LONDRES – O Reino Unido recebe, tradicionalmente, duas visitas de Estado por ano, uma no primeiro semestre, e uma no segundo. Pela segunda vez, num período de 10 anos, um chefe de Estado brasileiro cumpre a visita protocolar, o que é um período curto para tais eventos. O presidente Lula começou sua visita oficial, no dia de ontem (7/3), num clima de grande entusiasmo pela imprensa local com o Brasil, raro num país conhecido pelo caráter reservado de seu povo.
A prestigiosa revista Economist, na sua edição do fim de semana passado, dedicou um espaço inédito à visita de Lula, com uma entrevista, um artigo e um editorial, no qual expressa a opinião de que o Brasil, neste governo, “finalmente assentou as fundações do desenvolvimento sustentado”. Por sua vez, o tradicional jornal The Times, em editorial publicado anteontem, conclamou o Brasil, “no passado uma superpotência apenas no futebol”, como uma liderança mundial na área política e econômica.
Ainda na data de ontem, a importante publicação The Guardian abriu suas páginas para um artigo de opinião (muito bem) escrito pelo presidente Lula, em que ele apresenta as grandes conquistas do Brasil e de sua administração na área energética e ambiental. De fato, lembra Lula que 40% da energia do país vêm de fontes renováveis, contra apenas 7% nos países desenvolvidos. Mais ainda, Lula mui acertadamente conclama a comunidade internacional a colocar em prática os compromissos do Protocolo de Kyoto.
A importante visita de Estado do presidente Lula servirá para reforçar a presença do Brasil nos foros internacionais como um interlocutor, tanto necessário, como responsável, que poderá dar uma enorme contribuição positiva às relações internacionais e à prevalência do Direito no mundo.
Por seu lado, o governo trabalhista inglês de Tony Blair, desmoralizado e envolvido em escândalos de todas as espécies, para além de crimes de Estado e crimes contra a Humanidade, está felicíssimo de receber um chefe de Estado que promove políticas externa e interna de natureza digna e benigna. Trata-se de uma excelente oportunidade para os ingleses tentarem projetar uma imagem positiva e aliviar a marginalização de sua política externa.
Lembre-se apenas que o governo de Tony Blair invadiu, como membro da chamada coalizão, o Iraque, em violação ao direito internacional de regência, como reconhecido largamente e, até mesmo, no próprio Reino Unido. Evoque-se ainda que o mesmo governo adotou uma política de assassinato de Estado que vitimou o inocente trabalhador brasileiro, Jean Charles de Medeiros, executado criminosamente no metrô de Londres.
Note-se ainda que o governo inglês colaborou ativamente na política oficial de sevícias do governo dos EUA, tendo acolhido no passado recente ao menos 14 vôos da CIA dedicados ao transporte de prisioneiros para câmaras de tortura. Observe-se ainda que o governo inglês limitou as liberdades individuais e restringiu o próprio instituto do habeas corpus. O mesmo governo aumentou a concentração das riquezas na parcela de 10% mais rica da população.
Assim, não é de se surpreender que, talvez pela primeira vez na história, um chefe de Estado do Brasil tenha tanto a ensinar a um governo inglês. Que as lições sejam tanto bem apreendidas pelo governo inglês, quanto ministradas com grave sobriedade pela delegação brasileira.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).