Londres – O FED (Federal Reserve Bank), o banco central dos EUA (Estados Unidos da América), deverá lançar em sua reunião de 2 e 3 de novembro de 2010 um novo e amplo programa de emissão de moeda, para fazer frente à continuada e renitente crise econômica que afeta aquele país e com sérias repercussões na taxa de desemprego, oficialmente no patamar aproximado de 10%.

Como o termo impressão de moeda é altamente impopular, os banqueiros centrais dos EUA e do Reino Unido, que também lançaram mão do expediente, valeram-se de um eufemismo com o qual pretendem enganar o povo de seus respectivos países: o “relaxamento quantitativo”, ou quantitative easing, na língua inglesa.

A medida do recurso à impressão de moeda é extremada, não apenas pelo risco de provocar uma inflação desenfreada, mas também porque afeta de maneira substancial a credibilidade da política monetária institucional do país que dela lança mão. De fato, o Estado que recorre à impressão de moeda o faz porque já não consegue, na medida do valor da emissão, financiar suas necessidades mediante a colocação de títulos no mercado.

Assim, trata-se de uma medida desesperada, que indica a falta de opção disponível ao FED, que o força a lançar mão do mesmo expediente que causou a hiperinflação na Alemanha de 1923, na Argentina e Brasil na década de 80 e no Zimbábue dos dias atuais. É certo que nem sempre a impressão de moeda causa a hiperinflação, principalmente se feita com moderação.

Porém, a depreciação da moeda aviltada face àquela de outros países é inexorável. Assim, o câmbio passou a favorecer as vendas externas dos EUA, o que é positivo para a balança comercial deste país, mas, por outro lado, negativo porque outros Estados começam a se preocupar com a qualidade de reservas constituídas em dólares americanos.

A China, com cerca de US$ 3 trilhões em reservas, começou já há algum tempo a diversificar o perfil das moedas estrangeiras que compõe sua carteira de títulos para valores denominados em Euros, Wons, Yens e diversos outros representativos, direta ou indiretamente, de mercadorias várias que o país consome. O Brasil deveria fazer o mesmo, agora com um certo sentido de urgência.

Do ponto de vista do comércio internacional, o aviltamento voluntário da moeda do país cria uma vantagem competitiva tanto artificial quanto ilícita para os seus exportadores, distorcendo de uma maneira geral a relação natural das trocas e o seu fluxo tradicional.

Excepcionalmente, alguns países, destituídos de moeda reserva, atrelam a relação de valor de sua moeda a outra, que tenha essa característica. Isso sucede com o Franco Suíço face ao Euro, com o Yuan chinês face ao dólar americano. Até pouco tempo atrás, a maior parte das moedas mundiais era atrelada ao dólar americano, inclusive o Real e o Peso argentino.

Esse atrelamento impediu que a balança comercial entre os EUA e a China sofresse uma alteração artificial, como o que ocorreu com o Brasil, já que o dólar manteve substancialmente o seu valor face ao Yuan. Consequentemente, os EUA agora buscam um novo artificialismo, qual seja a criação de mecanismos para evitar “desequilíbrios” no comércio internacional, proposta disparatada feita na reunião dos ministros da fazenda e banqueiros centrais do G-20, realizada na Coréia, no fim de semana de 23 e 24 de outubro de 2010.

Eu já escrevi que as primeiras vítimas da crise internacional, deflagrada a partir de 2008, foram os organismos multilaterais, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e a OMC (Organização Mundial do Comércio), cujas regras se tornaram anacrônicas e obsoletas para a defesa dos interesses dos países hegemônicos e são agora desrespeitosamente violadas.

De fato, todas as novas medidas adotadas, como a vantagem competitiva obtida mediante o relaxamento e o comércio administrado vão de encontro com a ordem jurídica do regime multilateral financeiro e comercial.

Da forma como caminham as coisas no comércio global, o Mercosul pode acabar como sendo um exemplo.