Nesse sentido, o parlamento latino-americano, órgão consultivo, ainda que oficial, aprovou, em 30 de junho de 1997, o “Projeto de Lei do Usuário e Defesa do Consumidor” (Codigo Marco Referencial de Defensa del Usuario y el Consumidor, em língua espanhola). Mais, muitos países da América Latina inseriram cânones básicos de defesa do consumidor em suas respectivas Constituições.
Assim, o tratamento legal dado à questão dentro do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul), área de comércio formada por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (o Mercosul possui acordos de associação com a Bolívia, Chile e países do Pacto Andino), é semelhante, tendo todos os países-membros legislação de defesa do consumidor.
Todos os códigos são bastante recentes e em alguns países, sobretudo o Brasil, os respectivos institutos legais estão entre os mais avançados, em termos de direito comparado. Em junho de 2004, as agências oficiais de defesa do consumidor dos países do Mercosul assinaram um acordo de cooperação com vistas à proteção de turistas estrangeiros.
A Constituição argentina de 1994 garante, em seu artigo 42, que “consumidores e usuários de bens e serviços têm direito, em suas relações de consumo, à proteção de sua saúde e de seus interesses econômicos; à informação correta e adequada; à liberdade de escolha e tratamento digno e igualitário…” (“Articulo 42 – Los consumidores y usuarios de bienes y servicios tienen derecho, en la relacion de consumo, a la proteccion de su salud, seguridad y intereses economicos; a una informacion adecuada y veraz; a la liberdad de election y a condiciones de trato equitativo y digno”).
Além disso, a Constituição argentina determina que se estabeleçam, por meio de leis ordinárias, procedimentos de prevenção e resolução dos conflitos, e que se estabeleçam parâmetros para os serviços públicos (Constituição argentina, artigo 42). O artigo 43 da Constituição argentina prevê o emprego de ações coletivas em questões de defesa do consumo.
O estatuto básico de proteção do consumidor na Argentina é a Lei n° 24.240 (regulamentada pelo Decreto n° 1.798, de 13 de outubro de 1994), modificada pela Lei n° 24.999, de 30 de julho de 1998. A lei argentina define o conceito de consumidor tanto como pessoas físicas quanto jurídicas, assim como o fornecedor, excluindo expressamente a venda de produtos usados e prestação de serviços dos chamados profissionais liberais (artigo 1, Lei n° 24.240).
A lei introduz um sistema de reparação, substituição e troca de mercadorias defeituosas e apresenta normas regulando a má prestação de serviços (artigos 11/18, Lei n° 24.240). Existem dispositivos específicos regulamentando a prestação pública de serviços (artigo 30, Lei n° 24.240).
Em relação à proteção contratual, a legislação argentina elenca uma série de cláusulas abusivas bem como as regras de interpretação de contratos (artigos 37/39, Lei n° 24.240). Além disso, a lei trata da agência administrativa responsável pelas relações de consumo, procedimentos relativos às queixas e sanções aplicáveis (artigos 41/51, Lei n° 24.240). Na Argentina, o princípio da responsabilidade objetiva é aplicável na determinação da indenização do dano proveniente das relações de consumo (artigo 40, Lei n° 24.240).
A Constituição brasileira de 1988 determina que “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (artigo 5°, XXXII). O estatuto brasileiro de proteção do consumidor é a Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, e regulamentado pelo Decreto n° 861, de 9 de julho de 1993, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O CDC cria uma política de proteção do consumidor baseada no cânone do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor quando este busca restringir o uso de práticas abusivas no mercado, melhorando assim a qualidade dos produtos e a oferta de serviços.
Segundo o CDC (artigo 6°), o consumidor tem direito a:
a) proteção da vida e da saúde nas relações de consumo;
b) informações sobre produtos e serviços;
c) proteção contra a propaganda enganosa e abusiva;
d) garantias contratuais;
e) indenização por perdas e danos;
f) acesso à Justiça;
g) facilitação na defesa de seus direitos;
h) serviços públicos de boa qualidade.
