São Paulo – Na próxima quarta-feira, dia 21 de janeiro de 2009, George W. Bush terá transferido o importante cargo de presidente dos EUA (Estados Unidos da América) a Barack Obama com o menor nível de popularidade doméstica na história do país, e em meio à pior crise econômica e financeira desde 1929, que traz em seu bojo o desemprego, a miséria e a desesperança aos trabalhadores, aos aposentados e à maioria da população.
A publicação, dias atrás, pelo Escritório Orçamentário do Congresso dos EUA, de suas previsões orçamentárias para o exercício de 2009, indica manifestações potencialmente ainda mais graves da crise a resultar de um déficit de US$ 1,2 trilhão, ainda sem se computar os recursos de US$ 800 bilhões do plano de estímulo à economia.
Tal déficit projetado de US$ 2 bilhões corresponderá a, aproximadamente, 13% do PIB (Produto Interno Bruto) dos EUA, ou mais do que o dobro daquele maior já verificado no pós-guerra, e poderá comprometer mais ainda a posição do dólar americano como moeda de reserva.
Com a moeda comprometida, o sistema financeiro abalado, a indústria sem competitividade internacional e indicadores sócio econômicos semelhantes àqueles de países em via de desenvolvimento, como o nível de desemprego por volta de 7,2% em dezembro de 2008, as perspectivas futuras de curto e médio prazo para os EUA não são nada brilhantes. O mundo em crise significa que a ajuda externa ao país não será decisiva.
O legado devastador da administração George W. Bush, contudo, não se limita às conseqüências sociais da crise econômica que, iniciada nos EUA, no setor financeiro abandonado pelo governo do país à mais irresponsável aventura predatória e criminosa jamais registrada na história, espalhou-se pelo mundo afora.
De fato, o governo Bush deixa igualmente uma herança dramática nas relações internacionais. Não nos esqueçamos que, em 2002, aquela administração, no seu documento de estratégia de segurança nacional, repudiou nada menos do que a Carta da ONU (Organização das Nações Unidas), no tocante ao uso da força, ao autorizar o seu uso preventivo e unilateral, vedado por seu artigo 2(4).
Em outubro do mesmo ano, o Congresso dos EUA autorizou o poder executivo daquele país a empreender guerra ilegal contra o Iraque, mesmo sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU. Na área ambiental, o governo Bush repudiou o importante Protocolo de Kyoto de 2001.
No setor militar, os EUA denunciaram o Tratado de Mísseis Anti-Balísticos de 1972 e frustraram a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio Ilícito de Armas de Pequeno Porte. Opuseram-se ainda ao Tratado de Banimento de Testes Nucleares de 1996 e inviabilizaram o novo protocolo adicional à Convenção sobre a Proibição de Armas Biológicas e Tóxicas de 2001. Não bastassem tais medidas, os EUA ainda repudiaram a CIAC (Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas), de 1993.
Com relação à proteção dos direitos humanos, os EUA de Bush rejeitaram o Novo Protocolo sobre a Convenção de 1987 sobre a Tortura, da mesma forma que não aceitaram a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as mulheres e, até mesmo, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. A criação e o funcionamento da Corte Internacional de Justiça sofreram a oposição ativa e militante do governo Bush.
Ainda no segmento de direitos humanos, os EUA retiraram-se da Conferência Internacional sobre o Racismo, realizada em 2002, e foram voto isolado contrário a duas resoluções apresentadas na Assembléia Geral da ONU, em 2003, pela Comissão de Direitos Humanos que objetivavam declarar o direito humano ao mais alto padrão de saúde e ao acesso a medicamentos no contexto de pandemias.
Contrariamente a dezenas de resoluções da Assembléia Geral da ONU, os EUA de Bush continuaram a promover o desumano embargo econômico a Cuba, que provoca condições miseráveis para milhões de civis cubanos há décadas. Seus teóricos, como o infame John Yoo, inseridos no governo, passaram a defender a excepcionalidade dos EUA face às normas de direito internacional e a não aplicação do direito interno a cidadãos estrangeiros sob a custódia legal americana.
Tais construções pseudo-jurídicas foram apresentadas para promover justificativas aos crimes de guerra e crimes contra a humanidade praticados nos quatro rincões do mundo, mas notadamente na incursão militar ilegal no Iraque, bem como em sua ocupação, com a violação dos direitos da população civil e a prática disseminada e institucionalizada de torturas.
Assim, para além de indutor da crise econômica, da crise nas relações internacionais, da crise nos direitos humanos, o governo Bush criou os mais baixos paradigmas de ação governamental no pós-guerra e, assim, instaurou igualmente uma profunda crise moral com a perda de credibilidade da administração de seu país em cooperar para gestões em prol da Humanidade e de seus valores duramente sedimentados através dos séculos.
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).