O Brasil ainda se omite na utilização da salvaguarda, importante instrumento de defesa comercial. A avaliação é de uma das maiores autoridades mundiais no tema, o advogado Durval Noronha, que é árbitro do País na OMC (Organização Mundial do Comércio). Noronha, cujo escritório tem filial na China, explica as medidas de defesa comercial e avalia que há muito a se avançar na OMC. ?O sistema foi concebido para privilegiar uns poucos em detrimento de muitos?, diz.

Defesa comercial – ?As medidas de defesa comercial foram desenvolvidas no âmbito do Sistema Multilateral de Comércio da OMC para o combate às práticas desleais de comércio, ou para o apoio a um setor da economia dos Estados membros que deixam de ter competitividade internacional em função de um surto de importações.

São três medidas: o antidumping, que visa combater a prática desleal chamada dumping; os direitos compensatórios, que visam combater a prática desleal de comércio dos subsídios ilegais e a salvaguarda, que é uma medida que não visa o combate a uma prática desleal de comércio, mas dar assistência jurídica.

É uma proteção tarifária ao setor da economia do País que se vê prejudicado pela perda de competitividade em função de um surto de importações. O antidumping é a medida mais conhecida e mais largamente utilizada. As salvaguardas são as menos adotadas e são aquelas que deveriam ser mais usadas.?

Produtos chineses – ?A China é um parceiro comercial muito importante para o Brasil. E é fato que alguns setores industriais estão tendo perda de competitividade face ao surto de importações da China e de outros países. Mas o governo brasileiro não vê com bons olhos a aplicação da salvaguarda e em sua história aplicou pouquíssimas medidas de salvaguardas. Para se ter uma idéia, no governo Lula, em que se acentuou a questão desses surtos de importação, não houve aplicação de uma medida sequer de salvaguarda.?

Salvaguardas – ?Esse instrumento jurídico existe para ser utilizado, desde que se caracterizem circunstâncias contempladas no acordo de salvaguardas. E me parece que elas têm ocorrido em diversos setores, mas o governo brasileiro não tem respondido com agilidade a esse fenômeno.?

Omissão – ?No caso do antidumping o Brasil tem sido bastante ativo (na defesa comercial), mas no caso de direitos compensatórios e, principalmente, salvaguardas, tem sido omisso. Sabe-se que alguns pedidos foram formulados, mas as autoridades brasileiras procuram desestimular os empresários brasileiros a entrar com pedido de salvaguardas, isso sem fundamento nenhum. É uma grande tolice.?

Papel da OMC – ?A OMC é importante. Ela representa o ordenamento jurídico multilateral do comércio, dá a legislação de regência nas questões comerciais. É importante que o regime comercial internacional esteja sob o império da lei. Lamentavelmente, a prática do sistema multilateral de comércio tem sido nefasta ou ao menos injusta para com os países em desenvolvimento. O sistema foi concebido para privilegiar a prosperidade de uns poucos em detrimento de muitos. As regras favorecem o núcleo central de países desenvolvidos e os grandes beneficiários das rodadas de negociação do comércio multilateral são, comprovadamente, os países desenvolvidos. Esses dados são comprovados por organismos insuspeitos como o Banco Mundial, o FMI e a Organização das Nações Unidas. No entanto, é importante que haja essa ordem jurídica e que o Brasil dela participe e que procure alterá-la para que ela venha a ser mais justa no futuro. A OMC tem um sistema de resolução de disputas, que ainda deixa muito a desejar, mas que precisa ser aperfeiçoado como de resto todo o ordenamento jurídico multilateral.?

Para mudar – ?É um trabalho muito árduo, porque é uma luta que depende da conscientização da opinião pública internacional, mas felizmente esse fenômeno está a ocorrer mais e mais a opinião pública internacional está ciente da necessidade de mudar essas regras.?

Escritório na China – ?Nós assessoramos a China na ascensão à OMC e vimos as transformações que estavam ocorrendo naquele país e as projeções de desenvolvimento, o que nos levou a tomar a decisão de abrir um escritório lá em 1998. Levamos dois anos, já que é difícil abrir um escritório na China da noite para o dia. Aliás em qualquer lugar do mundo, mas particularmente lá. Tivemos que treinar os quadros, enfim, houve uma série de dificuldades operacionais. Mas então, abrimos no ano 2000. Chegamos lá antes da Vale do Rio Doce, Petrobras, Banco do Brasil e Varig.?

Modernização – ?Houve uma grande modernização do substrato jurídico da China. Mais de nove mil leis foram modificadas para a ascensão da China à OMC, que foi em 11 de dezembro de 2001, e hoje o País tem uma legislação moderna, os juízes são nomeados por concurso público como no Brasil e o Ministério Público também. Existe uma Ordem dos Advogados que realiza exames da Ordem com um índice de reprovação semelhante aos daqui: 80% dos candidatos são reprovados. E a China tem hoje um número relativamente pequeno de advogados, 110 mil para uma população de 1,3 bilhão de pessoas. Para nós, esse é um mercado muito importante. Hoje somos muito ativos nas relações bilaterais Brasil e China.