LONDRES – O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), sr. Rodrigo de Rato, declarou à imprensa internacional, por ocasião da reunião de chefes de Estado sobre a fome e a pobreza realizada em Nova Iorque, no dia 27 de setembro próximo passado, que os impostos globais seriam “inerentemente antidemocráticos e impraticáveis”. A incidência dos impostos globais sobre as atividades dos paraísos fiscais e do comércio de armamentos foi uma das alternativas cogitadas para a arrecadação de recursos a serem destinados ao combate contra a pobreza e seus efeitos nefastos, inclusive a fome.

Curiosamente, contudo, os mecanismos jurídicos multilaterais para a tributação encontram-se disponíveis há quase cem anos no ordenamento do direito internacional público. De fato, já os Artigos da Liga das Nações, em seu artigo 16, previam a possibilidade da aplicação de sanções econômicas ou diplomáticas em determinadas circunstâncias. Da mesma maneira, o artigo 39 da Carta da Organização das Nações Unidas (Carta da ONU) autoriza o Conselho de Segurança a determinar a existência de qualquer ameaça à paz, quebra da paz, ou ato de agressão e a fazer recomendações ou mesmo a decidir quais medidas a tomar. Tais providências poderão não envolver o uso de forças armadas (artigo 41), com sanções econômicas ou diplomáticas ou, alternativamente, terão o caráter militar (artigo 42).

Assim, o fundamento jurídico multilateral para sanções econômicas, que incluem certamente a tributação, pode ser encontrado no artigo 39, combinado com o artigo 41 da Carta da ONU. Resta indagar se a pobreza, a miséria, a desesperança e a fome são ameaças à paz mundial. Ora, qualquer pessoa de boa fé irá responder afirmativamente ao quesito, por ser uma verdade de evidência solar. Nosso próprio presidente, sr. Luís Inácio Lula da Silva, interpretou com autoridade o consensus humani generis por ocasião da abertura dos trabalhos da Assembléia Geral da ONU, em 21 de setembro próximo passado, ao declarar que “da fome e da pobreza jamais nascerá a paz”.

Os paraísos fiscais foram inspirados e amplamente tolerados pelos países desenvolvidos quando seu objetivo era apenas a promoção da pilhagem econômica e da rapina financeira dos países em desenvolvimento, através da assistência à fraude fiscal, ao crime organizado e à fuga de capitais, no âmbito interno daqueles infelizes Estados. Dessa maneira, a ordem interna dessas nações tem sido altamente prejudicada ou inviabilizada pelo regime financeiro e fiscal posto em prática nos paraísos fiscais. Ao contrário do que se pensa, os principais tax havens são, diretamente, os principais países desenvolvidos, notadamente os Estados Unidos da América (EUA), tanto para fins de aplicações financeiras, como para a constituição de empresas isentas de impostos. A União Européia (UE), contudo, não fica atrás, oferecendo atraentes oportunidades no Reino Unido, na Holanda, na Dinamarca, na Áustria, em Liechtenstein e, até mesmo, em Portugal.

Enquanto o dano maior era o sofrido pelos países em desenvolvimento, nada se fez para limitar a ação deletéria desse regime jurídico espúrio. Todavia, mais recentemente, com o combate ao terrorismo islâmico e com as fraudes corporativas multinacionais, como nos casos da Enron (que tinha nada menos do que 881 subsidiárias off-shore) e da Parmalat (que declarou em seus balanços auditados ativos inexistentes de € 4 bilhões off-shore), iniciativas há no sentido de dotar os paraísos fiscais de maior transparência, como aquela da UE deste mês.

Apenas a maior transparência pretendida pelos países desenvolvidos não terá o condão de desfazer os malefícios dessas jurisdições. O melhor seria sua mais completa erradicação. Na impossibilidade, a tributação internacional criada pelo regime jurídico multilateral das sanções seria uma segunda, e muito menos desejável, alternativa. A própria ONU poderia ser a autoridade fiscal e canalizar os recursos através dos programas administrados por suas agências.