BEIJING – A prosperidade experimentada pelo povo chinês nas últimas duas décadas dispensa arautos por ser de conhecimento generalizado. Esse notável desenvolvimento econômico, mas também social e político, tem seu fundamento numa reforma liberalizante realizada num contexto de economia planejada, onde sobressai a política cambial e a de taxa de juros, ambas de grande estabilidade.
De fato, a moeda do povo, o iuan, tem permanecido estável já há cerca de 10 anos, num patamar de cerca de 8,3 por 1 dólar norte-americano. Essa realista politica cambial, juntamente com uma taxa de juros de 2,3% ao ano, e uma infra-estrutura legislativa e tributária altamente competitiva, permitiu a realização de grandes investimentos, tanto chineses como estrangeiros, nas plataformas de exportação do país, as áreas econômicas especiais. Por sua vez, a expansão do mercado doméstico resultante do aumento da renda individual encorajou investimentos voltados ao atendimento ao público interno.
Dessa maneira, a economia voltada à exportacao permitiu que a República Popular da China constituísse reservas em moedas estrangeiras num total de US$ 659 bilhões, segundo as mais recentes estatísticas. Acrescente-se a isso as reservas de Hong-Kong que somaram nessa semana a quantia de US$ 122 bilhões. O acúmulo de reservas num nível tão extraordinariamente elevado foi, por sua vez, permitido, em última instância, pelas taxas de juros baixas.
De fato, durante todo o período sob análise, o Banco do Povo da China tem comprado as moedas estrangeiras resultantes dos enormes saldos comerciais, contra pagamentos em iuanes, esterilizando a resultante liquidez mediante a emissão de títulos da divida, para evitar as pressões inflacionárias. A inflação medida por critérios de preço ao consumidor é de 2,7% ao ano na China. O mercado financeiro entende serem os referidos títulos atraentes, já que as alternativas para a aplicação de recursos não são melhores.
Essa política teve tamanho sucesso que, hoje, a China encontra-se sob forte pressão dos Estados Unidos da América, um grande adepto do jogo comercial das cartas marcadas, para a apreciação da moeda do povo. A mesma pressão é exercida por parte da União Européia e pelo Japão. Alegam os EUA que o iuan é mantido elevado de maneira artificial, o que conferiria à China vantagens ilícitas no regime jurídico multilateral do comércio, esquecendo-se convenientemente que sua Secretaria do Tesouro e mesmo o FMI (Fundo Monetário Internacional) encorajaram países em desenvolvimento como a China a manter o câmbio fixo.
O governo chinês tem resistido, por ora, a tais pressões. Lembram os chineses que os problemas da economia americana são de ordem interna, como é sobejamente sabido, e não resultam da política cambial chinesa. Por outro lado, os chineses temem, com a apreciação da moeda, prejudicar todo o planejamento econômico estratégico de médio e longo prazo do pais. Mais ainda, um estudo publicado nessa semana pelo Instituto de Estatisticas da China indica que uma valorização de 10% do iuan iria resultar na perda de um superávit comercial que atingiu o montante de US$ 32 bilhões no ano passado.
O Brasil, por seu turno, apresenta um grande contraste com a política econômica, monetária e cambial chinesa. Esse contraste não apareceu na atual administração brasileira, mas tem sido mantido através dos anos. A pouca eficiência histórica na administração pública brasileira tem impedido uma otimização dos recursos públicos e gerado uma pressão inflacionaria de difícil contenção. Para combatê-la, os recentes governos têm se valido de altas taxas de juros e da sobrevalorização do real.
As altas taxas de juros são o remédio monetarista clássico para pressões inflacionárias mas, se utilizadas para compensar a ineficiência do setor público, passam a penalizar ou mesmo a inviabilizar a atividade do setor privado. Por outro lado, o câmbio sobrevalorizado combate à inflação por dar um bizarro subsídio às importações, combatendo o aumento do custo de vida com artigos importados a preços artificiais. Alguns míopes economistas governamentais brasileiros vêm, há tempos, sustentando a aplicação de tais “ancoras” para o pais.
Como o Brasil ainda tem uma infra-estrutura legislativa e tributária pouco competitiva no direito comparado, com as altas taxas de juros e o câmbio sobrevalorizado passamos a ter uma tríade demoníaca, altamente devastadora para o clima de investimentos e para a promoção do crescimento econômico e social. Somente na área cambial, nossa moeda, que já era sobrevalorizada há um ano atrás, apreciou-se 10% no período, o número que na China acabaria com o seu superávit comercial. De mais a mais, a política de juros altos impede o acúmulo de reservas em moedas estrangeiras.
O exemplo chinês ora examinado é inspirador para o Brasil. Também inspiradora é a atitude dos governantes chineses. Quando indagado por mim a respeito da possível mudança da política cambial chinesa, um amigo, alto funcionário governamental respondeu-me: “o governo chinês não adotará nenhuma política que afete de maneira adversa a economia do país”. A lição é básica, mas é fundamental.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).