O Código Civil Francês é um instrumento que reagrupa as regras de Direito Civil da França. Ele existe há dois séculos enquanto o Direito Civil francês, ou desta região, já existe há milênios. Portanto, achamos interessante lembrar, nesta introdução, o estado do direito antes do Código Civil Francês.

Nesse sentido podemos distinguir dois períodos na evolução do direito civil francês: o direito antigo e o direito intermediário, ou também chamado direito da Revolução.

Chamamos de direito antigo aquele que foi criado antes de 14 de Julho de 1789, data da queda da Bastilha e início da Revolução Francesa. Hoje esta data corresponde à festa nacional da França.

O direito civil desta época assumia formas diversas. As primeiras divergências eram territoriais, sendo que ele variava de uma província à uma outra. No sul da França, o direito era de tendência escrita, por causa dos resquícios da influência romana. No resto do país, o Direito era costumeiro, sob influência do direito germânico. Além destas divergências territoriais, existia uma grande diversidade nos costumes em cada região que formava o país.

A existência desta multidão de direitos não era fácil e atrapalhava o bom funcionamento dos negócios. As reclamações vinham especialmente dos burgueses que logo dominaram a área comercial.

O conteúdo do direito antigo refletia a constituição política do país. Era uma monarquia católica baseada em uma aristocracia fundiária. O direito era confessional (a igreja tinha uma presença ativa na vida civil), sem igualdade (existiam privilégios nas condições de pessoas, como por exemplo o direito do primogênito), comunitário (o indivíduo era considerado como fazendo parte de uma comunidade) e fundiário (só os imóveis tinham importância).

O direito intermediário ou o Direito da Revolução se estende da proclamação da Revolução até a codificação do direito civil. Ele é extremamente importante porque foi constituído num período onde ocorreu no direito civil muitas mudanças radicais depois fixadas pelo código civil.

A revolução agiu, em primeiro lugar, nos princípios políticos, sob a forma da famosa Declaração dos Direitos Humanos. Estes novos princípios eram a antítese dos princípios em que se fundava a monarquia, e tiveram como efeito a eliminação radical de toda uma parte do direito antigo. Podemos citar como exemplos: a liberdade de consciência, a igualdade das pessoas em geral e, em particular, na aquisição das terras, a liberdade do comércio e das indústrias etc.

Em segundo lugar, a Revolução agiu através das leis civis. A maior inovação ocorreu no Direito das Pessoas, no qual foi admitida a dissolução dos casamentos por meio do divórcio. O restante da organização do estado civil ficou da mesma forma até a codificação do Direito Civil.

Enfim, um dos objetivos dos revolucionários era unificar o direito incorporando as inovações revolucionárias via codificação do direito civil.A ANTIGÜIDADE

A idéia de codificação já existia nos povos da Antigüidade. Um dos primeiros sinais disto foi o Código de Hamurabi, que ligou sua existência à do povo babilônico. Na civilização helênica houve também coordenação jurídica (em Esparta, por Licurgo e em Atenas, por Sólon). Os romanos também organizaram suas regras jurídicas. Deles podemos citar: o "Codex Hermogenianus e Theodosianus" e a obra monumental ordenada, no século VI, pelo imperador Justiniano, "Copus Iuris Civilis", que manteve sua influência durante a Idade Média e no período do Renascimento (séc. XV).

AS PRIMEIRAS CODIFICAÇÕES DA IDADE MODERNA

As primeiras codificações da idade moderna envolvendo os países da Europa e da América, salvo a Inglaterra e os Estados Unidos, foram: a Dinamarca em 1683, a Noruega em 1687, a Suécia em 1734, a Prússia em 1794, a França em 1804 e a Áustria em 1811.

Houve discussões importantes sobre a necessidade ou não de se codificar, especialmente na Alemanha. De um lado, podemos citar os que eram a favor da codificação, como Thibaut: "Sendo os códigos sínteses sistemáticas de leis, gozam de maior estabilidade, cujo preço consiste em entravar e conter durante maior lapso de tempo o curso natural da evolução jurídica".

Por outro lado, havia os que não eram a favor da codificação, como afirmava Savigny, acreditando que os códigos são fossilizações do direito, constituem algo de morto, que impede o desenvolvimento posterior. Este autor defendia que o direito vive pela prática e pelo costume, expressão imediata da consciência jurídica popular.

