SÃO PAULO A noção de fronteira está intimamente associada às convenções políticas e legais de soberania, ou de territorialidade cartográfica dos países. De fato, se o território é um atributo essencial para a caracterização de um Estado, a fronteira é a linha demarcatória para o exercício de sua soberania, que é periférica com outro(s) país(es). Dessa maneira, um dos fundamentos da soberania é o policiamento das regiões fronteiriças para a aplicação, a partir delas, da ordem jurídica interna de um Estado no sentido mais amplo e que compreende, inter alia, a legislação tarifária e fito-sanitária.

O Brasil tem fronteiras com todos os países da América do Sul, com exceção do Equador e do Chile, assim como com a França, na Amazônia. Assim, o seu policiamento apresenta-se uma empreitada de difícil execução, mas não menos necessária, pela enorme extensão das linhas demarcatórias, mas também pelo caráter inóspito, agreste e desabitado da área das fronteiras na região norte do país.

São sabidos os percalços para o policiamento das fronteiras do norte do Brasil, que exigiram no passado não muito distante um investimento extraordinariamente elevado de meios de radares e interceptação. Necessitou-se, inclusive, da chamada Lei do Abate, e de sua regulamentação, de maneira que a ação do Estado, na defesa da soberania e da ordem jurídica, pudesse ser eficaz.

Porém, noutras regiões, o desafio que se apresenta é incomparavelmente menor, pelo alto grau de desenvolvimento regional, pela situação natural menos inclemente, pelas condições geográficas mais amenas e pela adequada infra-estrutura urbana disponível. É esse o caso da região sul do país, com importante rede de estradas e portos que, à primeira vista, não apresentariam um desafio de monta para o exercício da soberania nacional.

Não é, no entanto, o que ocorre no Estado do Rio Grande do Sul, onde as fronteiras do Brasil deixaram de ser um posto de exercício de nossa soberania, estando abertas aos abusos, às fraudes e ao crime organizado. Tais violações criminosas ocorrem tanto na saída de produtos do território nacional, da mesma forma que no ingresso de mercadorias estrangeiras, como evidenciou, no primeiro caso, a questão da venda de grãos de soja brasileira contaminados para importadores da República Popular da China, ocorrida no final do ano passado.

Naquela ocasião, alguns produtores brasileiros de soja contrabandearam sementes transgênicas da Argentina, já que praticamente inexistentes os controles fronteiriços. Assim, foi descartada grande quantidade de sementes naturais, de coloração artificial vermelha, pelo tratamento anti-fungal e bactericida recebido. Alguns exportadores inescrupulosos adquiriram, a preço vil, as sementes descartadas e as adicionaram à soja exportada. Como a inoperante vigilância sanitária federal no Estado permitiu zarparem os navios sem os correspondentes exames ou certificados fito-sanitários, coube à China a constatação da fraude, com profundo golpe à credibilidade institucional do Brasil.

Mais recentemente, os produtores de arroz do Rio Grande do Sul têm denunciado baldamente, há meses, para a completa estupefação nacional que, dos nove pontos de entrada da fronteira terrestre do Brasil com a Argentina e com o Uruguai, apenas quatro possuem balança. Tal insólita situação contribui para a sonegação milionária de impostos, uma vez que esse produto entra com declarações de pesagem alteradas, contribuindo para a internação de arroz ilegal, o que ainda deprime mais o preço do produto brasileiro.

De mais a mais, a mesma falta de controle fito-sanitário constatada na saída das exportações de soja supra referidas existe igualmente no ingresso de produtos importados, conforme o denunciado pelos rizicultores gaúchos. Assim, o governo brasileiro não pode proteger, como é sua obrigação, a saúde pública local de produtos contaminados, como denunciado no caso do arroz e ao contrário do que fez o governo chinês no caso da soja.

A situação torna-se ainda mais grave porque, onde passa o arroz contrabandeado, passa qualquer outro material. Passam produtos pirateados, passam armas, passam munições, passam drogas e passa ademais tudo o que se quiser. Resta comprometida a ordem jurídica nacional e, com ela, o erário público, a saúde pública, a segurança pública, a economia popular, a economia privada e a credibilidade do país.

Assim, o controle fronteiriço do país não se trata do exercício fútil e ocioso da soberania. Muito pelo contrário! É uma obrigação constitucional e legal de nossas autoridades constituídas e, do ponto de vista territorial, a primeira delas.