Nada de diplomacia comercial ou brigas na Organização Mundial do Comércio (OMC). Algumas empresas estão apelando para a própria Justiça brasileira para derrubar medidas antidumping impostas pelo país. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) está julgando os primeiros dois casos sobre o assunto, o que resultará também nos precedentes da corte na área. Trata-se de uma ação da farmacêutica dinamarquesa Nordisk contra uma portaria de 2001 que impôs barreiras de 76,1% contra a insulina exportada ao Brasil, e uma ação de uma importadora paranaense para liberar um carregamento de aço chinês vetado por uma resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex), editada em 2000.

No caso da Nordisk, a estratégia se mostrou bem-sucedida. Em fevereiro de 2001, a Camex editou sua Resolução nº 2, levantando as sobretaxas a suas exportações, e em abril do mesmo ano a empresa conseguiu uma liminar da 8ª Vara Federal do Distrito Federal suspendendo a medida. A liminar foi reiterada em decisão monocrática do STJ em 2005, e em fevereiro deste ano a discussão foi parar na primeira sessão do tribunal, onde três votos são favoráveis a caçar a liminar. Faltam ainda quatro votos, mas seja qual for a decisão, ela virá tarde demais: a medida antidumping tem vigência de cinco anos, e expirou ano passado. Em 2002, a Nordisk assumiu o controle de sua única concorrente nacional, a Biobrás, e passou a controlar 75% do mercado nacional de insulina.

Segundo o advogado da Nordisk no caso, Tadeu Caldas Pereira, a saída judicial foi considerada a mais adequada e ágil para resolver o problema. A opção foi deixar de lado a discussão sobre os critérios econômicos e comerciais adotados pela Camex para adotar a medida e focar um detalhe da tramitação da resolução: a Resolução nº 2, de 2001, da Camex foi assinada apenas pelo presidente da câmara, sem passar pelo colegiado. A alegação deu certo, ao menos até o momento. As alternativas seriam muito complicadas, diz Caldas Pereira. Uma revisão judicial do mérito econômico da resolução envolveria um processo longo e complicado, com produção de provas e perícias, o que se arrastaria por anos. A única outra alternativa seria o embate diplomático na OMC.

Assim como a Nordisk, a importadora paranaense OVD encontrou uma brecha burocrática dos procedimentos da Camex para tentar suspender a barreira antidumping levantada pela câmara. Segundo a alegação da empresa levada ao STJ em novembro de 2006, a resolução não seguiu o devido processo administrativo, com abertura de prazo para defesa e consulta pública. A empresa tenta revogar uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que abrange a região sul, que negou a liberação de mercadoria importada. A OVD alega que a jurisprudência do TRF da 4ª Região é exatamente a oposta, em geral derrubando a barreira imposta pelo governo. O processo da OVD não foi tão bem-sucedido no STJ. No julgamento iniciado em 28 de novembro na Primeira Turma do STJ, quatro ministros já negaram provimento ao recurso, faltando apenas o voto de José Delgado.

De acordo com a advogada Carolina Monteiro de Carvalho, sócia de uma das principais bancas do país em comércio exterior, o Noronha Advogados, a intervenção da Justiça brasileira nas questões de comércio exterior é uma pratica rara no país, ainda que seja comum em outros lugares, como nos Estados Unidos. Isso porque, por princípio, o Judiciário brasileiro não pode rever o mérito das decisões administrativas. Os poucos casos conhecidos, a exemplo dos processos encaminhados ao STJ, questionam o procedimento administrativo. Outro problema, diz Carolina, é que se trata de uma assunto muito técnico, a que o Judiciário está pouco acostumado. Mas ela avalia que seria interessante haver uma maior abertura do Judiciário a tratar de barreiras ao comércio exterior, pois isso criaria uma instância de controle externo às decisões do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Ela diz que em toda a história, o ministério reviu administrativamente apenas duas decisões na área.