Mercosul, o ambicioso mercado comum do sul, foi criado pelo Tratado de Assunção, assinado pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, em 26 de Março de 1991, como resultado de um programa predominantemente político. Até o final dos anos 80, todos esses países haviam superado anos de regimes militares desastrosos, e adentravam o processo de reinstalação da lei e dos valores democráticos. Os novos líderes políticos e civis da região vislumbraram que um mercado comum na área seria importante para desarmar as antigas rivalidades regionais que mantém viva a possibilidade de confronto militar, assim como permitem a manipulação de terceiros. Além do mais, houve uma grande frustração dos países em desenvolvimento, com relação ao regime multilateral de comércio do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (AGTC), sendo visto como um instrumento de dominação dos parceiros comerciais tradicionais. Este cenário se agravou com o amargor que rodeou a rodada Uruguaia do AGTC, cujas negociações foram proteladas, pela primeira vez na história, como resultado da resistência obstinada feita pelos países em desenvolvimento, pela introdução de novas áreas (tais como serviços, investimentos e propriedade intelectual) no sistema multilateral, enquanto mantém as áreas de comércio tradicionais (como agricultura e têxteis) excluídas daquele.

Havia então, naquele momento, por parte dos países em desenvolvimento, um sentimento geral de desânimo quanto ao AGTC e a seu uso como sendo uma ferramenta de dominação utilizada inescrupulosamente pelos poderes preponderantes. Em nenhum outro momento, na história do comércio multilateral, houve um número tão grande de pactos comerciais regionais. Até mesmo nos EUA, que até esse ponto era, indubitávelmente, o campeão do AGTC, e, sem surpresa, o maior beneficiado, houve uma mudança de opinião quanto ao sistema multilateral, pois ele não conseguiria influenciá-lo com a mesma força, e utilizou-se de uma excessão no artigo 24 do AGTC visando formar o que posteriormente ficou conhecido como NAFTA (em português: Acordo de Livre Comércio da América do Norte). Em consonância, percebeu-se, na América do Sul, que um pacto regional poderia trazer alguns benefícios comerciais, que se somariam com as melhorias gerais na atmosfera geo-política.

A extensão do recolhimento dos benefícios fiscais não era totalmente conhecida, havia apenas uma vaga suspeita de como seria, uma vez que os agentes diplomáticos dos países interessados conduziam as negociações a uma grande distância de suas sociedades civis e círculos de negócios, o que é inquestionávelmente uma herança dos antigos e deploráveis hábitos das ditaduras militares que existiram na região.Os objetivos conseqüentemente melancólicos do Tratado de Assunção foram determinados como:

(i) a livre circulação de capitais, bens, serviços, e pessoal;

(ii) a criação de uma tarifa e de uma política comercial externa; e

(iii) a coordenação de políticas macroeconômica.

O governo brasileiro negociou uma liderança política na região, obtendo a concordância da Argentina, desde que o Brasil oferecesse maiores concessões econômicas, mas nenhuma como o amplo e irrestrito acesso ao enorme mercado interno dos dois países. Tais concessões comerciais, isoladamente, ou combinadas com outros fatores macroeconômicos, contribuíram para uma distorção substancial no fluxo de investimentos estrangeiros, do Brasil para a Argentina, particularmente nos setores automotivos, com os fabricantes de automóveis estabelecendo-se na Argentina para suprir o mercado brasileiro de lá. O Brasil também concordou em retirar do bloco comercial seu setor açucareiro, o mais competitivo de sua agricultura. Os outros países do Mercosul, Paraguai e Uruguai, com economias muito menores, não poderiam dar-se ao luxo de serem alienados de um pacto comercial por seus gigantescos vizinhos, tendo, então, que aceitar quaisquer vantagens que pudessem conseguir nas negociações, mesmo que fossem insignificantes.

A criação de um bloco comercial regional não teve o poder de remover os assustadores problemas inerentes aos signatários da noite para o dia. Entre esses, incluem-se instituições políticas imaturas e fragilidades macroeconômicas nos estados membros. A primeira compreendia uma vasta lista de leis idiossincráticas herdadas dos regimes militares, e a última, resultou de uma história de mal gerenciamento econômico crônico, corrupção e incompetência. O principal, mas não o único, corolário da situação macroeconômica adversa, tanto na Argentina quanto no Brasil, era a fragilidade monetária. O Brasil é ainda um dos poucos países no mundo que administram o controle de câmbio, e a Argentina tomou o extraordinário passo ao adotar o dólar americano (USD), que é a moeda de seu terceiro parceiro comercial, como moeda nacional. A natureza da discrepância dramática das políticas monetárias adotadas não foi um bom augúrio para o futuro do Mercosul.

