1.1.- Com a abertura da economia brasileira que seguiu ao processo de redemocratização, inúmeras opções estratégicas para o desenvolvimento do País e de seu povo se descortinaram. Da mesma forma, armadilhas diversas para o progresso e afirmação nacional e social se colocam, frequentemente disfarçadas como formidáveis oportunidades de crescimento. Nunca, na história do Brasil, decisões tão importantes para o futuro Nacional se apresentaram perante sua sociedade civil e seus governantes. E nada é tão importante para a melhor escolha como a informação e o conhecimento. Desta forma, congratulo-me com a diretoria e associados do SINAFRESP por esta meritória iniciativa de debater a questão temática altamente oportuna deste seminário, bem como de realizá-lo na União Européia ( UE) e, em particular, em Lisboa, Portugal.
1.2.- De fato, com a maior integração econômica mundial no processo também conhecido por globalização, duas opções básicas se apresentam aos países para lidar de forma eficaz com a situação: a primeira delas é o regime multilateral da Organização Mundial do Comércio (OMC), ora reforçado pela juridicidade obtida como resultado da Rodada Uruguai [1]; e a segunda é o regionalismo comercial. A rigor, o multilateralismo e o regionalismo não são mutuamente excludentes, desde que os pactos regionais de comércio sejam construídos na letra e espírito do artigo 24 do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), de 1947. Neste sentido, o regionalismo é interpretado como um passo intermediário de liberalização parcial, em uma determinada área, antes da liberalização multilateral a todos os parceiros comerciais. Foi nesta acepção que o MERCOSUL, Mercado Comum do Sul, foi inspirado.
1.3.- Todavia, o regionalismo é também empregado como meio de atingir o diversionismo comercial e a hegemonia econômica, mediante o qual um país domina o comércio interno e externo de outros a tal ponto que pode, não só desviar correntes tradicionais de comércio, como obter enorme derrogação da soberania do parceiro mais fraco, passando a influir decisivamente na sua política interna. Este é, sem dúvida, o caso do NAFTA, Acordo de Livre Comércio da América do Norte, que transformou México e Canadá, na prática, em estados clientes dos Estados Unidos da América, EUA. [2]
1.4.- Em profundo deleite com os resultados hegemônicos alcançados com o NAFTA, os EUA trataram de expandí-lo com a típica e tradicional virulência diplomática, aos países da América Latina, mediante a infeliz iniciativa da Área de Livre Comércio das Américas, ALCA, através a qual países como o Brasil não tem nada a ganhar e muito a perder. Tal qual no âmbito do NAFTA, pretendem os EUA ganhar acesso aos mercados de serviços dos países latino-americanos, que representam hoje mais de cinquenta por cento da economia regional, enquanto mantém o seu próprio fechado, através de medidas horizontais. Mais ainda, pretendem os EUA desviar o curso comercial tradicional de produtos industrializados, mediante o uso de regras de origem como protecionismo, alienando parceiros e correntes habituais de comércio. [3] Da mesma forma, pretendem manter sua agricultura altamente subsidiada para sufocar qualquer concorrência da América Latina.
1.5.- Para fazer frente a tais sombrias ameaças vindo de um super potência como os EUA, vislumbro três vertentes básicas: a primeira, é a de reforço e ampliacão do sistema multilateral da OMC com o lançamento da Rodada do Milênio; a segunda, de aprofundamento dos laços no âmbito do Mercosul e com a consolidação do ingresso dos novos parceiros sul-americanos; e a terceira de estreitamento de relações comerciais com os parceiros tradicionais, como a União Européia. A meritória iniciativa deste seminário permite-nos analisar e discutir questões de importância para as duas últimas vertentes mencionadas.
1.6.- Para tanto, optei por abordar a questão da união monetária dentro do contexto da harmonização fiscal, para considerar como tal experiência pode ser aproveitada pelo Mercosul, e dividí a apresentação da seguinte forma:
i.- A presente Introdução;
ii.- A harmonização fiscal européia;
iii.- Movimento de capitais na União Européia;
iv.- A união monetária européia;
v.- A harmonização fiscal e a união monetária no Mercosul;
v.i.- Conclusão.2.1.- A Comunidade Econômica Européia (CEE) foi criada pelo Tratado de Roma celebrado em 1957 originalmente por Alemanha, França, Bélgica, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. Desde então, outros países aderiram ao Tratado, formando uma comunidade de 15 Estados [4], hoje sob a designação de União Européia. A UE foi estabelecida com base nos seguintes fundamentos:
i.- a livre circulação das mercadorias (exige a união aduaneira e a eliminação das restrições quantitativas entre os Estados-membros);
ii.- a eliminação de tarifas nas importações e exportações realizadas por indivíduos ou entidades residentes nos Estados-membros;
iii.- uma política agrícola comum; e
iv.- a livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais.
