São Paulo – O Foro Econômico Mundial realizado anualmente na estância suíça de Davos reuniu, na semana de 26 de janeiro de 2009, os seus delegados habituais, os arautos do neoliberalismo econômico originários dos países desenvolvidos e seus emuladores patéticos, agentes de governo e do setor privado dos países em desenvolvimento, que seguem os ditames disparatados dos primeiros em detrimento dos interesses dos seus povos.
Mesmo com a falência de suas economias e com o mundo lançado, por sua única e exclusiva falta, na maior crise econômica e financeira de todos os tempos, não perderam os grandes, hoje falidos magnos, de postular receitas para o alegado bem universal, hoje resumidas no seguinte refrão: “não ao protecionismo”.
Tipicamente, a receita veio a posteriori, depois que os mesmos grandes tomaram grandes medidas protecionistas, que violam frontalmente as regras do regime multilateral da OMC (Organização Mundial do Comércio), e procuram apenas promover certos interesses de grupos oligárquicos domésticos disfarçados como ações de proveito nacional.
De fato, os Estados Unidos da América desembolsarão neste ano cerca de US$ 2 trilhões, com o montante usado em 2008, ou aproximadamente 13% do PIB (produto interno bruto) do país, em medidas financeiras e não financeiras para intervir na economia privada e salvar entidades particulares, principalmente no setor financeiro, que receberá pelo menos metade da referida quantia.
Conforme dados do insuspeito FMI (Fundo Monetário Internacional), em 2009, os países desenvolvidos aumentarão os respectivos déficits fiscais para 7% do PIB, em média, de um patamar deficitário de 2% em 2008. Todos esses recursos serão desembolsados em mecanismos que, quase sempre, podem ser caracterizados como subsídios ilegais ou protecionismo de outra forma inconsistente com as normas da OMC.
Veja-se, por exemplo, a recente reserva de mercado para o ferro e o aço de produção doméstica dos EUA inserta no pacote de medidas governamentais aprovado pelo congresso daquele país apenas dias antes do fechamento dos trabalhos de Davos.
Segundo dados do mesmo FMI, as medidas tomadas pelos governos até hoje para o enfrentamento à crise consistem em provisões de liquidez, obras de infra-estrutura, cortes de impostos, ajuda direta, garantias a empréstimos, compra de ativos podres, injeção de capital e nacionalizações.
À exceção das obras de infra-estrutura que, apenas excepcionalmente, podem ser caracterizadas como violações às regras multilaterais, as demais ações são freqüentemente, ou sempre, violadoras das normas de regência do comércio internacional. Note-se que os EUA e o Reino Unido, arautos do liberalismo econômico, já lançaram mão de todas elas, o que não impediu o primeiro-ministro britânico, valendo-se da tradicional hipocrisia que inspira a alma nacional, ter em Davos pedido uma rejeição do protecionismo.
Enquanto nos países desenvolvidos há um importante, se bem que ilegal, apoio ao setor privado, apesar da mantida retórica neoliberal para consumo dos menos avisados, no Brasil continuamos sem quaisquer medidas eficazes, nem mesmo as legais como as de política monetária, que possam impedir o agravamento da crise dentre nós.
Ao contrário, continuamos com a mais alta taxa de juros do mundo e a maior margem de remuneração financeira do planeta, que provocam respectivamente, um dreno de recursos públicos e um arrefecimento da atividade privada, em favor do setor bancário e em detrimento dos interesses nacionais.
Com isso, em Davos, os nossos representantes do setor fazendário, acompanhados do tanto onipresente quanto destrambelhado chanceler, ficaram felizes, saltitantes e vaidosos com o galardão de bons alunos neoliberais recebido unanimemente de todos os poderosos.
Teria sido melhor que as despesas de viagem tivessem sido economizadas e, para variar, que os nossos representantes tivessem ouvido o inconfundível clamor das ruas, as reivindicações dos pátios e gabinetes das empresas e indústrias, bem como as ponderadas vozes dos setores produtivos do campo.
Preparemo-nos para o pior!
Advogado admitido no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Formou-se em direito pela PUC-SP em 1975. Árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).