A exposição da economia brasileira à competição internacional, a partir do governo Collor, trouxe como um corolário necessário a crescente migração de capitais brasileiros para outras moedas mais confiáveis do que as de curso forçado no país, no correr dos anos. Estima-se hoje um estoque não inferior a US$ 80 bilhões mantidos por nacionais brasileiros, pessoas físicas e jurídicas, em moeda de terceiros países, junto ao sistema financeiro internacional. Esse estoque, em sua grande parte, não é declarado às autoridades monetárias e fiscais brasileiras e , quando aparece nas relações jurídicas com o Brasil, tem, ou a roupagem de empresas de paraíso fiscal, aquela de fundos internacionais não-residentes, ou mesmo, de forma crescente, a de empresas sediadas em países de jurisdição de tributação normal.
Tais capitais fazem com que alguns dos maiores investidores no Brasil sejam jurisdições de paraísos fiscais, como o Panamá, as Ilhas Virgens Britânicas, as Bahamas, as Antilhas Holandesas etc. Semelhante aos fundos estrangeiros que operam como investidores nos mercados financeiros brasileiros que são, em sua grande parte, capitalizados por recursos monetários brasileiros internacionalizados. Freqüentemente, são tais investidores, muito bem informados, que estabelecem as tendências de mercado, tanto no ingresso, como na saída. Esse quadro alterou dramaticamente a questão das relações societárias no Brasil.
De fato, a migração dos capitais brasileiros tornou possível aos investidores, empresários e agentes financeiros considerar um menu de opções de sistemas legais para seus negócios com o Brasil. Para se constituir uma sociedade controladora regulando as relações entre a maioria e minoria, ainda que de partes brasileiras não mais se precisa de uma sociedade anônima nacional. Dependendo do caso, uma Delaware corporation ou uma English company podem ser utilizadas com vantagens.
Atração dos Capitais
Da mesma forma, a abertura do capital de uma empresa para a captação de recursos de capitais brasileiros não mais precisa ser feita no Brasil. Numerosas outras estruturas podem ser igualmente montadas no exterior, como nos Estados Unidos da América (EUA), Canadá e Inglaterra, para posterior investimento no Brasil. Tais montagens deslocam o foro das complexas relações entre acionistas para jurisdições de maior sofisticação, onde não só a lei como a prestação jurisdicional do estado são mais confiáveis. Pois é, no mundo da globalização, também os sistemas legislativos e os poderes judiciários competem na atração dos capitais. Os atos e negócios societários e financeiros representam uma significativa atividade empresarial agregada na área de serviços, que hoje representa cerca de 68% da economia dos EUA.
Comparativamente a outros centros, a legislação societária brasileira de regência apresenta-se pouco competitiva. É sabido que a profissão de copista desapareceu em todo o mundo, menos no Brasil, onde as atas das sociedades anônimas ainda devem ser copiadas em livros medievais. O sistema do registro do comércio é primitivo, oneroso e ineficiente. As leis não protegem adequadamente as minorias e são modificadas casuisticamente pelos governos, nem sempre no interesse geral. Institutos legais da maior importância, como a “ação coletiva” e a doutrina “stare decisis” não existem no direito pátrio. A jurisprudência é atabalhoada, já se havendo pronunciado favoravelmente a que a sociedade contrate com a maioria; a que os acionistas minoritários preservem o interesse social. Por último, a Secretaria da Receita Federal utiliza-se de medidas burocráticas não transparentes que impedem o arquivamento de atos societários no Registro do Comércio, como meio de induzir os contribuintes a aceitar seus ditames.
Como vimos, o quadro não se apresenta encorajador para a competitividade internacional do sistema legal brasileiro. Com isso, todos temos a perder. A economia pela queda das atividades no setor de serviços, e o governo pela conseqüente queda de arrecadação. No direito comparado, a questão da competitividade dos sistemas legais tornou-se tão importante que, a par da constante revisão legislativa, códigos de conduta conhecidos por governança corporativa tem sido implementados. É mais do que chegada a hora de fazermos o mesmo.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).