Outro grande erro estratégico de parte dos negociadores do Mercosul foi a abstenção da criação de um sistema de resolução de controvérsias confiável e eficiente, um instrumento imperativo, para a prevalência da regra legal, o que traz junto a si o benefício de desarmar as tensões entre os comerciantes e os políticos. Esse erro extremamente grave pode ser atribuído ao Brasil, que não desejou sujeitar o poder do líder regional à regra legal; uma posição dúbia, assim como uma visão distorcida de como devem ser os pactos regionais. De acordo com o exposto, a nenhuma parte privada era permitida a utilização do mecanismo de resolução de disputas sem que houvesse a conformidade de opiniões com relação ao seu governo, o que institucionalizou a censura e o controle arbitrário do acesso ao sistema jurisdicional. Nenhum outro pacto comercial no mundo ousou ter um sistema tão bizarro.

Não obstante, o Mercosul tornou-se um grande sucesso comercial desde o seu início. Esse sucesso provinha mais da predominância das condições adversas do acesso aos produtos regionais nos mercados multilaterais do que da diversidade do comércio. Em consonância, podemos notar que o comércio regional passou de US$5 bilhões no ano de 1991 para US$10 bilhões em 1993, daí para US$14 bilhões em 1995, subindo novamente para US$20 bilhões nos anos de 1997 e 1998, e recuando para US$19 bilhões em 1999, após a desvalorização da moeda brasileira. É ainda interessante notar que as mercadorias e produtos agrícolas são responsáveis por 59% do comércio regional do Mercosul, o que é uma forte evidência de que o pacto é uma, se não for a única, alternativa, ainda que sensível, à exclusão dos produtos agrícolas do sistema de comércio multilateral. O Brasil tornou-se, rapidamente, não apenas o maior parceiro comercial da Argentina e destino de 35% de seus produtos exportados, como também o importador de 50% dos produtos argentinos manufaturados, muitos dos quais feitos em fábricas novas, feitas em larga escala para atender o mercado brasileiro, como, por exemplo, o mercado automotivo. Uma tarifa externa comum para o bloco comercial foi criada e efetivada em 1995, entretanto , tinha uma série de excessões, como por exemplo as do setor automotivo, tecnologia da informação, açúcar, etc.

No início de 1999, acionada por uma crise financeira internacional, as adversas, porém intrínsecas, condições macroeconômicas na Argentina e no Brasil iniciaram-se, e só foram exacerbadas pelas dramaticas diversas políticas monetárias nesses dois países. A moeda Argentina estava, e ainda está, atrelada ao dólar. Essa política, internamente, é muito popular, mesmo limitando a expansão econômica quanto a fluxos diretos de investimentos estrangeiros e a excedentes comerciais, o que tem sido difícil de conseguir, e, conseqüentemente, tira a competitividade dos produtos argentinos em seu principal mercado, o brasileiro. Em Janeiro daquele ano, o Brasil foi forçado a desvalorizar sua moeda, o que havia sido definido a 35% acima de seu valor observado, como um meio de tornar a importação mais barata, e, ainda, ajudar no controle das pressões inflacionárias, enquanto o governo fosse incapaz de ajustar suas políticas fiscais. Esse desenvolvimento, de uma forma imediata, não só alterou as relações comerciais, como também afetou as relações diplomáticas entre os dois países. A Argentina considerava a supervalorização da moeda brasileira, o que permitiu que a competitividade dos produtos argentinos fosse única.

Assim, a desvalorização do real alterou não apenas as condições de comércio em favor do Brasil, mas também afetou o desempenho, senão a viabilidade de muitos investimentos estrangeiros sob a forma de instalações constituídas para servir o mercado brasileiro. Como conseqüência, muitas destas operações foram transferidas da Argentina para o Brasil. O governo argentino escolheu não alterar sua política monetária que havia se tornado conhecida nos últimos anos. Desta forma, a única opção que se dispunha na Argentina era sacrificar o comércio local numa tentativa desesperada de manter um certo grau de vitalidade econômica. Para tanto, a Argentina estabeleceu muitas restrições, em sua maior parte ilegais, em diversos setores da economia, tais como leite e derivados, calçados, aço, aves, suínos, automóveis, produtos têxteis, açúcar, bens de capitais e tecnologia de informações. A falta de um sistema efetivo de resolução de conflitos colocou as relações bilaterais sob enorme pressão. Tais atos criaram aspereza nas relações com o Brasil e a perda do diálogo diplomático com o governo de Menem ao final de seu mandato. De fato, o comércio tutelado substituiu o livre comércio.

Com o advento de uma nova administração na Argentina e com a clara percepção por parte dos países membros do Mercosul das implicações da falha no alcance de uma nova rodada de negociações de comércio multilateral em Seatle, houve a renovação de incentivo para resolver as diferenças internas dentro do bloco de comércio. O programa proposto para a nova rodada da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi tido como não correspondente aos interesses dos países em desenvolvimento e a falha na compensação desta situação dentro do sistema multilateral foi vista como um incentivo para o desenvolvimento de acordos regionais de comércio. As negociações visando montar uma Área de Livre Comércio entre as Américas (FTAA-ALCA), a ser implantada experimentalmente em 2005, fez pouco progresso como o resultado da falta de via rápida de autorização do executivo nos EUA bem como a enorme resistência a negócios e à opinião pública no Brasil em relação à iniciativa. Entretanto, o programa é visto como uma ameaça estratégica. Por isso, os estados membros do Mercosul decidiram em sua 37ª reunião dos grupos de mercado comum que aconteceu em Buenos Airesnos dias 4 e 5 de abril deste ano a fim de relançar o grupo de comércio.

