São Paulo – A já combalida City londrina, esteio da economia britânica, enfrenta uma nova e grave crise, apesar dos enormes desembolsos de ajuda prestada pelo governo britânico que elevaram o déficit fiscal do Reino Unido para mais de 10,1% de seu PIB (Produto Interno Bruto), que hoje é da ordem de Euros 1,6 trilhão. Essa ameaça ao setor financeiro britânico advém de sua exposição de mais de Euros 122 bilhões na insolvente economia irlandesa.
De fato, a Irlanda está em profundas dificuldades. Com um PIB de apenas Euros 183 bilhões e com uma diminuta população de 4,5 milhões de habitantes, o país teve na década de 90 e no início desta um expressivo desenvolvimento econômico, que era demasiadamente dependente do modelo do endividamento público e privado.
A conta, que às vezes tarda, mas nunca falha, apresenta-se hoje para ser paga, com um déficit público de 12% do PIB irlandês. O saneamento do setor bancário irlandês devastado pelas operações de derivativos diversas, inclusive no setor imobiliário, custará cerca de 30% do GDP do país. Os preços imobiliários caíram aproximadamente 36% desde 2006. O desemprego chegou a 14%, mais do que o dobro daquele no Brasil!
Apesar do desastroso histórico do colonialismo britânico na Irlanda, hoje as relações econômicas entre os dois países são íntimas. Os britânicos tornaram-se os principais investidores no país, notadamente no setor financeiro, e exportaram a sua doutrina do neoliberalismo, que foi bem aceita embora, a médio prazo, não menos desastrosa que alhures.
Com uma exposição tão grande do setor financeiro britânico na Irlanda, num momento de grande debilidade, o próprio FMI (Fundo Monetário Internacional) alertou, no início de novembro de 2010, já muito tardiamente, que a economia britânica encontrava-se vulnerável à crise irlandesa.
No entanto, o governo britânico com o costumeiro uso da imprensa a ele ligada procura, de um lado, desinformar a opinião pública internacional ao promover a idéia que a situação irlandesa ameaça a estabilidade do Euro e, de outro, instar a UE (União Européia) a liderar um pacote de salvamento da economia irlandesa, para o qual contribuiria com recursos, juntamente com desembolsos do FMI.
A perfídia britânica é a marca tradicional de suas relações internacionais há séculos. Porém, mais grave é a continuada manifestação de perdas, prejuízos e vulnerabilidades decorrentes dos desmandos havidos nos mercados financeiros internacionais nas últimas duas décadas. Isso indica que a crise financeira e econômica está longe de seu fim.
Preocupa muito o fato de que, apesar de todas as conseqüências econômicas, sociais e políticas adversas, com ampla tipificação penal no ordenamento jurídico de todos os países onde os desmandos tomaram lugar, não ainda tenha havido a perseguição criminal dos responsáveis.
A falta desse pressuposto necessário para o estado de Direito permite que haja a continuidade da mesma prática, com sérias ameaças à economia popular, e que recursos públicos sejam utilizados para resgatar os responsáveis por ações, no mínimo, irresponsáveis.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).