Pequim – A República Popular da China, através do Escritório de Informação do Conselho de Estado, publicou em meados de março de 2010 o seu já tradicional relatório sobre a situação dos direitos humanos nos Estados Unidos da América no ano de 2009 (o Relatório), em represália à publicação congênere do governo americano. Segundo o governo chinês, os americanos, ao criticarem mais de 190 países, arvoram-se como “os juízes mundiais sobre direitos humanos”.
Todavia, segundo os chineses, os EUA nada fazem para combater os enormes abusos dos direitos humanos no seu próprio território. Na área de direito à vida, propriedade e segurança pessoal, o Relatório indica que, no ano de 2008, residentes nos EUA sofreram 4.9 milhões de crimes violentos, 16.3 milhões de crimes contra a propriedade e 137 mil furtos. Naquele ano, mais de 14 milhões de prisões ocorreram no país, excetuadas as decorrentes de infrações de trânsito.
O Relatório lembra que os EUA têm o primeiro lugar no mundo da relação de armas de fogo por habitantes. No país, 11.3% dos estudantes secundaristas já foram ameaçados ou feridos por armas enquanto estavam nas respectivas dependências escolares.
Acresce que, sempre segundo o Relatório, os direitos civis e políticos dos cidadãos são severamente restringidos e violados pelo governo dos EUA. O abuso de poder por parte da polícia tornou-se corriqueiro. As prisões do país estão superlotadas. Mais de 7.3 milhões de pessoas encontravam-se encarceradas ao final de 2008. A população carcerária cresce a uma média de 1.8% ao ano.
Do total da população carcerária, 4.5% relataram haver sofrido abusos sexuais pelo menos uma vez no período antecedente de um ano. No mesmo período, estima-se a ocorrência de pelo menos 60 mil casos de estupros de prisioneiros nos EUA.
Enquanto o governo norte-americano proclama liberdade de opinião, liberdade de imprensa e liberdade da Internet, na realidade os direitos dos cidadãos americanos de acessar e distribuir informaçãoes encontra-se sujeito a uma estrita supervisão governamental, que espiona e grava telefonemas, faxes e correios eletrônicos através da NSA (National Security Agency) desde 2001, através de nada menos do que 25 centros especializados.
A situação agravou-se após o ataque de 11 de setembro de 2001, a partir de quando deixou de existir, para efeitos de ordem prática, nos EUA o direito à privacidade, inclusive com relação a relatórios médicos e financeiros. A informação da imprensa é manipulada pelo governo americano, ou proativamente, como no caso de comentaristas recrutados pelo governo, ou reativamente, como no caso da censura aos canais árabes de televisão.
A situação nos EUA não é melhor no tocante aos direitos econômicos, sociais e culturais. O país teve o maior nível de desemprego (10.2%) em 26 anos, em 2009, com 16 milhões de desocupados. No mesmo ano, registraram-se quase 1.2 milhões de falências. A população pobre, cerca de 40 milhões de pessoas no final de 2008, foi a maior em 11 anos. Na cidade de Nova Iorque, a taxa de pobreza foi de 18.2%.
A população faminta nos EUA em 2009 foi a maior em 14 anos. Quase 50 milhões de pessoas no país norte-americano passam fome, segundo dados obtidos pelos chineses junto ao US Department of Agriculture. O número de usuários do sistema de selos alimentares aumentou em 2009 em 7.1 milhões de pessoas, com relação ao ano precedente.
Os direitos dos trabalhadores foram seriamente violados nos EUA. Segmentos importantes dos trabalhadores do país tiveram reduções salariais. Segmentos importantes ganham menos que o salário mínimo. A segurança do trabalho deixa muito a desejar. Nos EUA, 46.3 milhões de pessoas, ou 15.4% da população total, não têm seguro médico. Em Houston, Texas, 40.1% dos residentes não têm seguro saúde. Cerca de 1.6 milhão de pessoas estavam sem teto nos EUA em 2009, um crescimento de quase 10% com relação ao ano anterior.
Acresce que, sempre segundo o Relatório, a discriminação racial é um problema crônico nos EUA. Os brancos têm uma renda familiar superior àquela dos hispânicos e negros em cerca de 33%. Hispânicos e negros têm cerca de 24% de sua população no nível de pobreza, enquanto os brancos têm apenas 8.6%. Os grupos minoritários sofrem discriminação na educação. Os imigrantes vivem na miséria.
No tocante aos direitos da mulher e da criança, o Relatório aponta que as mulheres não têm o mesmo status político e social do que os homens. Apesar das mulheres representarem 51% da população dos EUA, elas representam apenas 17% dos assentos no presente congresso do país. Nenhuma das maiores 400 entidades caritativas nos EUA é presidida por uma mulher. As mulheres sofrem discriminação no trabalho.
Por outro lado, as crianças americanas sofrem de fome e frio. Segundo o Relatório, citando novamente o US Department of Agriculture, 16.7 milhões de crianças americanas, ou 25% do total, não tiveram comida suficiente em 2008. Cerca de 7.7 milhões de crianças, ou 9.9% do total, não tinham seguro saúde em 2008. O trabalho infantil na agricultura é comum. As detenções juvenis aumentaram 44% de 1985 a 2002.
O Relatório ainda relata os casos de violações de direitos humanos de outras nações por parte dos EUA. Na busca da hegemonia mundial, os EUA solaparam a soberania de outros países, violando os respectivos direitos humanos. Os EUA são os principais mercadores de armas no mundo, com cerca de 42% do total.
A guerra no Iraque levou à morte mais de 1 milhão de civis iraquianos e levou outros tantos à situação de sem-teto. Os abusos de prisioneiros são um dos maiores escândalos de direitos humanos nos EUA, segundo o Relatório. A CIA usa sistematicamente a tortura desde 2002. Os EUA hoje mantém 900 bases mundo afora, as quais trazem danos e contaminação ambiental.
Os EUA mantém seu embargo econômico, comercial e financeiro conta Cuba, por quase 50 anos. O bloqueio causou uma perda econômica direta de mais de US$ 93 bilhões par Cuba. Os EUA recusam-se a quebrar o seu monopólio sobre a Internet. O país norte-americano, segundo o relatório, ignora as convenções internacionais de direitos humanos.
O governo chinês conclui o Relatório afirmando que os EUA não apenas tem uma precária situação doméstica de direitos humanos, mas são uma fonte principal de muitos desastres no setor, mundo afora.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).