Foi reconhecido que a coordenação macro-econômica é essencial para o futuro do Mercosul. Concordou-se então que até setembro deste ano, a harmonização dos dados econômicos estará instaurada. Em 9 de junho, os ministros da economia, presidentes dos bancos centrais do Mercosul estabeleceram tais critérios. A partir de março de 2001, os estados membros terão alvos fiscais comuns. O Brasil concordou em reformular seu sistema de resolução de conflitos do bloco de comércio. O sucesso da política de implementação de alvos fiscais comuns dependerão em grande parte, é claro, do sucesso das reformas legislativas de forma harmônica. Se isto for difícil de alcançar individualmente em cada país, o que dirá de uma iniciativa supra nacional? No entanto, de acordo com a recente votação, o setor de negócios no Mercosul em geral e no Brasil em particular, necessita de reformas legislativas no que tange disciplina fiscal, impostos, previdência social e impedindo regulamentações excessivas por parte do governo.

Ao mesmo tempo, a implementação de tais medidas está a caminho, a expansão do Mercosul está sendo buscada. As negociações com o Chile para sua efetiva associação, membro recente do grupo econômico, juntamente com a Bolívia, estão a caminho com interesse renovado após a inauguração da administração de Lagos, em Santiago, que encara este projeto como um dos principais objetivos políticos das relações internacionais. Contudo, há dificuldades em que pese as tarifas médias chilenas serem inferiores às tarifas comuns externas do Mercosul. Negociações com a África do Sul para seu o ingresso no Mercosul acabaram de se encerrar. Hoje há um grupo de quinze fortes participantes do departamento de indústria e comércio da África do Sul no Brasil. O presidente Mbeki provavelmente participará da próxima reunião de chefes de estado do Mercosul ainda este ano.

Tais negociações provavelmente requisitarão a redução da tarifa comum externa do Mercosul. As empresas brasileiras decidiram encorajar o governo a evitar erros do passado com a liberalização unilateral de comércio e apenas implementar a reduçao de tarifas num contexto de grandes acordos regionais ou multilaterais. É sob esta luz, que as negociações atuais para um acordo de comércio entre o Mercosul e a União Européia que acontece esta semana em Bruxelas serão analisadas. Achar um denominador comum está se provando ser uma tarefa assustadora tendo em vista os efeitos devastadores da política agrícola da EU. A agricultura responde por 35% do comércio externo dos países do Mercosul. Desta maneira, o Mercosul não deve hesitar em negar um pacto de comércio com a União Européia que não garanta uma maior facilitação de acesso a seus produtos agrícolas na Europa. A posição européia parece estar dividida, com alguns países como o Reino Unido e a Holanda apoiando o princípio de maior a produtos agrícolas.

O setor privado no Mercosul vê o prospecto para o futuro com otimismo reservado. Há otimismo pois as oportunidades para negócios e desenvolvimento econômico são grandes. Injeção massiva de capital estrangeiro nos últimos três anos no Brasil da ordem de U$ 89 bilhões, ou 10% do PIB é uma indicação óbvia de sua realidade. As pressões de crescimento são fortíssimas, o Brasil alcançará no final deste ano, o limiar de produção de carros de passeio de 2 milhões de unidades, previsão feita em novembro do ano passado, para 2003, numa convenção automotiva organizada pela “The Economist” em Dearborn. O consumo elétrico cresceu 8% este ano e o desemprego caiu 5.4%. A indústria cresceu 6.6% no primeiro trimestre. O PIB deve crescer, segundo a previsão de alguns em 6% este ano, apesar da meta combinada com o FMI de apenas 4%. A expansão econômica no Brasil beneficiará os demais países do Mercosul. Por outro lado há um certo receio em razão das inúmeras reformas necessárias para alinhar os fundamentos macro-econômicos, bem como a estrutura legislativa e os custos ao se fazer negócios, prevalecendo com nossos maiores parceiros comerciais. A eliminação do controle de câmbio é outra medida de absoluta necessidade no Brasil.

Em um artigo importante do Financial Times em 13 de junho, os primeiros ministros da Inglaterra e da Espanha apontaram que “O papel moderno do governo hoje é criar condições para que os negócios possam criar empregos, proteger os mais fracos e lutar contra a marginalização, preparar nossas crianças para futuras novas oportunidades e ajudar as forças de trabalho a se adaptarem a mudanças. Se isso vale para a EU, o é mais ainda para o Mercosul. Esperamos que nossos governos ponham isto em prática. De outra maneira, sempre podemos convidar o Sr. Blair a ocupar a posição de premier em nossa parte do mundo.