Rio de Janeiro – No dia 8 de junho de 2009, as ações da General Motors, empresa ícone do capitalismo, deixaram de integrar a composição do índice Dow Jones, da Bolsa de Valores de Nova Iorque, juntamente com aquelas do Citigroup, que já foi o todo poderoso coordenador da dívida externa brasileira. Eram aquelas vendidas à bagatela de US$ 0,27. Tanto a General Motors, como o Citigroup, deixaram de ser empresas de mercado, devido à maciça participação estatal na composição de seus capitais, 72% no caso da primeira e 36% no caso do segundo.

Uma semana antes, a General Motors havia feito um pedido de recuperação judicial no Tribunal de Falências do Distrito Sul da cidade de Nova Iorque, para os fins e efeitos do Capítulo 11 da lei (federal) de falências dos EUA, alegando um patrimônio líquido negativo de cerca de US$ 90 bilhões, apurado levando-se em consideração ativos totais de US$ 82 bilhões e dívidas de US$ 172 bilhões, com nada menos de aproximados 100 mil credores distintos.

A General Motors recebeu injeções do Tesouro dos EUA no valor aproximado de US$ 50 bilhões, em troca de cerca de 60% das ações votantes da empresa reestruturada. Por sua vez, o governo do Canadá aportou aproximadamente US$ 10 bilhões, em troca de 12,5% do capital com direito a voto da nova empresa.

Credores diversos converteram seus haveres por uma fração do respectivo valor de face para receber 10% do capital. Por último, o fundo de pensão do sindicato UAW (United Auto Workers) fez um aporte equivalente a 17,5% do capital.

Simultaneamente (por coincidência, no mesmo dia) à formalização do pedido de recuperação judicial da General Motors, um juiz de falências dos EUA autorizou a venda de quase todos os ativos da Chrysler num projeto de levantamento falimentar. De acordo com a proposta aprovada judicialmente, a operação de reestruturação da Chrysler terá o valor de US$ 2 bilhões e compreenderá a criação de uma nova empresa, com novos controladores.

Assim, o sindicato trabalhista do setor nos EUA, o mesmo United Auto Workers, terá 68% do capital votante, os governos dos EUA e Canadá terão conjuntamente 12% e a empresa italiana Fiat, com fortes vínculos estatais no país peninsular, os restantes 20%. A gestão da nova empresa ficará com a Fiat, montadora que tem uma tradição de dificuldades diversas.

Da mesma maneira com o que já havia ocorrido com o setor financeiro, o setor automobilístico dos EUA deixou de ser caracterizado por economia de mercado e passou a ser estatal. As repercussões internacionais de tal transformação poderão repercutir profundamente na concorrência internacional. Como, afinal, fazer frente a uma concorrência estatal?

As normas do sistema multilateral do comércio da OMC (Organização Mundial do Comércio) trazem remédios de defesa comercial, como as medidas compensatórias, que podem ser aplicadas pelos parceiros comerciais potencialmente prejudicados pelos subsídios ilegais.

Da mesma maneira, direitos antidumping poderão ser aplicados usando como referência preços de terceiros países, já que os EUA não podem mais no setor serem considerados economia de mercado.

De qualquer maneira, a maior tentação para os países prejudicados é aumentar a sua própria rede de subsídios. O Brasil poderá se tornar um campo de guerra de subsídios praticados por terceiros países, já que não tem montadoras nacionais próprias. Esses desembolsos ilegais poderão ter um forte impacto na esfera do direito concorrencial doméstico. Para neutralizá-lo, o governo brasileiro irá subvencionar montadoras de terceiros países?

Observe-se, para concluir, que a ordem jurídica internacional de inspiração capitalista não estava preparada para o ocaso do sistema. Das dificuldades que certamente aparecerão, virá a inspiração para a construção de uma nova ordem jurídica multilateral. Essa é uma tarefa que se apresenta cada vez mais urgente, haja vista os riscos de uma guerra comercial global, em que os arsenais estarão repletos de medidas protecionistas diversas.