O CDC define o consumidor como sendo “…toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviço como destinatário final” (artigo 2°). Fornecedor é “… pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira … que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (artigo 3°). Ao contrário da legislação argentina, o CDC não exclui as chamadas profissões liberais (artigo 14, 4).
Dentre os princípios sustentados pelo CDC está a reversão do ônus da prova, de acordo com critérios de razoabilidade aplicáveis em juízo, com vistas a transferir ao fornecedor a obrigação de provar que os fatos alegados pelo consumidor não ocorreram ou passaram-se de forma diversa da mencionada (artigo 6°, VII).
O reconhecimento do princípio da responsabilidade estrita do provedor reflete na obrigação do fornecedor ressarcir os danos causados (artigo 12). Reconhece-se também, em determinados casos, a responsabilidade solidária do vendedor (artigos 12 e 13).
O CDC protege aspectos contratuais da relação de consumo listando uma série de cláusulas e práticas tidas como abusivas (artigo 51). Tais cláusulas são consideradas nulas de pleno direito (artigo 51). Os consumidores são ainda protegidos contra a propaganda enganosa ou abusiva por normas que proíbem tais práticas estabelecendo sanções pecuniárias e criminais bem como a veiculação da propaganda retificada (artigo 66).
Poderão ingressar com ações coletivas em favor dos consumidores, o Ministério Público, o Estado, através de agências governamentais e organizações não-governamentais de defesa do consumidor (artigo 82).
Dentre as agências oficiais de defesa estão a Secretaria de Direito Econômico (SDE), o Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, a Delegacia do Consumidor (Decon), e o Instituto de Pesos e Medidas (Ipem).A Constituição paraguaia de 1992 trata da questão da defesa do consumidor em três de seus artigos. O artigo 38 garante o reconhecimento dos direitos do consumidor. O artigo 65 elenca os direitos básicos do consumidor, que são: proteção do Estado; informação sobre bens e serviços à disposição para consumo, saúde e segurança. Já o artigo 72 estabelece a responsabilidade do Estado no controle de qualidade de bens e serviços.
O estatuto paraguaio de proteção dos direitos do consumidor é a Lei n° 1.334, de outubro de 1998. A lei possui 56 artigos dedicados à proteção do consumidor no tocante à saúde, segurança, interesses econômicos e dignidade. Dentre os direitos básicos incluem-se o direito à educação e à propaganda clara e transparente; proteção contra propaganda enganosa e o direito à indenização por danos sofridos (artigo 6, Lei n° 1.334/98).
A exemplo da lei argentina e ao contrário do estatuto brasileiro, a legislação paraguaia exclui especificamente a prestação dos serviços dos denominados profissionais liberais. Além disso, a lei paraguaia deixa bastante a desejar no que tange a regulamentação dos vícios de qualidade, bem como dos aspectos processuais relacionados às demandas dos consumidores.O Uruguai é o único país do Mercosul em que não se faz menção alguma à proteção do consumidor na Constituição. O Uruguai foi também o último país do bloco a regulamentar a questão. Isso foi feito apenas em 1999, com a Lei n° 17.189, em vigor desde junho de 2000. Antes dessa lei, as relações de consumo eram regulamentadas pelo Código Civil de 1869, com alguns aditamentos.
Por conta de tal demora, a legislação uruguaia deixa muito a desejar uma vez que abstém-se acerca de importantes tópicos como a responsabilidade principal, a responsabilidade solidária, a garantia dos produtos e outros assuntos relevantes na defesa do consumidor. Tais omissões fazem do Uruguai o membro menos desenvolvido do Mercosul nessa área. Dentro do bloco comercial, o Uruguai tem resistido sistematicamente implementar iniciativas coletivas mais avançadas nesse setor.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).