Os projetos de integração econômica regional, dentre os quais se inclui o Mercosul, somente poderão atingir o sucesso a longo prazo com o livre fluxo de moedas. Isso é verdade porque os regimes de controles cambiais tendem a gerar enormes distorções que, por sua vez, sentarão profundas raízes a comprometer seriamente todo e qualquer bloco comercial. Suas ramificações irão comprometer adversamente as trocas em mercadorias e serviços e os investimentos. O Tratado de Assunção [1]
, que criou o Mercosul, reconheceu tal realidade e estabeleceu a livre movimentação de capital, dentre os objetivos do bloco comercial. Apesar disso, o Brasil, a maior economia do Mercosul, sete anos após a assinatura do Tratado de Assunção, ainda é signatário da cláusula transitória de Bretton Woods e administra um regime cambial indexado compatível com controles cambiais.

Contrariamente, a Argentina, a segunda maior economia do Mercosul, optou pela cláusula padrão de Bretton Woods e pelo sistema de paridade fixa ao dólar

norte-americano, por meio de lei. Tal situação, a par de dar à Argentina uma maior atratividade aos investimentos estrangeiros [2]
, sujeitou o país platino a enormes vulnerabilidades estratégicas decorrentes de potenciais alterações significativas na política cambial de ambos, EUA e Brasil. Tal cenário só pode ser agravado pela falta de flexibilidade inerente ao modelo de paridade fixa. De fato, o Brasil tornou-se hoje não somente o principal parceiro comercial da Argentina, como a principal fonte de seus superavits comerciais. Hoje o comércio bilateral entre os dois países situa-se na casa dos US$ 20 bilhões e as exportações da Argentina para o Brasil representam aproximadamente 30% do total [3]
. Somente o Estado de São Paulo compra mais produtos argentinos do que os EUA [4]
.

A vulnerabilidade da economia argentina a uma mudança substancial da política cambial brasileira que implique em uma significativa desvalorização do Real é explicada pelo necessário corolário da perda de competitividade dos produtos argentinos no mercado brasileiro. Esta situação é ainda claramente agravada pelo fato de que uma desvalorização cambial, na Argentina, não é um procedimento administrativo como no resto do mundo, pois depende de legislação específica [5]
. De resto, a maior competitividade dos produtos argentinos no Brasil deveu-se à sobrevalorização induzida do Real, com o objetivo de baratear as importações e refrear as pressões inflacionarias. Esta condição, como previsível, ainda comprometeu a competitividade dos produtos brasileiros no exterior.

A percepção, na Argentina, das dificuldades inerentes à política cambial brasileira; o fato de que o Brasil implementa uma política de pequenas desvalorizações mensais com um efeito anual de aproximadamente 7%; e o desejo oportunista de cristalizar a presente vantagem cambial no regime institucional do Mercosul, levaram a Argentina a sugerir ao Brasil a união monetária. Tal proposta foi feita por ninguém menos que o presidente da república, Sr. Carlos Menem [6]
. Do lado brasileiro, há uma

resistência considerável nos mais diversos níveis políticos, econômicos e sociais a essa iniciativa. Coerentemente, o Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, replicou oficialmente que a moeda única deveria ser o fecho de ouro ao projeto de integração, colocando sua implementação para após a efetivação do livre movimento de pessoas e serviços [7]
. Congressistas brasileiros e o presidente do Banco Central do Brasil apoiaram essa posição [8]
.

Na realidade, a proposta argentina é, em tese, tanto meritória quando compatível com o disposto no Tratado de Assunção. O entusiasmo com o qual foi recebida a criação do Euro [9]
pela comunidade financeira internacional para alternativa ao papel do dólar norte-americano como moeda estratégica, da mesma forma que a percepção da fragilidade intrínseca, tanto do Euro [10]
como do dólar [11]
americano, são bons indicadores de que a iniciativa poderia ser bem recebida pelos mercados internacionais. Isso efetivamente poderia ocorrer se observados os mesmos critérios do Tratado de Maastrich [12]
a déficit público; endividamento público; inflação e taxas de juros, acrescidos de uma política de uniformização fiscal.

Todavia, há grandes obstáculos políticos no Brasil para a adoção de uma moeda comum que decorrem, por um lado, da complexidade étnica, geográfica, social, econômica e cultural do País; e, de outro, do inadequado estado de modernização de nossas instituições legais a níveis compatíveis com os melhores referenciais estrangeiros, o que é, em parte, uma das infelizes heranças dos anos de totalitarismo. Além das dificuldades de ordem política, há aquelas de ordem técnica, a principal delas sendo o fato de que o Brasil ainda pratica controles cambiais e seria uma grande temeridade e uma irresponsabilidade sem paralelos pretender-se passar de um regime de câmbio administrado diretamente para uma união monetária sem sedimentar uma experiência de liberdade cambial. Mesmo depois de superada a fase de liberdade cambial haveriam inúmeros outros problemas técnicos no que toca ao modelo de uniformização, no que os argentinos certamente prefeririam um regime de paridade fixa, que seria inaceitável no Brasil [13]
. Por outro lado, o peso é tido na Argentina como uma grande conquista nacional.

O fato é que a falta da livre conversibilidade cambial no Brasil não somente irá afetar, como já vem afetando, a atratividade do País aos investimentos estrangeiros, bem como inviabilizará a consolidação do Mercosul. Desde 1993, os estados membros do Mercosul reconheceram que restrições a transferências de capitais impõem sérias tensões aos mercados financeiros [14]
. De fato, a falta de livre conversibilidade da moeda irá comprometer a médio e longo prazos a credibilidade de qualquer reforma fiscal feita no Brasil, bem como, indiretamente, aumentará de número e intensidade as crises institucionais do Mercosul pois, com o passar do tempo, o peso argentino estará super valorizado e a competitividade dos produtos argentinos no Brasil comprometida. Assim, como passo preliminar para uma eventual união monetária, deveriam convergir as políticas cambiais de ambos os países: o Brasil passaria para a liberalização cambial e a Argentina sairia do regime de paridade fixa, da mesma forma que ambos os países adotariam austeros critérios monetários comuns.