LONDRES – Tendo reforçado seu próprio regime jurídico de proteção e promoção dos direitos humanos, inclusive com uma ampla reforma constitucional havida no ano passado, a China passou a tratar do tema com maior desenvoltura nos foros internacionais. Nesse sentido, o país deu um importante passo para assumir a liderança dos países em desenvolvimento ao denunciar, no fim da semana passada, os abusos de direitos humanos nos EUA (Estados Unidos da América).

De fato, o Conselho de Estado chinês emitiu um alentado Relatório sobre Direitos Humanos nos EUA em 2004 (o Relatório), que analisa a questão sob o prisma de seis categorias distintas: 1) sobre a vida, liberdade e segurança pessoal; 2) sobre os direitos políticos e democracia; 3) sobre direitos econômicos, sociais e culturais; 4) sobre a discriminação racial; 5) sobre os direitos das mulheres e das crianças; e 6) sobre as violações de direitos humanos de estrangeiros. O quadro é dantesco.

A respeito da primeira categoria, sobre a vida, liberdade e segurança pessoal, o Relatório indica que, em 2003, 24 milhões de residentes nos EUA foram vítimas de violência. Lembro que os EUA têm uma população de cerca de 290 milhões de pessoas. Os EUA têm o maior número de proprietários de armas no mundo, sendo que quase metade da população masculina tem uma arma de fogo. A atuação da polícia americana é criticada pela violência em geral e, em especial, pelo uso das armas TASER, que transmitem choques elétricos, responsáveis por 80 mortes apenas em 2004.

O Relatório indica que os EUA efetuaram 13,6 milhões de prisões em 2003. Segundo estatísticas do Departamento de Justiça americano, há aproximadamente 2,6 milhões de presidiários nos EUA, ou 1 em cada grupo de 142 pessoas. As prisões americanas estão superlotadas e suas condições são precárias. As prisões tornaram-se uma das indústrias mais lucrativas nos EUA, empregando mais de 530 mil pessoas, o segundo maior contingente de funcionários no país, após a General Motors. Os EUA tem mais de 100 prisões particulares, em 27 estados, e a exploração do trabalho do presidiário gerou US$ 1,1 bilhão, em 2004.

Sobre direitos políticos e democracia, o Relatório acusa os EUA de serem, na prática, uma plutocracia. Os gastos médios para uma campanha para o senado situam-se em US$ 2,5 milhão, ao passo que aqueles para uma campanha para a câmara dos deputados ficam em US$ 500 mil. As eleições presidenciais custam US$ 1,7 bilhão.

Por outro lado, os EUA são acusados de excluir grande parte da população do sistema eleitoral, já que ex-presidiários não podem votar, o que exclui mais de 5 milhões de eleitores, dentre os quais conta-se 13% do eleitorado negro. Igualmente, a prova de residência para o voto exclui os eleitores sem teto, que têm um expressivo número. A desorganização das eleições e a manipulação dos resultados eleitorais, nos EUA, é também criticada pelo governo chinês.

O Relatório menciona ainda as ameaças à própria liberdade de imprensa nos EUA e denuncia a hipocrisia com que aquele país trata do assunto. O relatório menciona casos de censura de trabalhos literários e diversos exemplos de repressão ao trabalho de profissionais da imprensa estrangeira.

No que diz respeito aos direitos econômicos, sociais e culturais, o Relatório denuncia a pobreza, a miséria e a falta de habitações nos EUA. Segundo o documento chinês, 40 milhões de pessoas vivem em regime de pobreza nos EUA, dos quais 3,5 milhões de habitantes não têm sequer moradia. O número de pessoas sem seguro saúde nos EUA chegou a 45 milhões de habitantes e 13 milhões gastam 25% de sua renda em despesas de saúde. Cerca de 40% dos trabalhadores americanos não têm nenhuma proteção de seguro saúde.

O Relatório indica, por outro lado, que a discriminação racial tem profundas raízes nos EUA, permeando em todos aspectos da sociedade. Os negros são, de um modo geral, pobres. Uma família branca tem ativos líquidos 11 vezes mais que uma família de origem latino-americana e 15 vezes mais que uma família negra. Um terço das famílias negras tem valor patrimonial negativo, o que ocorre também com 26% das famílias de origem latino-americana.

Os negros são 5 vezes mais susceptíveis de serem vítimas de homicídio, 10 vezes mais propensos a casos de Aids e duas vezes mais inclinados a diabetes do que os brancos. Os negros respondem por 70% da população carcerária dos EUA, ao passo que os latino-americanos respondem por 19%, o que deixa os brancos, maioria da população, com apenas 11%.

No tocante aos direitos das mulheres e crianças, o Relatório indica que, em cada ano, cerca de 400 mil crianças nos EUA são forçadas à prostituição. A cada dois minutos, uma mulher é sexualmente atacada e a cada seis minutos uma mulher é estuprada, nos EUA. Cerca de 79% das mulheres americanas sofreram abuso sexual, ao menos uma vez. As condições dos adolescentes nos cárceres americanos é precária.

Sobre a violação de direitos humanos de estrangeiros, o Relatório denuncia as torturas sofridas pelos prisioneiros de guerra dos EUA no Iraque e no Afeganistão. O Relatório critica o repúdio oficial, pelos EUA, das Convenções de Genebra e as violações da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Mais ainda, o Relatório denuncia a existência de cerca de 20 prisões secretas americanas, mundo afora, sem controle jurisdicional. Mais de 100 mil civis iraquianos foram mortos como resultado da invasão americana, segundo o documento.

Por último, o Relatório denuncia a hipocrisia dos EUA em matérias de direitos humanos, por criticar outros países sem atentar para sua própria situação. A combinação do descaso com os direitos humanos com a política externa hegemônica levará os EUA a uma situação de isolamento na comunidade internacional, conclui o governo chinês.