A primeira vítima da crise financeira do capitalismo que se abate sobre o mundo foi a ordem política internacional erigida no pós-guerra, tendo no seu ápice a ONU (Organização das Nações Unidas) e, logo abaixo o Banco Mundial, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), hoje incorporado à OMC (Organização Mundial do Comércio).

Como é sabido, sem exceção, tais organismos asseguraram a hegemonia política de um pequeno número de países, notadamente os EUA (Estados Unidos da América) e o Reino Unido, e sua ideologia econômica fundada no capitalismo neoliberal.

De fato, caberia ao FMI assegurar o livre fluxo internacional de moedas, a prevalência das regras liberais nos mercados financeiros internacionais e a prática de políticas macroeconômicas consistentes com tais ditames pelos Estados-membros. Por sua vez, caberia à OMC o papel de guardião do chamado “livre comércio”, a panacéia que resolveria todos os problemas da Humanidade. O Banco Mundial seria o agente financeiro para impulsionar o crescimento mundial.

Durante quase 60 anos, tais organismos mostraram-se, na realidade, muito eficazes na promoção da prosperidade seletiva de uns poucos países, os estados hegemônicos, em detrimento da maioria da população global, representada pelos países em desenvolvimento, subordinados a uma ordem regulatória que lhes era não apenas desfavorável mas adversa, inclusive no âmbito da ONU, e a políticas que visavam o ganho dos agentes privados dos países ricos.

Todavia, quando nos últimos dias desabaram os principais mercados financeiros mundiais, devido principalmente a um paroxismo do capitalismo liberal, que postulava a falácia de ser o mercado um ente supremo todo poderoso, capaz não apenas de sua própria auto-regulação (sic), como também de ditar políticas públicas aos Estados, os organismos multilaterais mostraram-se impotentes e incapazes de qualquer ação, ainda que despidos das diáfanas vestes do interesse global, mesmo que para proteger os interesses do grupo seletivo de estados hegemônicos.

Assim, quando suas instituições financeiras estavam diante de um inexorável colapso, os EUA e o Reino Unido, seguidos por diversos países europeus, optaram por medidas de apoio estatal aos seus agentes de mercado, compreendidas por garantias de dívidas, compras de ativos financeiros, compra de ações e, até mesmo, nacionalização, em caráter isolado e à margem dos organismos multilaterais existentes e de suas regras.

Os remédios adotados, observe-se, são ainda todos vetados pelos tratados de regência de Bretton Woods, tanto com relação ao FMI como com relação ao regime do GATT/OMC. A título de curiosidade, note-se que é autorizada, no regime multilateral, a discriminação da China quando é constatada a presença do Estado na ordem privada mediante o perdão de dívidas, empréstimos ou garantias não sustentáveis comercialmente, ou ainda como acionista de empresas privadas, ainda que em posição minoritária.

Pois bem, os EUA comprometeram-se, no momento, com desembolsos de cerca de US$ 1,3 trilhão em apoio aos seus agentes financeiros, ao passo que o Reino Unido em aproximadamente US$ 450 bilhões. Da mesma maneira, alguns outros países membros da União Européia, disponibilizaram quantia próxima do montante prometido pelo RU. Note-se que todos esses compromissos foram feitos não apenas à margem dos foros multilaterais, como até mesmo alheados dos blocos regionais de comércio, como a UE ou o Nafta (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte).

Serviu o infame, patético e defunto FMI apenas para oferecer suas instalações a reuniões ex post facto de grupos das principais economias mundiais, em Washington, já que a sensibilidade política dos representantes de governo, ali presentes, indicava que a consciência popular dos respectivos países não aceitaria como local dos encontros o Departamento do Tesouro dos EUA.

Para os países em desenvolvimento, como o Brasil, o desenrolar de tais acontecimentos serve como um veemente alerta de que a ordem jurídica multilateral exige uma profunda reformulação, de maneira a promover de maneira eficaz a prosperidade coletiva e a prevalência do direito nas relações internacionais. O momento atual, de crise e vulnerabilidade extremada dos países desenvolvidos, é oportuno para uma ação nesse sentido. Estará o governo brasileiro a tal alerta e preparado?

Da parte dos países desenvolvidos, e de sua cidadania, preocupa o fim da ordem democrática e sua substituição ostensiva pelo regime plutocrático sob o pretexto de se agir no interesse coletivo do povo.