São Paulo – Os países em desenvolvimento, particularmente na Ásia, onde o robusto pacote de intervenção governamental na China, anunciado em outubro de 2008, teve um importante impacto regional, estão a se recuperar dos efeitos da crise econômica mundial. A China crescerá em 2009 cerca de 7.2% e a Índia, 5.4%. Isso ocorre também no Brasil, onde parece que, afinal, a economia terá um crescimento positivo, ainda que marginal, em 2009.
A recuperação nos países emergentes é possível porque suas economias não sofreram o efeito devastador do colapso dos mercados financeiros, causado pelo abuso dos derivativos, pela ação fraudulenta dos bancos de investimentos, agências de avaliação de risco e outros agentes de mercado, bem como pela falta de regulamentação prudencial e pela omissão dos governos dos países desenvolvidos, notadamente aqueles dos Estados Unidos da América e do Reino Unido.
Nos EUA, o presidente Barack Obama, pressionado pela queda nos índices de popularidade e com base em alguns dados esparsos, como recuperação parcial dos índices de bolsas de valores, diminuição dos índices de recessão e aumento das vendas imobiliárias, anunciou em 30 de julho de 2009 que o fim da crise econômica encontra-se próximo.
Trata-se de declaração precipitada e desprovida de sólidos fundamentos econômicos. Afinal, a ligeira recuperação havida nos mercados financeiros norte-americanos é devida aos enormes estímulos governamentais usados no final da administração Bush e por Obama, que causaram um déficit orçamentário de cerca de 15% do PIB (Produto Interno Bruto) dos EUA. A diminuição da intensidade da recessão é devida ao mesmo fenômeno.
Esses estímulos, caracterizados por desembolsos de empréstimos a fundo perdido, perdão de dívidas por entidades governamentais, subsídios oficiais, nacionalizações, favores fiscais em diversos níveis, protecionismo comercial, barreiras tarifárias e outros meios legais e ilegais, são absolutamente insustentáveis a médio e longo prazo.
Acresce que o outrora poderoso dólar americano encontra-se sob pressão, face às alternativas buscadas mundo afora para sua substituição, ainda que parcial, como moeda reserva. Essa pressão aumenta na medida em que cerca de 70% das reservas mundiais encontram-se hoje em mãos de países emergentes, que não têm nenhum compromisso específico com a sustentação artificial de uma moeda sem substrato econômico.
Por outro lado, a balança comercial dos EUA continua negativa, com um déficit acumulado de aproximadamente US$ 700 bilhões nos últimos 12 meses, o que traz a necessidade de seu financiamento, o que aumenta o desgaste da moeda americana. O ocaso da doutrina do neoliberalismo que inspira o regime multilateral da OMC (Organização Mundial do Comércio) causado pelo choque frontal com ações de intervenção dos governos dos países desenvolvidos irá impedir o uso do sistema para a tradicional promoção da prosperidade seletiva de seus povos, em detrimento dos emergentes.
O setor industrial americano encontra-se largamente sucateado e conseqüente baixa competitividade internacional, com a indústria automobilística ou falida ou nacionalizada e sem competitividade internacional. O trôpego mercado financeiro americano não atrai mais investimentos externos, como no passado.
Assim, não se contempla a reversão do déficit da balança comercial nem aquele do balanço de pagamentos dos EUA no futuro próximo. O desemprego continua em patamares historicamente jamais alcançados, o que tem um impacto adverso tanto no nível de consumo como nos índices de confiança dos investidores. Os investimentos produtivos continuam a cair.
A recuperação econômica encontrada nos países emergentes não deve necessariamente ajudar de grande maneira a substancial retomada econômica dos EUA, de maneira sustentável, porque aqueles aumentarão o comércio e as relações entre si, aproveitando-se do maior e mais favorável clima econômico em seus respectivos territórios e das oportunidades recíprocas e complementares.
A falência da economia americana causou uma conseqüência ainda pouco percebida, e menos analisada, que é o término da equação conhecida por fenômeno do cubo e dos aros, como na roda da bicicleta, em que os diversos países do mundo todo (os aros) relacionavam-se financeira e comercialmente com o cubo (os EUA), para a óbvia, desproporcional e desnecessária vantagem deste.
Caminhamos para um mundo sem cubo.
Lawyer admitted in Brazil, England and Wales and Portugal. GATT and WTO panelist. Brazilian government ad-hoc representative for the Uruguay Round of the GATT. Post-graduation professor of the law of international trade.