2.2.- Os fundamentos acima foram ratificados e ampliados pelo Tratado de Maastricht, de 07.02.1992, como aqueles consagrados pelos seus artigos 3 e 3A, dentre os quais:
i.- a eliminação dos direitos aduaneiros entre os Estados- membros e das restrições quantitativas à entrada e saída de mercadorias, bem como quaisquer outras medidas de efeito equivalente;
ii.- uma política comercial comum;
iii.- um mercado interno caraterizado pela abolição, entre os Estados-membros, dos obstáculos à livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais;
iv- a instauração de uma política comum nas áreas da agricultura, da pesca e dos transportes;
v.- o estabelecimento de um regime assegurando a livre concorrência na UE; e
vi.- a fixação de uma política monetária e cambial comum e a criação de uma moeda única.
2.3.- Em matéria de impostos indiretos, como é o caso, por exemplo, do Imposto sobre o Valor Acrescentado, IVA, é importante notar que o Tratado de Maastricht abordou diretamente a questão, em seu Artigo 99o., ao conceder ao Conselho a faculdade de emitir Diretivas nessa matéria, nos seguintes termos:
“O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu e do Comitê Econômico e Social, adotará as disposições relacionadas com a harmonização das legislações relativas aos impostos sobre o volume de negócios, aos impostos sobre consumos específicos e a outros impostos indiretos, na medida em que essa harmonização seja necessária para assegurar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno no prazo previsto no art.7o.A.”
2.3.1.- Note-se que não existe nenhuma previsão no Tratado de Maastricht relacionada à harmonização de impostos diretos, embora o Artigo 100o. do Tratado da UE tenha previsto a “adoção de Diretivas visando à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros que tenham incidência direta no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum.“, o que pode ser considerado como um posicionamento com clara tendência à harmonização.
2.4.- Pode-se afirmar que a harmonização já se encontra bem avançada no que diz respeito ao regime do IVA, o qual é considerado a mais importante realização da UE na área fiscal. Nesse sentido, vale lembrar que, à época da criação da CEE, existia uma grande variedade na estrutura e nas taxas dos impostos sobre o consumo em geral. A idéia consistia em, de um lado, criar um sistema que assegurasse a neutralidade econômica das taxas sobre os benefícios e, de outro lado, estabelecer uma compensação nas fronteiras sobre bases exatas, para chegar a constituir um espaço unificado nesta área.
2.4.1.- Porém, a criação de um sistema comum não foi acompanhada de uma harmonização da base de cálculo ou das alíquotas de tributação. Este foi um dos motivos pelo qual existiam controles aduaneiros na circulação de mercadorias, sendo o IVA cobrado no local de consumo; as mercadorias exportadas concediam o direito ao reembolso do IVA e as importadas eram tributadas para o fim de ajuste nas diferenças de alíquotas . Sob este sistema, os controles fiscais criavam um custo extra estimado entre 8-9 bilhões de ECU. Estes controles foram abolidos a partir de 1º de Julho de 1993, através da entrada em vigor de medidas adotadas para este período de transição, baseadas na cobrança do IVA segundo as alíquotas do país de destinação dos bens e serviços.
2.4.2.- Assim,a sistemática atual de tributação do IVA é baseada no princípio de tributação no país de destino, i.e. quando um bem é exportado de um Estado-membro por um outro Estado-membro, a passagem da fronteira tem por conseqüência o reembolso do IVA do país de origem do exportador e a tributação do produto no país de importação em sede de IVA à taxa vigente no país de importação. Essa sistemática deveria, segundo a Comissão Européia, ser substituída por um sistema onde a tributação do IVA fosse feita no país de origem, sede do exportador, de forma que o imposto fosse cobrado em conformidade com o mesmo sistema e às mesmas taxas vigentes para a circulação interna de mercadorias no país receptor. Isto consistiria em pagar o IVA no lugar de compra dos bens e depois de deduzi-lo do comprador tributado.
