ambientado entre os anos 1960 e 1970, à luz dos acontecimentos políticos do País que conduziram ao golpe militar de 1º de abril de 1964 e à dura repressão que se seguiu. O livro igualmente retrata um momento que foi divisor de águas nos costumes sociais no Brasil, como a separação de um casal antes que houvesse o divórcio; a emancipação da mulher; a libertação sexual e a fome pela liberdade.

Numa recente entrevista sobre A Noite da Espera, Milton Hatoum observou que “a censura a manifestações artísticas que acontece hoje também acontece no romance”. Ele ainda complementou: “Tudo isso é atual, como a própria repressão, mesmo que não seja hoje tão brutal quanto foi naquela época. Há indícios de um obscurantismo terrível… Somos governados pelo que há de mais vil e torpe na política brasileira”.

O importante romance A Noite da Espera foi considerado por unanimidade pela diretoria da UBE como sendo da mais alta qualidade literária. Da mesma maneira, o romance pode ser interpretado como um alerta sobre o eventual renascimento das trevas de um regime totalitário no Brasil. Assim, é com grande satisfação que confiro, em nome da União Brasileira de Escritores, ao escritor Milton Hatoum o título de intelectual do ano e lhe entrego o Prêmio Juca Pato de 2017.

Senhoras e Senhores, meu muito obrigado.