Os BITs buscaram, em primeiro lugar, reconhecer toda atividade empresarial de uma empresa nacional do país estrangeiro operando no país receptor como “investimento”, incluindo a propriedade intelectual no sentido amplo, e empréstimos. Acresce que os BITs procuraram dar locus standi, ou direito de ação, às pessoas físicas e jurídicas dos nacionais do país estrangeiro, em disputas decorrentes dos direitos conferidos em seus termos, contra os Estados soberanos que foram recipientes ou de qualquer outra forma relacionados com seus “investimentos”.
Dentre tais direitos, aparecem com destaque a garantia de tratamento nacional e a garantia de conversibilidade, pelo Estado do país receptor, de toda e qualquer remessa de interesse de qualquer nacional do país estrangeiro. Esta regra faz, em realidade, que o tesouro do Estado receptor efetivamente garanta a conversibilidade cambial de quase toda e qualquer relação internacional de direito privado com os nacionais do país estrangeiro signatário. As eventuais disputas decorrentes dos BITs deverão ser submetidas ao Centro Internacional para a Resolução de Disputas de Investimentos (o ICSID), instituição criada no âmbito do Banco Mundial (sic), como resultado da Convenção sobre a Resolução de Disputas sobre Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados, de 1965 (a convenção).
O ICSID foi concebido para ser o tribunal internacional para julgar as reivindicações dos nacionais dos países ricos contra os Estados pobres. A maioria dos países em desenvolvimento foi pressionada pelos países desenvolvidos a assinar e, subseqüentemente, ratificar a convenção. E o fizeram sem suspeitar que o ICSID viria a representar a segunda ponta do movimento de pinça que, juntamente com os BITs, a primeira, faria que seus parcos tesouros viessem a resgatar negócios mal sucedidos dos nacionais dos Estados ricos.
A convenção está hoje ratificada por nada menos de 140 países, mas é de se notar que, dentre eles não constam os países em desenvolvimento mais combativos: o Brasil, a África do Sul e a Índia. Por sua vez, a Argentina é parte da convenção, assim como todos os países desenvolvidos, indubitavelmente seus maiores inspiradores. Mais de 90% dos casos arbitrais movidos no âmbito da Convenção, junto ao ICSID, têm países em desenvolvimento no polo passivo.
Pois bem, na década de 90 muitos países em desenvolvimento assinaram e ratificaram dezenas de BITs com países desenvolvidos. Um exemplo marcante foi a Argentina, sob a liderança tanto incompetente quanto disparatada do presidente Menem, que celebrou o expressivo número de 38 tratados bilaterais de investimento. Como resultado da crise econômica recente, muitos nacionais de Estados desenvolvidos moveram procedimentos arbitrais no âmbito do ICSID contra o Estado Argentino visando a recuperação de perdas havidas no país.
Assim, a Argentina é hoje o país com o maior número de casos arbitrais no ICSID, tendo perdido todas as disputas até hoje decididas, incluindo aquelas que elegiam foros de direito municipal ou doméstico. Mais ainda, a probabilidade de perda dos casos ainda não julgados é altíssima. Estas decisões adversas trazem duras opções para o país: a) seu cumprimento, com elevado ônus para o Estado e para o povo argentino; b) seu não cumprimento, com repercussões jurídicas e diplomáticas graves no cenário internacional; e/ou c) a denúncia da convenção, que não minimizará os efeitos do item b) e aumentará os atritos diplomáticos.
Como já mencionei acima, o Brasil não é parte da Convenção mas, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, assinou nada menos de 10 BITs, todos lesivos aos interesses nacionais, inclusive com os notórios paraísos fiscais do Reino Unido, Suíça, Portugal e Dinamarca (sic). Felizmente, o Congresso Nacional não os ratificou por enquanto, tendo o deputado Aldo Rebelo, quando era presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, manifestado acertada preocupação quanto à pertinência da ratificação daqueles tratados. Neste momento em que nossa chancelaria sofre pressões para a ratificação dos BITs, que a situação da Argentina nos sirva de lição!
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).