O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o coreano Ban Ki-moon, requisitou uma revisão abrangente das políticas a respeito dos biocombustíveis como fatores determinantes sobre o aumento expressivo, nos últimos dois anos, dos preços mundiais de alimentos, o que, segundo alguns, poderá induzir uma instabilidade global.
No passado, o secretário-geral mostrou uma grande preocupação com o tema do aquecimento global e apoiou a alternativa dos biocombustíveis como um dos meios de combatê-lo. Ao mudar de opinião, Ban Ki-moon baseou-se no trabalho do relator especial da ONU sobre o direito aos alimentos, o suíço Jean Ziegler que, com exagero, chamou os biocombustíveis de "crimes contra a Humanidade".
Segundo os críticos das políticas de biocombustíveis, dentre os quais o líder cubano, Fidel Castro, o seu uso seria detrimental à preservação de florestas tropicais, que estariam a ser derrubadas para o plantio de colheitas destinadas à produção de carburantes. Mais ainda, o processo de produção de etanol de cereais gastaria muita energia.
Por último, a destinação de áreas de produção e a substituição de colheitas estariam a aumentar o preço das mercadorias agrícolas e a fazer com que o custo dos alimentos se situe acima das possibilidades de grande parte dos consumidores mundiais situados em países em desenvolvimento.
Na realidade, o problema da fome no mundo não é novo. Ainda hoje, segundo dados do Banco Mundial, 33 países podem sofrer uma desestabilização política devido ao preço maior dos alimentos. Em Bangladesh, por exemplo, cerca de 70% da renda familiar é destinada à compra de alimentos.
O problema pode se tornar mais agudo nos setores mundiais mais vulneráveis, como na África, pelo expressivo aumento de cerca de 80% das mercadorias agrícolas nos últimos três anos, sendo que 60% foi verificado apenas nos últimos 12 meses. Tais aumentos seguiram cerca de duas décadas de depressão nos preços mundiais de alimentos.
Contudo, as análises até hoje apresentadas a respeito da questão pecam por inúmeros vícios. Em primeiro lugar, pelo tradicional etnocentrismo: as especificidades dos EUA são estendidas para todo o mundo. Nos EUA, de fato, diminui-se a produção de alimentos para a fabricação de etanol de milho e o processo industrial é pouco racional. No Brasil, no Canadá e na Argentina tal não ocorre.
Em segundo lugar, no aumento da valoração das mercadorias agrícolas não é computado o efeito do incremento substancial do consumo de alimentos da parte da população dos grandes países emergentes como a China e a Índia, dentre outros, que é sem dúvida a sua principal causa. De mais a mais, preços agrícolas maiores e, no caso, justos asseguram a prosperidade dos produtores rurais, ricos tanto quanto pobres, e de um número grande de países em desenvolvimento.
Por último, observe-se que os países mais vulneráveis à crise de preços são aqueles historicamente em dificuldades, ou porque suas agriculturas não puderam se desenvolver como consequência do efeito deletério dos subsídios desembolsados pelos países ricos, que fazem que a carne européia seja mais barata que a local na Costa do Marfim, quer porque suas condições geográficas não o permitem, como Bangladesh.
Tais países são tradicionalmente recipientes de ajuda humanitária, que têm diminuído ano a ano. Em 2007, o mundo desembolsou apenas US$ 103 bilhões para tal fim, uma queda de quase 10% com relação ao ano anterior. Esse montante foi menos de 20% do que os Estados Unidos da América gastaram apenas com a insana guerra no Iraque no mesmo período. Menos de 0,16% do PIB dos EUA e de 0,36% daquele da Alemanha são dispendidos em ajuda humanitária.
Assim, parece evidente que ainda não se tem um quadro claro, amplo e consistente para uma posição definitiva a respeito de um tema tão complexo. Cabe ao governo brasileiro ficar alerta ao debate que ora se trava, deixando de dormir no ponto como é da nossa tradição negociadora, já que os mais altos interesses nacionais estão em jogo, pela importância que o agronegócio tem para a nossa economia.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).