Entretanto, a codificação ou fixação do direito de um povo tem a virtude de unificar o direito e consolidar por meio deste a unidade política da nação.OS AUTORES DO CÓDIGO CIVIL FRANCÊS

Foram reunidos em uma comissão quatro juristas que Napoleão nomeou logo após o golpe de estado: Tronchet (Presidente do Tribunal de Cassação e antigo defensor de Luís XVI perante a Convenção), Portalis (advogado provincial, entrou na política na época do Diretório), Bigot de Préameneu (antigo advogado e comissionário do governo perante o Tribunal de Cassação), Malverse (membro do Tribunal de Cassação).

Estes juristas elaboraram um projeto do Código Civil, chamado "o projeto do ano VIII [1] ", o qual foi submetido ao Conselho de Estado para a preparação definitiva do projeto. Este projeto, seguindo o caminho normal para elaboração das leis, foi enviado no Tribunal para ser discutido. Esta etapa foi particularmente difícil e houve muitas discordâncias em relação ao conteúdo do documento. O projeto só conseguiu ser votado depois que o Tribunat teve o seu poder anulado por uma espécie de golpe de estado. Uma vez "aprovado" pelo Tribunat, o projeto do Código Civil francês foi votado em 1908 pelo corpo legislativo.

Ainda há discussões sobre a real ou fictícia participação de Napoleão na elaboração do Código Civil de 1802, mas podemos notar que, pelo menos, ele teve o mérito de desejar um Código Civil.

Pode-se admitir que, como homem político, ele influenciou o Código Civil em sua orientação política, que foi reconhecida como motivo de consolidação da Revolução, amenizando alguns de seus excessos.

O ESPIRITO DO CÓDIGO CIVIL FRANCÊS

O Código Civil Francês contém muitas disposições que vêm do direito antigo, do direito romano e das costumes, mas também ele consagra os grandes princípios revolucionários.

É da revolução que vêm suas particularidades. Podemos citar em primeiro lugar a laicização do direito; o Código Civil Francês foi o primeiro código a separar a igreja do direito civil. Na época, esta novidade teve um grande efeito revolucionário. Ele consagra também, ao longo de sua redação, o individualismo.

Neste sentido, as novidades foram: a igualdade dos direitos entre os homens, a liberdade individual e econômica, a propriedade foi concebida como uma liberdade e o regime feudal foi suprimido e, enfim, a livre expressão da vontade.

Os princípios revolucionários consagrados no Código Civil de 1802 tiveram uma evolução ligada à história política da França. Até 1880, com a Restauração, haviam algumas tentativas de volta ao direito antigo, mas só foi abolido do Código Civil em 1816 o divórcio, para satisfazer a igreja, mas não conseguiram revalidar o direito do primogênito. Por volta de 1880, no direito das pessoas, o individualismo assumiu importância por causa das mudanças da sociedade: o divórcio foi restabelecido, apareceram novos direitos para a mulher. Nos direitos patrimoniais, o individualismo foi contido por causa da ascensão do mundo industrial e das reivindicações sociais (a intervenção do estado foi julgada desejável e necessária para segurar o bem de todos). Assim, houve uma socialização do direito civil. Desde 1958, no direito das pessoas, o principio da igualdade conquistou todo o direito, igualdade do marido e da mulher, do pai e da mãe, da criança natural e da criança legítima. No direito do patrimônio, não houve retorno decisivo ao liberalismo como antes de 1914.

Depois termos estudado as origens do Código Civil francês, podemos começar nossa análise tal como ele se apresenta hoje, e aproveitaremos para fazer uma comparação com o Código Civil brasileiro.Discutiremos, em primeiro lugar, a forma do Código Civil francês e sua organização em relação ao Código Civil brasileiro e, em segundo lugar, analisaremos alguns aspectos relacionados ao direito dos contratos e ao direito da propriedade.O Livro chamado "Code Civil" não só contém somente o Código Civil, mas também reagrupa um número muito importante de leis sobres assuntos civis diversos. O Código Civil Brasileiro apresenta as mesmas caraterísticas [2] .

O Código Civil francês contem 2283 artigos e o Código Civil brasileiro contém 1807.

Apreciando o Anexo 2, notamos que a estrutura do Código Civil francês é bastante diferente da do Código Civil brasileiro, e, ao mesmo tempo, todas as matérias reguladas no Código Civil francês têm a sua correspondência no Código Civil brasileiro.

UMA ESTRUTURA BASTANTE DIFERENTE

O Código Civil francês não introduziu o Código por uma lei, como o Código Civil brasileiro. Somente alguns artigos estabeleceram os princípios básicos do Direito em geral, e do Direito Civil em particular. O Título Preliminar do Código Civil francês corresponde grosso modo à Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro.

