O setor produtivo aplaude o desejo do governo federal de desonerar a folha de pagamento das empresas intensivas em mão-de-obra, que são, também, as que mais sofrem com os efeitos da valorização do câmbio. Porém, especialistas em tributação alertam que as medidas adotadas pelo governo terão de ser horizontais e universais. Do contrário, elas poderão ir contra a ordem jurídica da OMC – Organização Mundial do Comércio.

Em entrevista ao Valor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega disse que ainda não sabe como será feita a desoneração da folha de pagamento. A Abit – Associação Brasileira da Indústria Têxtil já tem uma sugestão para apresentar ao ministro. Fernando Pimentel, diretor-executivo da Abit, propõe que todas as empresas intensivas em mão-de-obra, como as do setor têxtil, possam aderir ao novo mecanismo de simplificação de impostos que entrará em vigor em julho, o Super Simples. "Com isso podemos desonerar a produção", diz. Segundo Pimentel, cerca de 90% das empresas do setor se encaixam no Simples e não crescem justamente para não perderem os benefícios desse regime.

Outras duas associações que representam setores intensivos em trabalho, Abimóvel e Abicalçados, não têm propostas para apresentar, mas dizem que qualquer desoneração é bem-vinda. "Esse câmbio que está aí não vai mudar. Já está consolidado. E ele nem é o problema. Precisamos mexer em outros fatores que reduzem a competitividade das empresas brasileiras, como carga tributária, juros e encargos sociais", diz Heitor Klein, diretor-executivo da Abicalçados.

O advogado Durval Noronha, do Noronha Associados, ressalta que se a desoneração for horizontal e sem contingenciamento, ela estará de acordo com as regras jurídicas da OMC. Porém, se o governo definir que irá desonerar apenas empresas exportadoras ou de um setor específico, isso será motivo de questionamento na entidade. Isso porque só algumas companhias seriam beneficiadas e poderiam aumentar sua produtividade. "Se o governo, por exemplo, escolher que empresas com mais de cem funcionários serão contempladas, isso deverá valer para qualquer setor, de um restaurante a uma fábrica", explica Noronha. Além disso, desonerar a folha de pagamento de um único setor, segundo o advogado, também seria motivo para contestação na OMC.

Estender o Simples ou o Super Simples a empresas intensivas em mão-de-obra, como quer a Abit, pode ser difícil. O consultor Douglas Camparini, da consultoria ASPR, lembra que, quando o Simples foi criado, em 1996, ele excluiu da simplificação e redução de tributos justamente as atividades bastante dependentes de mão-de-obra, como as de caráter intelectual: advocacia, empresas de jornalismo, consultórios médicos. Atualmente, com o Simples uma empresa paga entre 3% e 12,6% de impostos sobre o faturamento. Quem está fora desse regime, paga, só de ICMS, PIS e Cofins, mais de 27% de tudo o que fatura.
O economista Renato Fragelli, diretor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, acredita que o governo terá enorme dificuldade em concretizar a desoneração sem que provoque perda de arrecadação. Para Fragelli, o ideal seria que o governo estabelecesse um benefício previdenciário mínimo universal, deixando aos cidadãos a tarefa de fazer os próprios planos previdenciários. Para ele, escolher setores ou tipos de empresas para desonerar é tratamento desigual, que deveria ser evitado. Mas, diante das peculiaridades da economia brasileira, vê avanço na iniciativa.

O diretor da FGV teme que, diante do engessamento orçamentário e da conseqüente falta de possibilidade de perda de arrecadação, a desoneração "não dê em nada". "No fim, vai ser uma ’desoneraçãozinha’, porque não tem como perder arrecadação". Fragelli afirma que, se é ruim onerar a folha de pagamento, pior ainda seria transferir esse ônus para o faturamento. "A tributação sobre o faturamento é a pior de todas. Nos primeiros anos, a empresa não costuma ter lucro. Tributar o faturamento de quem não tem lucro é matar o empreendedorismo no país."