Os Veículos de Finalidade Específica são imprescindíveis nas operações de securitização de recebíveis que, por sua vez, são estruturadas como forma de captação de recursos através da emissão de valores mobiliários lastreados em ativos. Tais operações vêm sendo extensivamente utilizadas, há mais de duas décadas, nos Estados Unidos e na Europa. Mais recentemente, por possibilitar a antecipação de recebimentos futuros, a securitização vem se tornando um instrumento importante para financiamento de projetos no mundo todo, com um potencial particularmente importante na América Latina. Assim, por exemplo, construções de rodovias podem ser financiadas com a securitização dos créditos resultantes da futura coleta nos pedágios.

Portanto, foi com grande prazer e honra que aceitei o convite do Professor Richard Saito para compartilhar minha experiência no assunto com Vocês hoje.

Nos próximos minutos, vou analisar a estrutura de uma cartularização internacional típica, para depois abordar a nova lei brasileira do Sistema Financeiro Imobiliário, que procurou legalmente viabilizar a implementação de securitizações de recebíveis imobiliários no Brasil.

Para tanto, dividi esta apresentação nos seguintes itens:

I – INTRODUÇÃO

II – EMPRESAS DE FINALIDADE ESPECÍFICA

III – SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS NO MERCADO INTERNACIONAL

IV – BRASIL: SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS IMOBILIÁRIOS – SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO – SFI

V – CONCLUSÃO.A nível internacional, a expressão utilizada é “Veículos de Finalidade Específica” (do inglês, “SPV”), que podem ser:

* contrato fiduciário (“trust”);

* fundo mútuo; ou

* sociedades anônimas ou similares

No Brasil, somente as sociedades podem ser utilizadas, e normalmente são as sociedades anônimas que são estruturadas como”Empresas de Finalidade Específica” .

Importante ressaltar que consórcios (que são úteis, por exemplo, na associação de grupos para apresentação de propostas em privatizações) não podem ser usados como SPV, já que, nos termos da legislação societária brasileira, os consórcios não adquirem personalidade jurídica distinta das entidades que os constituem.A.- Colocação Internacional Típica – Análise do Diagrama 1:

(1) O titular de certos créditos (“ORIGINADOR”) transfere um conjunto de tais créditos (“ATIVOS”) para um veículo de finalidade específica (“SPV”), que pode ser uma sociedade ou um “trust” em regime “off-shore” (dependendo da jurisdição escolhida); ou ainda, mais frequentemente, uma combinação de ambos.

(2) O SPV emite títulos (“VALORES MOBILIÁRIOS”) lastreados nos ATIVOS. Para isso, o SPV transfere os ATIVOS em caução para um agente fiduciário (“FIDUCIÁRIO”), que manterá a caução em benefício dos portadores dos VALORES MOBILIÁRIOS, em garantia da liquidação dos VALORES MOBILIÁRIOS.

(3) Os VALORES MOBILIÁRIOS são ainda garantidos por instituições financeiras de primeira linha, ou por seguro contra inadimplemento, ou mediante caução de contas bancárias;

(i) através de tais garantias (“credit enhancement”) VALORES MOBILIÁRIOS emitidos por empresas de baixa cotação, passam a ser aceitos como créditos de melhor cotação atingindo uma maior faixa do mercado a um custo mais reduzido;

(ii) alternativamente, o “credit enhancement” pode ser obtido através da emissão de VALORES MOBILIÁRIOS subordinados (onde uma classe confere direitos preferenciais sobre as classes inferiores), ou por uma combinação de subordinação e garantias;

(iii) garantias de instituições financeiras de primeira linha foram bastante populares nas primeiras emissões internacionais. Atualmente, tais garantias são muito difíceis e caras devido ao reduzido número de instituições que ainda são cotadas como de primeira linha. Além disso, os investidores consideram como um risco adicional, a possibilidade de queda de cotação (“downgrading”) da instituição em questão;

(iv) para emissões denominadas em moedas de alto risco cambial, pode-se fazer uma cobertura com trava, operação à vista ou operação futuro.

(4) Os VALORES MOBILIÁRIOS são adquiridos por investidores (“INVESTIDORES”) através de colocação pública (sempre sujeita a um grande número de restrições legais) ou privadas em mercado locais, geralmente altamente regulamentados, (os mercados locais americano e inglês já estão bastante desenvolvidos) ou internacionais (euromercado).

(5) O SPV recebe pagamento dos INVESTIDORES pelos VALORES MOBILIÁRIOS.

(6) O SPV utiliza tais recursos para pagar o preço dos ATIVOS ao ORIGINADOR.

(7) Os ATIVOS são liquidados através de pagamentos a um administrador (“ADMINISTRADOR”), que em certos casos é o próprio ORIGINADOR.

(8) O ADMINISTRADOR transfere tais pagamentos ao SPV.

(9) (10) e (11) O SPV paga principal e dividendos sobre os VALORES MOBILIÁRIOS diretamente aos INVESTIDORES ou a um FIDUCIÁRIO que represente os INVESTIDORES.

III – SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS NO MERCADO INTERNACIONAL

B.- Algumas vantagens da operação:

(i) para o ORIGINADOR:

(a) melhora do fluxo de caixa;

(b) eliminação dos ATIVOS do balanço do ORIGINADOR com consequente redução do valor mínimo de reserva bancária exigida (“capital adequacy requirements”);

(c) obtenção de financiamento a um custo mais reduzido (basicamente em decorrência do menor risco para os INVESTIDORES, e maior número de INVESTIDORES participantes na operação).

(ii) para os INVESTIDORES:

(a) eliminação do risco apresentado pelo ORIGINADOR;

(b) em certos casos, eliminação do risco representado pela jurisdição do ORIGINADOR, tal como “risco Brasil” (contanto que: (1) SPV e devedores finais estejam sediados em outras jurisdições, e que o adimplemento dos devedores não dependa de atos de terceiros sediados na jurisdição do ORIGINADOR – o que não é possível, por exemplo, no caso de os ATIVOS se constituíremem notas de exportação que dependam de exportação de mercadoria proveniente da jurisdição do ORIGINADOR; ou (2) que os GARANTIDORES estejam sediados em outras jurisdições).

C.- Principais requisitos:

(i) identidade do SPV tem que ser completamente distinta da identidade do ORIGINADOR, e tal distinção tem que ser reconhecida em todas as jurisdições envolvidas;

(ii) transferência dos ATIVOS (incluindo acessórios, tais como garantias sobre os ATIVOS) para o SPV tem que ser válida perante todas as jurisdições envolvidas;

(iii) transferência dos ATIVOS para o SPV não pode ser questionada em caso de falência ou liquidação do ORIGINADOR (mecanismos de proteção de credores contra fraude do devedor):

(a) se o risco acima não puder ser totalmente eliminado, tem que ser reduzido a níveis aceitáveis para os INVESTIDORES;

(b) maioria das jurisdições ocidentais estabelece prazo para contestação da transferência pelos credores prejudicados;

(c) algumas jurisdições admitem contestação da transferência com base em critérios subjetivos (e.g. contestação da transferência somente será possível se o SPV tiver conhecimento da fraude do ORIGINADOR). Outras jurisdições utilizam critérios objetivos (e.g. se houver fraude poderá haver contestação);

(iv) emissão dos VALORES MOBILIÁRIOS tem que ser legalmente válida em todas as jurisdições envolvidas;

(v) transferência dos ATIVOS em caução para o FIDUCIÁRIO (item A.2 supra) têm que ser legalmente válida em todas as jurisdições envolvidas;

(vi) eventual falência ou liquidação do ADMINISTRADOR (em alguns casos o próprio ORIGINADOR) não pode prejudicar os pagamentos descritos no item A. (8), (9) e (10) acima:

(a) em algumas jurisdições, o ADMINISTRADOR deve atuar simplesmente como um agente solicitando que os pagamentos sejam remetidos diretamente para contas bancárias do SPV, ou do FIDUCIÁRIO, ou dos INVESTIDORES;

Na hipótese de o valor obtido através do leilão público exceder o valor da dívida, a diferença deverá ser entregue ao financiado. Entretanto, se o valor obtido for inferior ao valor da dívida, não fica o financiado obrigado pela quantia faltante.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Tanto a hipoteca quanto a alienação fiduciária de bens imóveis poderão ser celebradas por instrumentos particulares se contratados por pessoas físicas beneficiárias finais da operação.

A cessão dos recebíveis às companhias securitizadoras, os contratos de alienação fiduciária em garantia e outras cessões de crédito previstas na nova lei podem ser feitas sem notificações aos respectivos devedores.

O sistema permite, aos investidores, um fluxo regular de recebimentos, ao longo de um período determinado, representados pelos pagamentos feitos pelos financiados e garantidos por formas mais fáceis e ágeis de execução de garantias reais em caso de inadimplemento.












SFH –

Sistema de Financiamento da Habitação

 


SFI –

Sistema de Financiamento 

Imobiliário

 

Juros fixos à 12% ao ano, mais a taxa
referencial (TR)
Taxas livremente negociadas
Resolução CMN 2.480, de 26/03/98:
permite a utilização da alienação fiduciária
de bem imóvel em garantia
Institui, desde a sua criação,
a possibilidade de alienação fiduciária de bem imóvel
em garantia 

 

  

  

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BankBoston, até o presente momento, é
a única instituição que já concede crédito
imobiliário através do SFI, a uma taxa de 14% ao ano, mais
a taxa referencial (TR)
No Brasil, o sucesso do SFI ainda depende da queda das taxas de juros (para viabilizar a captação de recursos no mercado interno) e da eliminação das restrições cambiais (para viabilizar a captação no mercado internacional). Apesar da atual crise internacional no mercado de capitais, com os resultados que se espera das privatizações e com a aprovação da reforma administrativa atualmente em apreciação no Congresso Nacional, esperamos que em um futuro próximo o governo possa atuar tanto na redução das taxas de juros como na eliminação das restrições cambiais.