2.4.3.- A realização de tal sistema supõe a aplicação de um mecanismo de compensação entre os Estados que daria a possibilidade de reembolsar a taxa tributada nas vendas à importação de um Estado-membro a um outro Estado-membro, dentro do qual esta taxa seria deduzida. Mas isto só seria possível se o regime de IVA fosse efetivamente unificado na União Européia, inclusive no tocante às taxas.
2.4.4.- A unificação do regime de IVA é necessária porque, sem ela, os compradores teriam a tendência de comprarem mercadorias em países em que a taxa do IVA fosse mais baixa, além de prejudicar a política monetária comum. Por essa razão, a Comissão Européia propôs a unificação da base de tributação do IVA e da respectiva estrutura de taxas e decidiu fixar, enquanto tal não fosse possível, margens para a tributação dos bens, que oscilariam entre 4% e 9% para as taxas reduzidas e entre 14% e 20% para a tributação normal.
2.4.5.- Entretanto, depois das fortes reações dos Estados em relação a esse projeto, o Comitê Econômico e Financeiro admitiu que precisaria de um dispositivo transitório antes de instaurar o sistema de tributação no país de origem. Assim, foi decidido que o IVA continuaria a ser tributado no país de consumo durante um período que deveria terminar em 31.12.1996 – o que, no entanto, ainda não ocorreu. [5]
2.4.6.- Foi também decidido que, a partir de 01.01.1993, os controles nas fronteiras seriam eliminados. Desta forma, a partir desta data, as noções de importação e exportação foram definitivamente suprimidas, relativamente a todas as operações efetuadas entre os Estados-membros, sendo unicamente aplicadas em relação às trocas comerciais com países terceiros. Assim, as vendas e aquisições intracomunitárias de bens passaram a ser tratadas da mesma forma que as efetuadas dentro dos territórios dos Estados-membros.
2.4.7.- Na prática, isso significa que, em operações de compra e venda, aquele que entrega a mercadoria (o antigo exportador) não é tributado em IVA, enquanto o comprador (o antigo importador) deve suportá-lo no Estado-membro da chegada da mercadoria. Para as empresas, só muda o fato que não há mais controle antes de passar as fronteiras. No entanto, as empresas devem efetuar, no fim do mês, uma declaração a respeito de suas exportações e de suas importações o que representa uma grande economia de documentos [6].
2.4.8.- Em julho de 1996, a Comissão adotou um programa de medidas que descreve, em linhas gerais, os objetivos do novo sistema de IVA, e determinou que a apresentação de propostas perante o Conselho e o Parlamento Europeu fosse feita até o final de 1999. A Comissão comprometeu-se, ainda, a assegurar que as novas medidas entrem em vigor em um prazo não inferior a dois anos após a sua adoção pelo Conselho, permitindo, desta forma, um período suficiente para a introdução gradual do novo sistema. Os objetivos estipulados pela Comissão são os seguintes:
– conceder um tratamento igualitário para as transações internas e intraeuropéias;
– manter a receita nacional de tributos em níveis correntes, sem que ocorram perdas;
– assegurar a observância do sistema jurídico aplicável, bem como o controle efetivo na aplicação das respectivas medidas;
– estabelecer regras simples a serem aplicadas uniformemente.
2.4.9.- Para o alcance dos supra mencionados objetivos, as propostas da Comissão teriam de respeitar as seguintes regras:
– assegurar que os operadores sejam tributados somente no país de origem dos bens e serviços;
– garantir o mesmo nível de receita de tributos redistribuindo os rendimentos entre os Estados-membros tomando como base os seus níveis de consumo;
– atingir uma taxa de IVA única para todos os Estados-membros, embora certas variações em uma estreita faixa possa ser adequada;
– estabelecer um comitê de controle da UE para garantir uma aplicação uniforme das regras do IVA;
– criar um sistema comum mais moderno do que os nacionais já existentes, com alterações no sistema de isenções (ex. alimentação e vestimentas, por exemplo, não são tributados em determinados países), ajustes nas variações da economia e adaptações para novas tecnologias e novos produtos, especialmente no campo das telecomunicações.
