Palestra proferida na Universidade de Lisboa – Instituto de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 07 de junho de 2017.


O consagrado pensador brasileiro, Prof. Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de prolífica obra que enriquece o universo cultural brasileiro e sul-americano, lançou há 10 anos um novo livro, “Formação do Império Americano – da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque”, sem dúvida seu melhor e mais profundo trabalho, pela Civilização Brasileira. De fato, Formação, com 849 páginas, é um trabalho de classe mundial, como raríssimos que se produzem no Brasil, tanto pela qualidade da análise dialética como pela profundidade da pesquisa efetuada, configurando-se na melhor história recente dos EUA (Estados Unidos da América).

Nas palavras de N. Bukharin, “compreender um acontecimento histórico é representá-lo… como um valor necessariamente conseqüente de um conjunto de condições determinadas”. É o que fez com grande erudição o Prof. Moniz Bandeira analisando, em primeiro lugar, a motivação imperialista da guerra movida pelos EUA contra a Espanha, na busca dos espólios do império colonial desta.

Ao tratar da 1ª. Guerra Mundial, o Prof. Moniz examina como os EUA emergiram do conflito como a principal potência econômica do mundo, tendo se beneficiado enormemente da atividade bancária e de exportação de material bélico. Como decorrência, é analisada a política exterior de Woodrow Wilson, já se verificando que “o aparente isolacionismo dos EUA (…) não constituiu mais do que uma expressão do unilateralismo real, inerente à sua política exterior (…)”.

No interregno entre as duas guerras, o Prof. Moniz trata da ascensão do nazismo, na Alemanha, com o conseqüente realinhamento de sua política exterior. Trata-se a seguir das contradições entre as políticas econômicas de Hitler e de Roosevelt. No mesmo período, é examinada a consolidação do poder de José Stalin, na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e, afinal, o pacto Molotov-Ribbentrop.

O capítulo seguinte trata da formação inicial do complexo industrial militar, que existe até hoje, mas com uma influência política sem precedentes. É também analisada a formulação da aliança entre Churchill e Roosevelt, bem como a constituição do Eixo. Em seguida, é examinado o ingresso provocado do Japão no conflito armado, com o ataque a Pearl Harbour.

Com o término do conflito, é examinada a formação da nova ordem internacional, com a criação das instituições de Bretton Woods. O Prof. Moniz explica como Roosevelt colimava no conflito estabelecer a nova ordem internacional sob a hegemonia dos EUA após o esmagamento da Alemanha, principal rival do país, e liquidar as possessões da Itália e do Japão; dissolver o império colonial que ainda mantinham França, Holanda e Bélgica. Bem como assumir os domínios do Reino Unido.

A vitória da revolução comunista na China e o resultante alarme em Washington é objeto do capítulo seguinte, da mesma forma que a descolonização da Índia e a partição da Palestina. Naquela ocasião, os EUA, “cuja renda nacional mais que duplicara, saltando de US$ 81 bilhões, em 1940, para US$ 181 bilhões, em 1945, e US$ 241,9 bilhões, em 1950, começaram a afigurar-se como um Estado virtualmente totalitário, muito similar à União Soviética”. Mais adiante, observa com propriedade o Prof. Moniz, que os EUA “tornaram-se a potência hegemônica e, estabelecendo um sistema de alianças, cujos pactos tinham condições de manter e de cumprir, podiam determinar a vontade de outros Estados, de acordo com seus próprios interesses imediatos e permanentes”.

Depois de discorrer a respeito da formação da CEE (Comunidade Econômica Européia), o Prof. Moniz analisa a expansão das fronteiras econômicas dos EUA, a revolução cubana e a guerra fria na América Latina. Nesse particular, o Prof. Moniz observa e demonstra como a América Latina “foi uma região particularmente afetada pelas políticas dos Estados Unidos, ao promoverem o liberalismo econômico através do autoritarismo político, de governos militares, a serviço da comunidade dos homens de negócios.”

Em seguida, é analisado o crescimento do sentimento de anti-americanismo, observando o autor que “o ressentimento com a política do Big Stick e a animosidade contra a atuação dos governos americanos foram mais importantes do que a influência comunista na mobilização dos povos, na América Latina, contra a intervenção militar em Cuba, que Kennedy pretendeu promover (…)”.

A guerra do Vietnã é o objeto de capítulos seguintes da obra magistral do Prof. Moniz, com destaque especial para a crise econômica que afetou o país durante a administração Johnson. A insensatez da guerra é ilustrada pelo fato de que “o Vietnã do Norte era tão pobre que os setecentos aviões americanos, lá abatidos entre 1965 e 1968, custaram mais caro, cerca de US$ 900 milhões, do que os prejuízos causados pelo bombardeamento, da ordem de US$ 300 milhões”. Os lucros do agro negócio e das grandes corporações americanas com o conflito são objetos de profunda análise, bem como os limites do poderio militar.

