O perfil dos escritórios de advocacia que trabalham com comércio exterior e com empresas que atuam entre os países do Mercosul já não é mais o mesmo da década de 1990, quando o bloco econômico dava seus primeiros passos. Nessa época, o trabalho maior das bancas era redigir contratos, montar operações comerciais e estruturar fusões e aquisições – na chamada fase de investimento – entre empresas brasileiras, argentinas, uruguaias e paraguaias. Hoje, tal qual um termômetro do humor dentro do próprio Mercosul, está muito mais voltado à solução de conflitos que surgem com relação à concorrência e a evitar a prática de dumping, acusação recorrente entre empresas rivais dos países vizinhos que integram o bloco.

Um dos casos é o das medidas antidumping aplicadas pelo governo brasileiro sobre as importações de resina PET originadas da Argentina – e também dos Estados Unidos -, que ameaça ir parar na Organização Mundial do Comércio (OMC). "Se antes dedicávamos 90% do nosso tempo a investimentos e fusões dentro do Mercosul, hoje passamos mais da metade do tempo com o contencioso comercial", estima Ricardo Noronha Inglez de Souza, um dos advogados do escritório Demarest e Almeida que atua na área de comércio internacional, setor que até 2003 não contava com nenhum conflito envolvendo o Mercosul.

Segundo o advogado José Setti Diaz, responsável pela área no Demarest, a banca representa empresas brasileiras pré-formistas, consumidoras da resina PET. Para dar conta do trabalho, mantém uma parceria com o escritório de advocacia argentino Marval, O’Farrell & Mairal, com o qual troca advogados de três em três anos aproximadamente. Uma das operações realizadas pela parceria foi a compra do grupo Perez Companc pela Petrobras. "No começo, a preocupação das empresas era o assessoramento nas áreas tributária e trabalhista", relata Pablo Andrés Artagaveytia, primeiro sócio do Marval a ficar residente no Brasil, em 1998.

Para o advogado Mauro Berenholc, tributarista do Pinheiro Neto que atua em comércio exterior, os conflitos são naturais quando já está estabelecido o fluxo de comércio entre os países, principalmente entre Brasil e Argentina. Um dos setores em que os conflitos são freqüentes é o automotivo, diz.

O espírito litigante do Mercosul pode ser demonstrado até pela queda no uso da arbitragem no âmbito do Mercosul. Desde 1999, foram dez casos levados ao Tribunal de Arbitragem do Mercosul: um em 2003, o último em 2005 e os demais restantes de 2002 para trás. O levantamento foi feito pelo advogado Eduardo Grebler, do Grebler Advogados, um dos 12 árbitros brasileiros do tribunal. De lá para cá, segundo ele, as negociações deixaram de ser técnicas e têm sido conduzidas pelos Executivos dos países envolvidos.

Apesar de as queixas partirem de empresas prejudicadas, os conflitos no comércio internacional – normalmente solucionado por tarifas ou barreiras que compensem eventuais prejuízos de alguns setores – são entre os Estados, diz Grebler. Por conta disso, a atuação dos escritórios de advocacia como representantes diretos de empresas na negociação internacional tem sido pequena. Como se trata de tratados internacionais, os escritórios estrangeiros são preferidos pelo governo brasileiro para fazer sua defesa na OMC, por exemplo.

Assim, o trabalho das bancas, contratadas pelas empresas, em boa parte das vezes consiste em dar subsídios de dados ao governo brasileiro sobre prejuízos dos setores, diz o advogado Durval Noronha, do Noronha Advogados. "As empresas não têm direito de ação na OMC, mas não é incomum o escritório ser contratado para dar opinião sobre um tratado que o governo deseja celebrar", avalia.