2.5.- No tocante à área de impostos diretos, como já mencionado anteriormente, não possui a União Européia poderes para instituir tais tributos e, desta forma, harmonizar o respectivo sistema no âmbito dos estados-membros. Assim, não há progressos dignos de nota na área, à exceção da diretiva relativa às sociedades controladoras e suas controladas e da diretiva sobre fusões, aquisições e entradas de ativos. No caso dos dividendos, existe a faculdade de tributá-los e é adotado um mecanismo de compensação. No caso da diretiva sobre fusões, consagra-se o princípio que a mais valia decorrente somente será tributada quando efetivamente realizada. É ainda digna de nota a Convenção Européia para a Eliminação da Dupla Tributação em Relação ao Ajuste de Lucros de Sociedades Afiliadas [7], também conhecida por “convenção da arbitragem” por estabelecer um mecanismo de resolução de disputas entre autoridades fiscais e que deverá vigorar por um período de cinco anos.3.1.- Além das evoluções que marcaram a área fiscal, propriamente dita, ocorreram, ainda, na União Européia, significativos avanços em relação à circulação de capitais, sem a qual a idéia de mercado comum se inviabiliza na prática. Assim, desde 1977 os estabelecimentos de crédito já podiam estabelecer-se em qualquer país da Europa comunitária a fim de exercer as suas atividades, nas mesmas condições que os estabelecimentos nacionais.
3.2.- A liberdade de prestação de serviços também foi reconhecida em 1988, quando o Conselho adotou uma importante Diretiva estabelecendo a liberdade total de movimentos de capitais dentro da UE [8]. Esta Diretiva teve por base o Artigo 8o.A do Tratado de Roma que passou a ser o Artigo 7o.A do Tratado de Maastricht, segundo o qual “o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições do presente Tratado.”.
3.3.- Assim, é permitido aos estabelecimentos bancários da UE que atuem em outros Estados-membros sob o controle das autoridades monetárias de seu país de origem. Em Portugal, especificamente, matéria foi plenamente regulamentada pela Lei Bancária, de 31.12.1992.
3.4.- Note-se que um sistema em que prevalece a livre transferência de ativos financeiros, para países onde as instituições possam beneficiar-se de uma tributação mais conveniente, pode dar, em tese, margem à ocorrência de fraudes diversas. Por outro lado, o planejamento fiscal efetuado tendo em vista as disposições fiscais vigentes em diferentes jurisdições pode, ao fim e ao cabo, gerar importantes conseqüências para as autoridades fiscais do país de origem do investimento, tais como, por exemplo, a diminuição das receitas fiscais e a distorção entre a tributação do rendimento do trabalho (tributável) e do capital (exonerado, na prática).
3.5.- Tendo em vista esta questão, a Comissão chegou a propor que fosse criada uma retenção na fonte européia com taxa mínima de 15% sobre os juros distribuídos a investidores da União Européia. Entretanto, esse projeto foi abandonado.
3.6.- A fim de monitorar a situação de transferência internacional de ativos financeiros, os estados nacionais europeus instituíram formas de registros da movimentação de capitais, embora, é importante recordar, a mesma permaneça livre. Assim, na França, por exemplo, para evitar-se a evasão fiscal, foi estabelecido, que as pessoas físicas- ou singulares, como se diz em Portugal – devem declarar, às autoridades fiscais francesas, transferências de fundos a partir de 50.000,00 francos (cerca de US$ 8.000,00) e que as pessoas físicas, as associações, as sociedades não comerciais residentes e domiciliadas na França têm a obrigação de declarar suas contas e transferências de fundos para o exterior. Já em Portugal, as operações de transferência de invisíveis correntes devem ser declaradas, para fins estatísticos apenas, ao Banco de Portugal.4.1.- A instituição da união monetária européia, UME, com a instituição de uma moeda única, estabelecerá uma nova realidade macroeconômica mundial. De fato, hoje, o dólar norte-americano, embora não tenha grande substância intrínsica, é o inconteste líder das moedas internacionais, por ser a única de um país que é, ao mesmo tempo, um grande poder militar e uma potência econômica. Esta situação permite aos EUA um grande poder de manobra internacional, no sentido estratégico, manipulando correntes comerciais e, até mesmo, retaliando contra países com quem tenham disputas significativas a qualquer título. A iniciativa do euro, dentre outros benefícios, fará frente a essa hegemonia da moeda norte-americana, com benefícios generalizados para os membros da União Européia, bem como para terceiros países, como o Brasil, tem terão uma alternativa válida para fins de política monetária, cambial e comercial.
