Lisboa – Desde o chamado Plano Real de 1994, sucessivos governos brasileiros têm adotado a política de valorização artificial da moeda brasileira. O principal fundamento dessa posição é o efeito do barateamento das importações com o consequente efeito de combate às pressões inflacionárias. A adoção do conceito traz implícita a admissão desses governos de sua incapacidade em combater o aviltamento monetário pelos meios convencionais, notadamente a racionalização dos gastos públicos.
O primeiro corolário natural dessa política distorciva é o incentivo às indústrias estrangeiras. Com a supervalorização média, no período mencionado, de 35% do Real face às moedas de nossos principais parceiros comerciais, as tarifas brasileiras praticadas em nível bastante inferior de aproximadamente 12% deixaram de ser o obstáculo natural e jurídico de proteção à indústria nacional.
Inicialmente, os efeitos do incentivo brasileiro às importações, singular num mundo pautado pelo protecionismo, não se mostraram devastadores nem para a indústria doméstica, nem para as contas externas do país: a balança comercial e o balanço de pagamentos. Isso porque a infraestrutura empresarial brasileira e estrangeira demorou a se acostumar com os efeitos da política.
Com o passar dos anos, contudo, e com a generalizada percepção da continuidade da tresloucada política, pela incapacidade governamental no eficaz gerenciamento de suas contas, os empresários e a população de uma maneira geral se adaptaram.
Os exportadores estrangeiros descobriram no Brasil a terra prometida: um país forâneo que subsidia suas vendas no seu próprio mercado interno. Coisa de louco! Os empresários brasileiros chegaram à conclusão que seria melhor comprar no exterior, principalmente na China, para vender no mercado doméstico, descontinuando sua produção local. O povo aprendeu a comprar produtos estrangeiros e a viajar para férias no exterior. A atividade industrial deixou de crescer no ritmo do consumo interno. O país se desendustrializa.
Na área das contas externas, o quadro atual apresenta matizes ao menos preocupantes. O déficit no balanço de pagamentos dos últimos doze meses superou o patamar dos R$ 50 bilhões. Por outro lado, a projeção de saldo comercial brasileiro feita pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) para 2010 é de apenas US$ 4,3 bilhões, contra cerca de US$ 25 bilhões em 2009.
As importações crescem a um ritmo alucinande de cerca de 60% ao ano, muito superior àquele das exportações. O insuspeito FMI, durante sua reunião executiva de 14 de julho de 2010, chamou a atenção do governo brasileiro sobre os efeitos da “sobrevalorização da taxa de câmbio do Real”.
Com a deterioração das contas brasileiras aumentarão inevitalvelmente as taxas de juros para o país e diminuirá o nível das reservas externas, talvez de maneira expressiva, já nos próximos dois anos. Teremos em seguida o já conhecido fenômeno de uma máxi-desvalorização do Real, com todas suas nefastas conseqüências?
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).