Os pareceres consultivos da CIJ não têm efeito vinculante ou eficácia direta, mas é certo que criam direito internacional, ex vi do artigo 38 (d), dos Estatutos da CIJ, que coloca as decisões judiciais como fonte do jure inter gentes. Assim, não se pode dizer que, por falta de eficácia, um parecer consultivo da CIJ seria um flatus vocis, sopro de voz. De fato, na lição de Norberto Bobbio, “na definição de lei, ‘existência’ eqüivale a ‘obrigatoriedade’. É óbvio, contudo, que ‘obrigatoriedade’ não eqüivale a ‘eficácia’, ou seja, não implica que a lei seja de fato obedecida. A lei violada continua sendo uma lei”.
Até hoje, a CIJ emitiu 25 pareceres, incluindo o concernente ao muro de Israel. De um modo geral, como bem lembra o jurista inglês Martin Dixon, eles têm sido observados pelos países implicados. Há, no entanto, duas notáveis exceções: o da ocupação ilegal da Namíbia pelo regime racista da África do Sul e o da contestação ilegal de situação fronteiriça com o Chile, pela ditadura castrense da Argentina. Por sua atuação, a CIJ busca o bonum faciendum, male vitandum, a promoção do bem e o afastamento do mal no âmbito internacional.
No caso específico do muro de Israel, a questão foi suscitada pela Assembléia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 2003, nos termos em que se indagava quais as conseqüências legais decorrentes da construção do muro por Israel, potência ocupante, no território palestino. O parecer da CIJ respondeu no sentido de que Israel violou o direito internacional com a referida construção e que tal ação é uma tentativa de anexação ilegal de território palestino. Mais ainda, segundo a CIJ, Israel tem a obrigação de interromper imediatamente os trabalhos de construção do muro e de destruir aquela parte já construída no território palestino e em Jerusalém oriental. Acresce que, segundo o parecer da CIJ, Israel tem o dever de reparar os danos causados por tal construção.
Por último, a CIJ indicou que a ONU, e de maneira especial a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança, deverá considerar quais ações ulteriores sejam necessárias para por fim à situação ilegal. O parecer foi há dias aprovado pela Assembléia Geral da ONU por uma maioria de 150 votos favoráveis, incluindo-se os do Brasil e dos 25 países da União Européia, contra 6 adversos, o que implica praticamente num consensus humani generis. A questão deverá ser, num futuro próximo, colocada perante o Conselho de Segurança da ONU, onde os Estados Unidos da América, aliado e inspirador de muitas das políticas de Israel, tem poder de veto.
A manutenção do repúdio anunciado por Israel ao parecer da CIJ não servirá à causa do direito internacional, dos direitos humanos e da paz. Ao contrário, será um golpe severo nessas fundações das relações internacionais. Mais ainda, colocará o Estado de Israel, numa perspectiva de direito internacional, perante uma situação assemelhada ao Estado racista da África do Sul, na época do pesadelo do apartheid, e da ditadura militar argentina, exemplos nada edificantes de regimes políticos. Por último, a não aceitação do parecer pelo governo de Israel tenderá a aumentar o isolamento internacional do país, com conseqüências potencialmente muito preocupantes.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).
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