4.2.- Na reunião de Madri do Conselho Europeu, realizada em dezembro de 1995, foi estabelecido o calendário para a implementação da moeda comum européia, o euro. Como medida preliminar, foram definidos, no Tratado de Maastrich, critérios de convergência entre as economias dos países-membros, quais sejam: o deficit público, a dívida pública, a inflação, as taxas de juros e a estabilidade da moeda.
4.3.- Em maio de 1998, o Conselho designará, entre os países que cumprirem esses critérios e que tiverem manifestado seu interesse na iniciativa, aqueles que formarão a união monetária européia já a partir de sua criação, sendo permitido, àqueles excluídos da fase inicial, aderir ao sistema em ocasião posterior. No mesmo momento, serão fixadas as paridades entre as diferentes moedas nacionais. Ainda no primeiro semestre de 1998, serão formalmente instalados o Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt, na Alemanha, e o Sistema Europeu de Bancos Centrais que, juntos, serão responsáveis pela política monetária e cambial da união monetária européia. Os pagamentos internacionais serão processados através de um sistema centralizado de compensações automáticas denominado TARGET [9].
4.4.- Em 1 de janeiro de 1999, a união monetária européia entrará efetivamente em vigor. As taxas de câmbio entre as moedas nacionais serão irrevogavelmente fixadas e o Euro passará a ser utilizado nos negócios oficiais, tais como emissões governamentais dos estados-membros ou do Banco Central Europeu. Até 2002, as operações comerciais poderão ser denominadas em moedas locais ou em Euros. Apenas em 2002 terá início a circulação de notas e moedas de euro. As moedas nacionais não mais refletirão as reservas monetárias de cada país, mas sim a situação econômica da união monetária européia como um todo. [10]
4.5.- É de se notar que o Euro está sendo criado sem que haja, na União Européia, uma estrita união fiscal pois, como já vimos, há apenas uma ainda incompleta harmonização tributária na área dos impostos indiretos e uma falta de consenso no tocante aos impostos diretos. É óbvio que tal situação, da perspectiva puramente técnica, compromete a iniciativa e indica um potencial de problemas, que inevitavelmente ocorrerão no futuro, até que haja uma completa harmonização das receitas tributárias com a total federalização da União Européia. Assim, resta claro que, na adoção do Euro no presente momento e desta forma, prevaleceram as razões de ordem política e estratégica aos critérios puramente técnico-monetários.5.1 O Mercosul encontra-se regulado pelo Tratado de Assunção, de 1991, e pelo Protocolo de Ouro Preto, de 1994, assinados e ratificados pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Posteriormente, tornaram-se estados associados do Mercosul a Bolívia e o Chile e, mais recentemente, na semana passada, a Comunidade Andina, formada por Peru, Equador, Colombia e Venezuela. Como já vimos, tal expansão atende aos objetivos estratégicos do governo brasileiro, e também dos demais países sul-americanos, no sentido de formatar um mercado comum livre das pretenções hegemônicas dos EUA.
5.2.- Impõe-se, contudo, ao mesmo tempo, o aprofundamento das instituições comunitárias do Mercosul, tarefa que implica em um enorme desafio sem precedentes na história dos países-membros, tendo em vista o pouco tempo de vigência dos tratados e acordos de regência das relações comunitárias, o estado de desenvolvimento relativo, e a desestruturação dos ordenamentos jurídicos internos causados por uma política comercial isolacionista patrocinada por ditaduras militares de triste memória. Tal aprofundamento diz respeito, principalmente, às seguintes áreas:
i.- livre movimento de pessoas;
ii.- livre movimento de capitais;
iii.- harmonização legislativa;
iv.- harmonização tributária; e
v.- sistema de resolução de disputas.
5.3.- A questão da livre movimentação de pessoas dentro do espaço de Mercosul é um dos objetivos básicos do Tratado de Assunção e deve ser atacada de pronto, de tal forma a permitir sua efetivação o mais rapidamente possível. Deve-se mencionar, neste ponto, que o Nafta não contempla a livre movimentação de pessoas e submete os cidadãos mexicanos a um odioso sistema de quotas, segundo o qual apenas 10 mil prestadores de serviços daquele país tem acesso ao mercado dos EUA, sistema que os americanos desejam ver repetido no âmbito da ALCA.
