LONDRES – As chamadas moedas de reserva, como o dólar norte-americano nos dias de hoje, e a libra esterlina até meados da década de 1940, têm importantes vantagens estratégicas. A primeira delas diz respeito à possibilidade de o país emitente da moeda, e seus agentes financeiros e econômicos, de um modo geral, poder tomar empréstimos externos em seu próprio dinheiro. O segundo benefício decorre da possibilidade da manutenção de défices comerciais denominados na própria moeda.

A terceira regalia decorre da eliminação do risco cambial para os agentes públicos e privados, quando tomadores de recursos externos denominados na própria moeda. Assim, exclui-se tecnicamente, para as dívidas em tal condição, um inadimplemento jurídico, porque poder-se-á sempre pagar um dólar, mas admitir-se-á um inadimplemento de fato, porque esse mesmo dólar poderá no dia do pagamento estar aviltado, valendo uma fração diminuta de sua expressão anterior.

De fato, para os agentes econômicos de países como o Brasil ou a Argentina, que não têm moeda de reserva, se há uma grande depreciação de sua moeda de referência, o real ou o peso, conforme o caso, esse agente deverá gerar montantes adicionais em moeda nacional na direta proporção da desvalorização cambial. Assim, numa situação de hipotética paridade cambial de um dólar americano por um peso argentino, se o peso argentino é desvalorizado em 30%, o devedor argentino deverá ter que gerar trinta centavos adicionais em sua receita para repagar o mesmo um dólar. Tal não ocorre com as dívidas na própria moeda.

Tais extraordinárias vantagens permitem, à economia do país emissor da moeda de reserva, um diferencial comparativo tão grande que já foram chamadas, em conjunto, de um verdadeiro tributo imperial, a sugar com voracidade os recursos de terceiros países em benefício da prosperidade do Império. Esse é o caso do dólar norte-americano, moeda que hoje representa aproximadamente 65% das reservas dos bancos centrais do mundo, ou cerca de US$ 2,3 trilhões.

Ocorre que o dólar americano vem caindo de maneira consistente nos últimos dois anos, a ponto de ter se desvalorizado cerca de 35% contra o euro, 24% contra o yen e 17% contra uma cesta de moedas que inclui o yuan chinês, que está atrelado à moeda americana. Essa queda tem refletido o absoluto despautério dos fundamentos básicos da economia dos Estados Unidos da América (EUA), que acumulou um défice da balança comercial da ordem de US$ 680 bilhões em 2004.

Para financiar um défice de tamanho valor, os EUA devem captar nos mercados financeiros mundiais quase que US$ 2 bilhões ao dia! O pior é que não se trata de uma crise transitória, mas sim da evolução de um grave quadro institucional, com sérias tendências ao agravamento. De fato, hoje, os EUA exportam apenas 50% do que importam, em termos ad valorem.

Como muitos países que têm mantido grandes superávites comerciais com os EUA compram títulos do tesouro americano, com o propósito de viabilizar as próprias exportações, criou-se uma situação tanto artificial quanto precária da economia mundial.

Na perspectiva doméstica nos EUA, essa situação leva também a uma prosperidade irreal, porque permite aos seus cidadãos acesso ao dinheiro barato fornecido pelos depósitos dos países exportadores e bem assim dos demais atraídos pela moeda de poder mundial. Esse acesso fácil permite uma grande alavancagem da economia, que tem levado a um endividamento excessivo, de um modo geral.

Assim, a percepção generalizada é de que a situação da economia e da moeda norte-americana está a se deteriorar rapidamente. Hoje, os EUA já são devedores líquidos do estrangeiro, com um passivo líquido com o exterior de US$ 3,3 trilhões ou 28% do PIB. É a primeira vez, numa perspectiva histórica, que um país emissor de uma moeda de reserva chega a tal difícil e insustentável situação.

Como conseqüência, os próprios bancos centrais estão a diminuir o seu risco dólar, aumentando suas posições em euros, conforme relatado em Londres, na semana passada, pelo periódico Central Banking Publications. A crise do dólar, portanto, está a ameaçar os portadores e titulares de posições na moeda americana, estimadas hoje em US$ 11 trilhões.

Para os países em desenvolvimento apresentam-se riscos e oportunidades. Para aqueles devedores em moeda norte-americana, há a perspectiva de sua redução proporcional ao colapso daquela moeda. Aqueles com reservas expressivas denominadas em dólar devem tomar providências no sentido de mudar o perfil das posições, minimizando o risco.

Por último, apresenta-se a extraordinária oportunidade, devido ao interesse em diversificação do risco pelos credores, para um aumento de emissões denominadas nas próprias moedas daqueles países em desenvolvimento que, como o Brasil, tiverem acesso aos mercados financeiros voluntários internacionais, credibilidade institucional e suas economias em ordem.