LONDRES – Os Estados Unidos da América prosseguiram, na semana passada, em sua sistemática campanha de deconstrução do direito internacional, ao anunciarem a denúncia do protocolo opcional à Convenção de Viena sobre as relações consulares, de 1963. Esse protocolo elegia o foro privilegiado da CIJ (Corte Internacional de Justiça) para a solução de disputas decorrentes do referido tratado multilateral. Recomendo, nesse ponto, a releitura de meu artigo “A deconstrução do direito internacional e o império da barbárie”.
A denúncia do protocolo seguiu-se à recente derrota sofrida pelos EUA naquela corte, no ano passado, no caso movido pelo México a respeito da falta de acesso consular dos agentes deste país a 51 de seus nacionais, nos julgamentos em que condenados à pena de morte pelos tribunais penais municipais americanos. A CIJ determinou a necessidade de novos julgamentos. Os EUA já haviam sido acionados pela Alemanha e Paraguai, naquele tribunal internacional, pelos mesmos motivos.
Esse sério retrocesso na juridicidade nas relações internacionais veio acompanhado da indicação, pelos EUA, de Paul Wolfowitz, um radical de direita com larga tradição em violações ao direito internacional, para a presidência do Banco Mundial. De fato, Paul Wolfowitz é um notório teórico e agente do unilateralismo americano e do exercício arbitrário das próprias razões nacionais nas relações internacionais.
O Banco Mundial é uma agência da ONU (Organização das Nações Unidas) criada em 1944 com o objetivo de financiar projetos para o desenvolvimento econômico. O Banco Mundial tem 184 Estados membros, que contribuem com recursos na direta proporção de suas economias. Os EUA são o maior contribuinte, com 16.4% dos recursos, seguidos do Japão (7.8%), Alemanha (4.5%) e Reino Unido e França (4.3%).
No ano passado, o Banco Mundial, com sede em Washington, Distrito de Colúmbia (EUA), financiou 245 projetos num valor total de cerca de US$ 20 bilhões. Os créditos aos países menos desenvolvidos são fornecidos a longo prazo, geralmente 30 ou 40 anos, sem juros. A eleição do presidente do banco cabe tradicionalmente, de maneira não democrática, à indicação dos EUA. Essa tradição estará agora à prova com a infeliz nomeação.
O costumeiro descaso do governo Bush com o sistema multilateral já havia sido reforçado pela indicação de outro de seus controversos assessores, John Bolton, dias atrás, para o cargo de embaixador dos EUA na ONU. John Bolton é um homem com compromissos sérios, tanto teóricos como práticos, com a promoção internacional do arbítrio. Foi ele um dos responsáveis pela ação comentada em meu artigo “A desestabilização dos organismos internacionais: o caso da Opaq”.
Foi John Bolton quem escreveu o disparate que “tratados são leis apenas para os propósitos domésticos dos EUA. Em sua dimensão internacional, os tratados representam apenas obrigações políticas”. Essa assertiva corrobora, também aqui, uma personalidade não somente abrasiva como profundamente comprometida com o unilateralismo exacerbado praticado pelo governo Bush.
Qual seria, então, o propósito da designação dessa pessoa para um posto diplomático no principal organismo multilateral, a ONU? E qual o objetivo de cumular os efeitos potencialmente destrutivos da ação de John Bolton na ONU com aqueles causados eventualmente por Paul Wolfowitz no Banco Mundial?
O propósito da indicação de um embaixador perante a ONU com o perfil apresentado é, certamente, o de promover a aceitação internacional resignada do unilateralismo americano. O objetivo da nomeação de uma pessoa comprometida com tal política para o Banco Mundial é o de tentar usar a agência multilateral como instrumento de indução à resignação ao propósito antes enunciado.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).