A Constituição dos Estados Unidos determina que o presidente do país possui o “poder para, através do aconselhamento e consentimento do Senado, assinar tratados, desde que dois terços dos senadores presentes concordem.” [1]
O poder para celebrar tratados é, portanto, dividido entre o Executivo e o Legislativo do governo dos EUA. A função do Senado é aconselhar e consentir sobre a assinatura de um tratado; as funções do presidente são celebrar, ratificar ou concordar com a assinatura de um tratado. O Senado pode incluir uma ou mais condições para o seu consentimento, requerendo que o tratado seja emendado pelo presidente, ou que o mesmo imponha certas reservas. O presidente somente poderá ratificar ou aceder ao tratado com as alterações propostas pelo Senado[2].

Esta sistemática bipolarizada do poder de celebrar tratados teve o condão de tirar a credibilidade dos negociadores internacionais dos EUA, diante da constatação de que o respectivo tratado resultante poderia muito bem ser retalhado pelo Senado daquele país. Evidentemente, os tratados comerciais, por sua vasta complexidade e por cobrirem ampla gama de interesses, são os mais vulneráveis a generalizadas modificações por força dos inúmeros grupos de pressão em atividade nos EUA.

Tendo em conta tal realidade, o Ato sobre Acordos Comerciais de 1974 [3] estabeleceu um mecanismo que permitiria, ao mesmo tempo, dar credibilidade para os negociadores americanos encarregados das tratativas internacionais visando um acordo comercial e manter a plena autoridade constitucional do Senado dos EUA. Tal mecanismo dispõe que o resultado dessa negociação deveria ser adotado ou recusado em bloco [4] pelo Senado americano, dentro de um determinado período, geralmente de 90 dias, desde que os negociadores tivessem se pautado dentro de diretrizes previamente autorizadas pelo Senado. A este processo, convencionou-se chamar de “via rápida”[5].

No tocante à hierarquia das normas, nos EUA as leis federais e os tratados são, tecnicamente, considerados como se estivessem no mesmo patamar. Por conseguinte, na ocorrência de um conflito entre uma lei federal e um tratado internacional, os tribunais interpretarão aquele que tiver sido constituído em último lugar como sendo a lei aplicável para a solução de uma situação litigiosa específica. Por outro lado, os tratados, na hierarquia das normas, situam-se acima das leis estaduais [6].

Por razões de hegemonia comercial, os EUA tomaram a iniciativa da Alca com o objetivo de conquistar o mercado de serviços dos demais parceiros comerciais; dominar o mercado agrícola através da manutenção do seu regime de subsídios; e estabelecer barreiras tarifárias a parceiros, seus concorrentes de fora da área de livre comércio. Todavia, para que pudessem convencer os parceiros comerciais a iniciar tais desesperançosas negociações era de fundamental importância a obtenção, pelo Poder Executivo, da autorização via rápida do Congresso daquele país [7].

No pedido encaminhado ao Congresso, o presidente Clinton apresentou justificativas visando uma autorização bastante abrangente compreendendo negociações multilaterais, assim como negociações regionais, muito embora o objetivo precípuo fosse a questão da Alca, vista pela responsável pelo escritório comercial dos EUA como uma excelente oportunidade para um “tremendo almoço grátis” para aquele país.

Conforme foi noticiado pela imprensa, o presidente Clinton foi forçado a retirar o pedido de “via rápida” em vista da iminente derrota que sofreria no Congresso. Dentre as exigências colocadas por membros expressivos da Câmara dos Representantes daquele país estava a de que nenhum acordo pudesse ser feito que contrariasse a lei interna dos EUA, justamente o país com o maior número de medidas unilaterais e incompatíveis com o Direito Internacional. Contam-se entre tais leis os próprios atos de implementação dos acordos da Rodada Uruguai e do Nafta que dispõem: “Nenhum dispositivo do acordo, nem a aplicação de qualquer dispositivo a uma pessoa ou circunstância, que seja incompatível com qualquer lei dos EUA, deverá ter eficácia”.[8]

Dentre as demais leis internas americanas, incompatíveis com a ordem jurídica internacional, estão a seção 301 do Ato sobre Comércio e Tarifas de 1974 e a sua infame legislação anti-dumping, de reputação fortemente protecionista, que causou a conhecida definição de dumping nos EUA formulada pelo economista chefe do Banco Mundial como sendo qualquer coisa que se consiga convencer o governo americano de combater e perseguir.[9]

Assim, um acordo comercial com os EUA representa, na melhor das hipóteses, em vista das idiossincrasias daquele país, mesmo com a aprovação da via rápida pelo Congresso, um alto risco jurídico [10]. Sem tal autorização, o início de negociações com os EUA visando um acordo comercial seria um ato de ilimitada irresponsabilidade por parte dos governos envolvidos em tal malsinada empreitada.

Sem o fast track, a Alca é um defunto insepulto. Os negociadores americanos, acostumados a mentir pelo seu país como um dever de ofício, a partir deste momento, procurarão convencer os seus interlocutores dos méritos extraordinários de uma negociação com os EUA, ainda que sem a via rápida. Só os tolos acreditarão.

É chegado o momento de se dar ao conceito da Alca o destino adequado: uma cova rasa.