Londres – No dia 31 de agosto de 2009, o sistema de resolução de disputas da OMC (Organização Mundial do Comércio) divulgou dois laudos arbitrais a respeito da disputa (DS 267) entre o Brasil e os EUA (Estados Unidos da América), iniciada no dia 27 de setembro de 2002 naquele foro, e mais particularmente no tocante à autorização de retaliação por parte do primeiro contra o segundo país.

Como é sabido, o sistema de resolução de disputas da OMC é altamente imperfeito como instrumento jurisdicional já que inter alia não tem decisões, mas sim recomendações às partes envolvidas numa disputa. Mais ainda, as recomendações não são executáveis nos seus termos. Assim, se a parte que sucumbiu numa disputa resolver não aceitar a recomendação, ela poderá fazê-lo, sem violação das normas do regime multilateral do comércio.

Ao procurar contornar a falta de exequibilidade de suas decisões, vital em qualquer sistema jurisdicional, o Entendimento sobre Resolução de Disputas cometeu ainda erros adicionais ao pretender substituir a execução de um laudo arbitral pelos conceitos injurídicos de compensação e de retaliação.

A compensação seria a remoção de vantagens legais (como majoração tarifária, por exemplo) pelo estado membro vencedor ao país vencido, com a concordância do último. Por sua vez, a retaliação seria o mesmo, sem a concordância do país sucumbente, mas com a aprovação da OMC.

Esse sistema é não apenas estéril, como injusto, porque deixa de punir a prática considerada ilegal e aplica a compensação ou a retaliação, conforme o caso, numa área distinta daquela ilícita e que representa, na realidade, a corrente bilateral saudável de comércio. Mais ainda, dependendo dos países, a corrente total de comércio poderá não suportar uma retaliação, como já ocorreu no caso da disputa aeronáutica entre o Canadá e o Brasil (DS 46).

Pois bem, o Brasil havia solicitado autorização para retaliação no valor importante de US$ 2,68 bilhões, mas obteve apenas para a soma de US$ 294 milhões, aproximadamente dez por cento apenas da quantia original. Assim, a medida deixa de beneficiar diretamente o setor brasileiro do algodão, já que os EUA continuarão a praticar os seus subsídios ilegais na área objeto da disputa.

Mais ainda, o valor proporcionalmente diminuto da relaliação será insuficiente para fazer com que os EUA alterem suas práticas de subsídios agrícolas. Por último, setores inocentes no comércio bilateral irão provavelmente sofrer o peso de um aumento de carga tarifária, o que poderá causar sua eliminação do mercado brasileiro, em prejuízo ao princípio da livre concorrência e em detrimento ao consumidor nacional. Não obstante, a mendaz máquina publicitária do Itamaraty anunciava mais uma retumbante vitória da diplomacia brasileira.

Depois de sete anos de litígio internacional, o resultado não poderia ter sido mais decepcionante, sob a perspectiva dos interesses nacionais do Brasil. A estratégia da disputa, no Itamaraty, foi de responsabilidade da infame Divisão de Contenciosos, criada com o objetivo de administrar a contratação de advogados norte-americanos (sic), e composta de quadros que nada entendem de direito, de disputas, do contencioso e que nem sequer conseguem fazer uma licitação idônea.

A disputa contra os EUA foi conduzida pelo Brasil por meio de advogados norte-americanos, contratados sem licitação, e pagos a peso de ouro. O Congresso Nacional foi impedido de acompanhar a tomada de decisões táticas e estratégicas e o desempenho técnico de nossos representantes na questão, pela falta de transparência que caracteriza o Ministério das Relações Exteriores.

O fracasso do Itamaraty na disputa sob comento apresenta-se não apenas no resultado objetivo do contencioso, mas na maneira cínica, trôpega e disparatada como ela foi conduzida, em violação à ordem jurídica brasileira e alheia aos controles democráticos de nosso regime constitucional. É mais do que chegada a hora de colocar o Itamaraty sob a disciplina da lei.