No que diz respeito à organização, os dois códigos têm uma construção totalmente diferente. O Código Civil francês segue sua lógica própria, o Código Civil Brasileiro segue claramente a lógica do Código Civil alemão. O Código Civil francês é organizado através de um título preliminar e três livros organizados em função das pessoas e da propriedade. O Código Civil brasileiro, com certeza não se baseou no Código Civil francês quanto à forma, pois está dividido em uma parte geral, e uma parte especial. Na parte geral encontram-se o Direito das Pessoas, dos Bens e dos Fatos Jurídicos e na parte especial, o direito da Família, das Coisas, das Obrigações e das Sucessões.

O Código Civil francês utilizou títulos extensos e explicativos enquanto o Código Civil Brasileiro tem títulos mais objetivos [3].

Ressaltamos a particularidade dos títulos dos Livros II e III. Como já foi citado, o conceito de propriedade foi uma herança direta da Revolução de 1789, e foi altamente consagrada no Código Civil francês até que o mesmo se organizou entorno deste conceito.

SEMELHANÇA ENTRE AS MATÉRIAS REPRESENTADAS

Além da organização totalmente diferente, constatamos que quase todas as matérias que são tratadas no Código Civil Francês têm correspondência no Código Civil Brasileiro [4].Apesar das diferenças de organização, os dois Códigos Civis, francês e brasileiro, apresentam semelhanças, como tentaremos demonstrar nesta parte através alguns pontos relacionados aos contratos e à propriedade.

OS CONTRATOS

Code Civil Français

Tradução

Código Civil Brasileiro

Art. 1101

"Le contrat est une convention par laquelle une ou plusieures personnes s”obligent, à donner, à faire ou à ne pas faire quelquechose."

Art. 1101

"O Contrato é uma convenção pela qual uma ou várias pessoas se obrigam perante uma, ou várias outras, a dar, fazer, ou não fazer alguma coisa."

Art. 81

"Todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico."

É de costume, no Código Civil francês, definir, em primeiro lugar, a noção que vai ser tratada. Portanto, um artigo é sempre consagrado a esta definição, como podemos ver no artigo 1101 do Código Civil francês, no caso dos contratos.

O Código Civil brasileiro não estabelece definição da noção de contrato. Segundo Washington de Barros Monteiro, "não é função do legislador ministrar definições; definir é tarefa que compete à doutrina e não a um Código, ou a um corpo de leis (…)"[5].

Ele define o contrato como "o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar, ou extinguir um direito. Por essa definição, percebem-se, para logo, a natureza e a essência do contrato, que é um ato jurídico". O ato jurídico acha-se definido no artigo 81, acima descrito.

As regras que aparecem sob o título de contrato no Código Civil francês estão repartidas na parte dos atos jurídicos e dos Contratos do Código Civil Brasileiro.

Code Civil Français

Tradução

Código Civil Brasileiro

Art. 1108

"Quatre conditions sont essentielles pour la validité d”une convention:

Le consentement de la partie qui s”oblige;

Sa capacité de contracter;

Un objet certain qui forme la matière de l”engagement;

Une cause licite dans l”obligation."

Art. 1108

"Quatro condições são essenciais para a validade de uma convenção:

O consentimento da parte que se obriga;

Sua capacidade de contratar;

Um objeto certo que forma a matéria do compromisso;

Uma causa lícita na obrigação."

Art. 82

"A validade do ato jurídico requerer agente capaz (art. 145 I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts 129, 130 e 145)."

Cada condição requerida no artigo 1108 do Código Civil francês para a validade do ato está detalhada em 4 seções posteriores.

Notamos de novo que, enquanto o Código Civil Francês fala de convenções, o Código Civil brasileiro fala de Ato Jurídico.

Podemos ressaltar que a redação destes artigos é parecida, entretanto existem algumas diferenças fundamentais. Cada condição de validade estabelecida no Código Civil francês é objeto de vários artigos descrevendo a modalidade de cada uma delas.

O consentimento, que é uma condição para a validade dos contratos no Código Civil francês, não aparece de maneira expressa no artigo 82 do Código Civil brasileiro, mas a sua necessidade fica subentendida em outros artigos do Código Civil brasileiro como no artigo 85. "Nas declarações de vontade, se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem."

