Marina Diana
SÃO PAULO – A escassez de crédito em razão da crise financeira está motivando a busca por diferentes interpretações das leis, na esperança de encontrar brechas que possam auxiliar a restrição financeira em que muitas empresas se encontram. O mais recente exemplo foi a aprovação pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Regional do Projeto de Lei 4.960/09, do deputado Waldemir Moka (PMDB-MS), que inclui os produtores rurais entre aqueles que terão prioridade no recebimento de créditos devidos por empresas em processo de falência.
A proposta, no entanto, não deve ser dar muitos passos adiante já que, além de buscar alterações na atual Lei de Recuperação e Falências (nº 11.101/05), serviria como argumentação para que outras categorias buscassem o mesmo "privilégio". "Isso abriria precedentes para que outras atividades, equiparadas na mesma escala de recebimento dos produtores agrícolas, peçam a mesma coisa. Vira um efeito cascata", afirma o especialista em recuperação judicial Sergio de Paula Emerenciano, do Emerenciano, Baggio e Associados Advogados. A advogada Mirella da Costa Andreola, diretora do setor societário do Noronha Advogados concorda, e completa: "O projeto pretende com que os produtores subam na fila dos beneficiados e isso significa um enorme privilégio, que pode incomodar os demais setores, inclusive o governo, que pode ir parar no fim da fila", ressalta a especialista.
Caso específico
A medida, de acordo com o texto do projeto, valerá para os casos em que o devedor for empresa que se dedique ao beneficiamento ou à comercialização de produtos agropecuários. "Essa medida é possível, mas não é justa. Fere o princípio da isonomia", avalia o especialista em direito societário Fernando Nees, do Martinelli Advocacia Empresarial. No entendimento dele, o projeto não se enquadra aos princípios do direito. A advogada Nilza Peres de Sousa, do Jeremias Alves Pereira Filho Advocacia, explica os termos da lei atual para apostar numa possível inalteração da condição atual. "O artigo 83 da Lei nº 11.101/2005 enumera outros créditos como prioritários, tais como os trabalhistas e de garantia real. Isso não deve ser alterado", aposta.
De acordo com informações da agência Câmara, o relator da proposta, deputado Moises Avelino (PMDB-TO), defendeu a aprovação da medida. Na avaliação do parlamentar, a mudança vai fortalecer a cadeia do agronegócio e reduzir a vulnerabilidade do produtor. "Esse projeto deve ter sido estimulado por conta da crise em torno do setor frigorífico e da dificuldade do recebimento dos credores", acredita Sergio Emerenciado, que exemplifica: "Para ter uma ideia, atendo 12 casos de recuperação judicial em Mato Grosso. Desses, oito são da área do agronegócio", salienta.
O projeto ainda será analisado de forma conclusiva – rito de tramitação pelo qual o projeto não precisa ser votado pelo Plenário, apenas pelas comissões designadas para analisá-lo – pelas comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; e de Constituição e Justiça e de Cidadania, mas pode ser barrado. "Existe a força da bancada ruralista, mas também da que defendem os interesses da indústria e de outros setores também", opina a advogada Mirella Andreola.