Em seguida, analisa-se, inter alia, o golpe militar no Chile, Watergate, a renúncia de Nixon, a CIA e a operação Condor, a repressão na Argentina e a vitória dos sandinistas na Nicarágua. O choque do petróleo, a invasão do Afganistão e o fomento do fundamentalismo islâmico pela CIA para desintegrar a URSS, são objeto de profundo exame. A crise com o Irã, e o apoio dos EUA ao Iraque no conflito com aquele, é examinada em seguida, culminando com a derrota de Carter. O apoio de Reagan a Saddan Hussein é detalhado.

A duplicidade dos EUA no conflito das Malvinas é objeto da atenção do autor, bem como a intervenção em Granada. O segundo choque do petróleo é acertadamente visto como fator econômico a impulsionar a nova política, mais agressiva, dos EUA no Oriente Médio. O colapso da URSS e a reforma econômica na China seguem no enredo do trabalho. O militarismo nos EUA e o terrorismo e o narcotráfico como “novas ameaças” para a manutenção de encomendas ao complexo industrial militar e a formulação de uma política exterior agressiva são tratados a seguir.

A eleição de Clinton, os gastos com a defesa, invasão do Kuwait, e a questão do Iraque são tratadas a seguir. Também é examinada a questão da renegociação da dívida externa do terceiro mundo e chamado consenso de Washington. Segundo observou corretamente o Prof. Moniz, as medidas recomendadas pelo Consensus, “rejuvenescendo e encorajando os princípios do liberalismo econômico, sobretudo a privatização das empresas estatais, a desregulamentação da economia e a liberalização unilateral do comércio exterior, eram similares às que governos militares, nos anos 1960, tentaram aplicar, ou aplicaram, sem sucesso, nos países da América Latina”.

A política exterior de Clinton é objeto de profundo exame, bem como a formação do conceito dos EUA como “nação indispensável” (sic). A expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) aos países do leste europeu e o crescimento de um novo movimento ultra-conservador nos EUA são examinados a seguir. Trata-se então dos interesses geo-estratégicos dos EUA na Ásia Central e no mar Cáspio. O golpe judicial que promoveu a ascensão da ultra-direita e de George W. Bush à presidência dos EUA é objeto de considerações especiais.

A seguir, vem o tratamento dos atentados de 11 de setembro, o ataque ao direito internacional com os ataques preventivos e outras ações igualmente sancionadas pela ordem jurídica multilateral, de resto duramente construída. Essa crescente tendência ao unilateralismo “se acentuou após a desintegração da União Soviética, quando os Estados Unidos entenderam que dentro de um sistema unipolar já não necessitavam mais de aliados e sim de vassalos…”. Dentre tais ações, o Prof. Moniz inclui a ilegal remoção do altamente competente diplomata brasileiro, Embaixador José Maurício Bustani, como diretor da OPAC, que contou com o vergonhoso beneplácito do então chanceler brasileiro, Celso Lafer.

De grande interesse é a análise do autor sobre os objetivos da guerra contra o Iraque, bem como sobre os negócios das corporações com o conflito. No mesmo capítulo, trata-se da manipulação da opinião pública, a reação da ONU, as fraudes de Bush e da repulsa mundial contra a guerra. O autor dá também a fonte teórica dos métodos de tortura empregados pelos EUA em seus cárceres, infames manuais que já serviram à desumanidade desde 1963, quando foram compilados originalmente.

O Prof. Moniz Bandeira situou a premissa maior de seu trabalho na contribuição doutrinária do pensador marxista alemão, Karl Kautsky para quem, escrevendo em 1914, as potências industriais, da mesma forma que as empresas de mercado, terminariam por unir-se, formando uma espécie de cartel. Ao final, o autor conclui sua obra magistral observando que “ao invés de um empire of liberty, idéia germinada no século XIX com base no pensamento de Thomas Paine, o que os Estados Unidos pretenderam, sob o governo de George W. Bush, foi impor a liberty of empire, i.e., estabelecer uma ditadura global, sobreposta ao Direito Internacional”.

Formação do Império Americano reafirma a condição do Prof. Moniz Bandeira como o maior historiador brasileiro de todos os tempos. O trabalho tem um sucesso internacional sem precedentes e é lido em todos os rincões do mundo por todos aqueles em busca da verdade histórica e esperançosos de um futuro onde prevaleça a causa da Justiça.