SÃO PAULO – Há mais de um ano, tratei nesta coluna das dificuldades prospectivas da moeda dos EUA, em artigo com o título de O Crepúsculo do Dólar. Na ocasião, indiquei como os bancos centrais das principais economias estavam a diversificar suas aplicações em moeda de reserva, devido à sensibilidade de que os déficits da balança comercial e orçamentário daquele país eram insustentáveis.
No período decorrido da publicação daquele artigo até hoje, a situação da economia americana agravou-se, comprometendo mais ainda a estabilidade do dólar. De fato, o déficit comercial americano atinge, no momento, o montante de US$ 742 bilhões, contra US$ 680 bilhões em 2004. De mais a mais, o déficit orçamentário dos EUA, aumentado pela disparatada aventura militar no Iraque, chegou a US$ 400 bilhões.
Como os países asiáticos já acumularam reservas de mais de US$ 1 trilhão, devido aos seus superávits comerciais com os EUA, eles passaram também a financiar o déficit comercial americano, investindo em títulos do tesouro daquele país. No entanto, a fragilidade da economia americana levou à diversificação para outras moedas e também para as mercadorias, incluindo o petróleo, minérios e, até mesmo, certos produtos agrícolas.
Por sua vez, a política de diversificação de reservas dos países asiáticos, e também de outros, exerce de um lado uma pressão negativa crescente sobre a cotação do dólar pelas vendas da moeda e, de outro, a valoração das mercadorias. Como os EUA são um grande país importador, a desvalorização de sua moeda agravada pela valorização das mercadorias aumenta o déficit comercial e bem assim as pressões inflacionárias na economia do país, um movimento de pinças com potencial devastador.
Essa situação traz, como é óbvio, uma situação de graves riscos para a economia americana, como também para a estabilidade da ordem econômica mundial, devido o peso daquela nesta última. Desde a perspectiva da economia privada, o quadro é também preocupante para aqueles que exportam para os EUA e/ou que denominam suas vendas na moeda norte-americana. Seu acesso a mercado ficará mais restrito e suas margens mais estreitas.
A situação apresenta-se ainda mais delicada para o exportador brasileiro, que tem seus custos ocorridos em Real, a moeda que mais se valorizou contra o dólar, dentre as 66 monitoradas pelo Bloomberg, no último ano. Isso significa que nosso exportador receberá, num mercado mais estreito, muito pouco por uma moeda que vale cada vez menos, uma combinação potencialmente desastrosa.
Uma política cambial sensata buscaria, no Brasil, uma desvalorização do real maior do que aquela verificada com o dólar. É para preservar a competitividade internacional de suas exportações que a China, cujo PIB é composto em 40% das vendas externas, manteve sua taxa cambial praticamente estável contra a moeda americana nos últimos anos, apesar do seu enorme sucesso de suas exportações e de sua crescente competitividade.
A tanto precária como triste situação da crescente desvalorização do dólar nos mercados cambiais internacionais coloca também em risco os mercados de capitais globais, muito dependentes desta moeda. A busca de novos ativos levará à venda de posições e à migração para investimentos em renda fixa, imóveis e mercadorias. O dólar terá tempos mais tenebrosos adiante. Se incompetente nosso governo com a política cambial, nós do Brasil também.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).