5.4. A questão do livre movimento de capitais é básica porque, sem tal liberdade não há nem uma união aduaneira, nem um bloco de livre comércio e, muito menos um mercado comum. Desgraçadamente, a culpa da falta de progressos nesta área é do Brasil que mantém, até hoje, um anacrônico sistema de controles cambiais, não somente incompatíveis com a realidade econômica do país, mas também com as iniciativas regionais e multilaterais de sua política externa. Tal falta de liberdade cambial prejudica a competitividade do Brasil para a atração de investimentos estrangeiros e bem assim às empresas brasileiras, submetidas a amarras idiossincráticas e onerosas que não afetam seus concorrentes estrangeiros.
5.4.1.- Neste particular, vale a pena mencionar que recentemente tem se discutido na imprensa do Mercosul a idéia da moeda única, levantada pelo presidente Menem, da Argentina. O governo brasileiro já se manifestou no sentido de que entende a iniciativa como prematura[11], da mesma forma que setores responsáveis da opinião pública nacional [12]. De fato, como criar a moeda única em uma zona de livre comércio onde ainda existem controles cambiais? Mais ainda, onde inexiste uma coordenação macro-econômica e uma harmonização fiscal? E onde o processo de harmonização legislativa empresarial ainda é incipiente? E onde, para todos os efeitos, não existe um sistema de arbitragem e de resolução de disputas digno do nome?
5.4.2.- Contudo, nada obsta que se estabeleça a moeda única como um objetivo de longo prazo, para depois da resolução dos inúmeros problemas de curto e médio tempo, supra mencionados, o principal e mais urgente dos quais é a eliminação dos controles cambiais no Brasil, medida de depende apenas do governo brasileiro. Desta forma, a moeda única do Mercosul, se conveniente e possível, poderá ser eventualmente adotada em um futuro não próximo com responsabilidade e com o benefício da experiência do Euro, a vigorar a partir de 1 de janeiro de 1999.
5.5.- A questão da harmonização legislativa se impõe, não somente para um tratamento equitativo entre pessoas físicas e jurídicas dos países membros do Mercosul, bem como para evitar uma série de distorções empresariais e até fraudes. Desta forma, a questão da revalidação dos diplomas é importante, assim como a legislação ambiental; a lei de proteção ao consumidor; a legislação pertinente ao direito de competição ou da concorrência; a legislação trabalhista; a legislação securitária, dentre tantos outros campos do direito. A complexidade de tal tarefa indica que sua solução plena não será de curto prazo.
5.6.- A harmonização tributária no espaço do Mercosul também se impõe e melhor fariam os governos, inclusive o do Brasil, se antes negociassem um tratado a respeito com os outros países membros para depois submetê-lo ao Congresso Nacional. Somente a harmonização tributária pode permitir os fluxos de livre comércio sem distorções artificiais e com plena identificação de comportamentos anômalos e sua capitulação como ilegais. Neste particular, é muito válida a experiência da União Européia com o Imposto do Valor Acrescentado, o IVA, que vem de há muitos anos, e pode muito bem ser aproveitada. No sentido oposto, a falta de progressos na União Européia na área de harmonização dos impostos diretos não deve servir de exemplo e esforços devem ser feitos com o objetivo de, também neste espinhoso segmento, evoluir-se, talvez gradualmente, para um regime comum.
5.7.- Por último, vem a questão de um sistema de arbitragem que seja eficaz. A estrutura adotada pelo Mercosul com o poder de veto dos estados-membros às pretenções de seus nacionais não somente é uma ofensa ao estado de direito nas relações internacionais, mas uma contradição aos objetivos básicos do Tratado de Assunção. Até mesmo o infeliz Nafta, de inspiração hegemônica confessa, não pretende tutelar e não reserva o veto ao acesso ao sistema de resolução de disputas aos países associados. No comércio internacional, as disputas devem ser encaradas naturalmente; ela existem e, na medida do maior crescimento das trocas mercantis, vão aumentar. A própria Organização Mundial do Comércio deu um formidável exemplo ao aumentar a juricidade do seu sistema de resolução de disputas. O fato é que os países do Mercosul, e principalmente o Brasil, não podem pretender fazer parte de um bloco de livre comércio sem concordar à submissão à arbitragem internacional, com a derrogação da soberania daí decorrente.6.1.- Na apresentação de hoje, procurei demonstrar como, em suas ações e omissões, a experiência da União Européia é de grande valia para os países do Mercosul.
Lawyer admitted in Brazil, England and Wales and Portugal. GATT and WTO panelist. Brazilian government ad-hoc representative for the Uruguay Round of the GATT. Post-graduation professor of the law of international trade.