O Código Civil francês estabelece, ainda para a validade do contrato, duas condições bem distintas: um objeto existente e uma causa lícita. Esta diferenciação é muito sutil e às vezes de difícil distinção entre o objeto e a causa, mas é uma característica do Código Civil francês. Podemos citar ainda neste sentido Washington de Barros Monteiro "Algumas legislações referem-se ainda a um outro elemento, a causa nas obrigações convencionais, considerando-a essencial à sua existência. Desse teor é o Código Napoleão (art. 1.108, § 4º). De modo idêntico dispõe o nosso Código Comercial, art. 129, n.º 3 [6]. O Código Civil pátrio, todavia, seguindo o exemplo do português e do argentino, não inclui a causa entre os requisitos dos contratos. Pelo nosso direito civil, portanto, a causa é o contrato mesmo, ou o seu objeto. Quando se diz que a causa ilícita vicia o contrato, ou o ato jurídico, é porque o próprio objeto dele é ilícito".

DA PROPRIEDADE

Code Civil Français

Tradução

Código Civil Brasileiro

Art. 544

"La propriété est la droit de jouir et disposer des choses de la mani~ere la plus absolue, pourvu qu”on n”en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les règlements."

Art. 544

A propriedade é

o direito de gozar e dispor

das coisas

da maneira a mais absoluta, sem poder fazer o que a lei ou os regulamentos proíbem.

 

Art. 524

A lei assegura ao proprietário

o direito de usar, gozar e dispor

de seus bens,

e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.

Parágrafo Único – (propriedade literária)

O Código Civil francês e o Código Civil brasileiro são também, na redação destes artigos, muitos parecidos. Entretanto, existem algumas diferenças relevantes se compararmos as significações de cada palavra.

As principais diferenças estão, em primeiro lugar, na definição da propriedade: o Código Civil francês dá uma definição da propriedade; o Código Civil Brasileiro não escreve o artigo sob a forma de uma definição da propriedade, mas apresentando as conseqüências legais do fato de ser proprietário.

Em segundo lugar, não existe quase nenhuma diferença nos direitos que definem ou decorrem da propriedade. Entretanto, existe uma diferença importante no Código Civil brasileiro: o proprietário pode reaver a coisa do possuidor. A noção do posse, neste artigo, faz referência a um princípio de direito brasileiro relativo à presunção de propriedade do possuidor.

Em terceiro lugar, no que diz respeito ao objeto da propriedade, o Código Civil francês utiliza a palavra "coisa" enquanto o Código Civil brasileiro utiliza a palavra "bens". Sem entrar em uma análise detalhada, podemos notar que as duas noções são bem diferentes, porque nem todas as coisas são bens e nem todos os bens são coisas.

Enfim, em relação à limitação dos direitos do proprietário, o Código Civil francês determina expressamente os limites à maneira de usar sua propriedade. Portanto, o proprietário poderá gozar e dispor da coisa "de maneira a mais absoluta, sem poder fazer uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos". O Código Civil brasileiro não estabelece expressamente nenhum limite. Entretanto, de maneira implícita, pode-se notar uma limitação na definição das palavras: "proprietário" e "bens". Os dois códigos têm uma construção totalmente diferente, um segue sua lógica própria, o outro segue claramente a lógica do Código Civil alemão.O Código Civil francês ou Napoleônico foi apresentado como ele se encontrava em 1804. Portanto, gostaríamos de concluir relatando a atual situação do Código Civil francês.

Dois séculos depois de sua criação, o Código Civil francês já foi objeto de duas tentativas de renovação: a primeira foi em 1904, depois do primeiro centenário e a segunda foi em 1948, depois da 2ª Guerra Mundial.

Em cada uma delas a motivação foi a mesma: atualizar o Código com a evolução do direito positivo que ele não traduzia mais. O Código Civil francês foi acrescido ou alterado por leis, às vezes de maneira incorreta, que dificultaram sua leitura. Por outro lado, houve a criação de muitas outras leis, não inseridas no código, mas que modificaram seu espírito. Finalmente, a interpretação dada pela jurisprudência mudou o sentido de numerosos artigos do Código Civil, deixando-o mais uma vez desatualizado.

Até hoje não se operou reforma sistematizada do Código Civil francês, e o seu texto do Código não sofreu nenhuma alteração. Isto parece ser cada dia mais difícil, visto a atual "inflação" legislativa. Assim, o direito comum da França desaparece em face da multidão dos direitos especiais. Por outro lado, cada codificação aparece nos períodos em que o direito chegou a um grau de dispersão e de proliferação tal que não é mais suportável.

Neste sentido, podemos nos perguntar se a codificação é realmente o melhor método de organização do direito.